Artigo de Versteijne et al. no Journal of Clinical Oncology apresenta resultados de longo prazo do estudo PREOPANC revelando que, em um acompanhamento mediano de 59 meses, pacientes com câncer de pâncreas ressecável e borderline ressecável tiveram maior sobrevida global com quimiorradioterapia neoadjuvante à base de gencitabina do que com cirurgia inicial (razão de risco 0,73; P = 0,025). A taxa de SG em 5 anos foi de 20,5% no grupo que recebeu tratamento neoadjuvante versus 6,5% no grupo tratado com cirurgia. Quem comenta os resultados é o cirurgião Orlando Torres (foto), professor titular e chefe do Serviço de Cirurgia do Aparelho Digestivo – Unidade Hepatopancreatobiliar - do Hospital Universitário da Universidade Federal do Maranhão.
Neste estudo multicêntrico de fase III, pacientes com câncer de pâncreas ressecável e borderline ressecável foram randomizados (1:1) para quimiorradioterapia neoadjuvante ou cirurgia inicial em 16 centros holandeses. A quimiorradioterapia neoadjuvante consistiu em três ciclos de gencitabina combinados com radioterapia de 36 Gy em 15 frações durante o segundo ciclo. Após o reestadiamento, os pacientes foram submetidos à cirurgia seguida de quatro ciclos de gencitabina adjuvante. Os pacientes do grupo de cirurgia inicial foram submetidos à cirurgia seguida de seis ciclos de gencitabina adjuvante. O endoint primário foi sobrevida global (SG) por intenção de tratar, além de dados de segurança.
Resultados
Entre 24 de abril de 2013 e 25 de julho de 2017, 246 pacientes elegíveis foram randomizados para quimiorradioterapia neoadjuvante (n = 119) e cirurgia inicial (n = 127). Em um acompanhamento mediano de 59 meses, a SG foi maior no grupo de quimiorradioterapia neoadjuvante à base de gencitabina (razão de risco 0,73; P = 0,025) comparado ao grupo tratado com cirurgia inicial (razão de risco, 0,73; IC 95%, 0,56 a 0,96; P = 0,025). “Embora a diferença na mediana de sobrevida tenha sido de apenas 1,4 meses (15,7 meses vs 14,3 meses), a taxa de SG em 5 anos foi de 20,5% (IC 95%, 14,2 a 29,8) com quimiorradioterapia neoadjuvante e 6,5% (IC 95%, 3,1 a 13,7) com cirurgia inicial.
A análise de longo prazo mostra que o efeito da quimiorradioterapia neoadjuvante foi consistente em todos os subgrupos pré-especificados, incluindo pacientes com câncer de pâncreas ressecável e borderline ressecável. Endpoints secundários de sobrevida livre de doença e intervalo livre de falha locorregional também foram significativamente melhores após o tratamento neoadjuvante.
“Quimiorradioterapia neoadjuvante à base de gencitabina seguida de cirurgia e gencitabina adjuvante melhora a SG em comparação com cirurgia inicial e gencitabina adjuvante no câncer de pâncreas ressecável e borderline ressecável”, conclui a análise.
Quimioterapia (ou quimioradioterapia) neoadjuvante para adenocarcinoma (ressecável e borderline) do pâncreas
Por Orlando Jorge M Torres*
A duodenopancreatectomia (ou operação de Whipple) associada à quimioterapia sistêmica são os fatores mais importantes relacionados com a cura dos pacientes com adenocarcinoma ductal de cabeça de pâncreas. A quimioterapia (ou quimioradioterapia) neoadjuvante (pré-operatória) tem sido utilizado como tratamento padrão em alguns centros. Algumas das justificativas incluem eliminar as presumíveis metástases ocultas (micrometástases), avaliar a resposta histológica da doença, identificar pacientes que progridem apesar da terapia, reduzir a carga de doença, facilitando a ressecção R0, aumentar o número de pacientes que completam os ciclos de tratamento. Por outro lado, centros que realizam o tratamento cirúrgico de princípio, seguido de quimioterapia adjuvante, mostram os benefícios deste procedimento sobre a quimioterapia neoadjuvante por razões como a perda da janela de oportunidade do tratamento com intenção curativa pela progressão da doença, a toxicidade do tratamento neoadjuvante reduzindo o status do paciente e impedindo a cirurgia, a necessidade de biópsia e descompressão da via biliar para o uso da quimioterapia neoadjuvante e suas complicações (colangite, sepse, pancreatite, sangramento), entre outros. A cirurgia de princípio, associada à quimioterapia adjuvante ainda é o tratamento padrão ouro.
Vários estudos (incluindo meta análises de estudos prospectivo e retrospectivos não randomizados), têm sido realizados. Entretanto estes estudos misturam doença ressecável com doença borderline e inclusive localmente avançada, misturam quimioterapia com quimioradioterapia e misturam quimioterapia com folfirinox e quimioterapia com base em gencitabina. O estudo PREOPANC (Versteijne et al 2020) é um estudo holandês, randomizado de fase III, realizado em 16 centros de alto volume de cirurgia de pâncreas, infelizmente incluindo pacientes ressecáveis e borderline, randomizado 1:1 cirurgia imediata (127 pacientes) e quimioradioterapia (119 pacientes). A sobrevida global foi de 16 meses para quimioradioterapia neoadjuvante e 14,3 para cirurgia imediata (p=0,096) e os índices de ressecção foram 61% e 72% respectivamente (p=0,058). A proporção de pacientes que sofreram eventos adversos sérios foi de 52% para quimioradioterapia e 41% para cirurgia imediata (p=0,096). Embora com alguns resultados favoráveis, o estudo não foi considerado para uso na prática principalmente por usar população mista, usar gencitabina como monoterapia e a baixa sobrevida global.
Em uma meta-análise de Cloyd et al, foi utilizado apenas estudos prospectivos randomizados, controlados. Dos seis estudos (850 pacientes), quatro incluíam apenas pacientes ressecáveis, um estudo apenas com pacientes borderline e um ressecável e borderline. Quatro utilizaram quimioradioterapia e dois estudos utilizaram quimioterapia isolada baseada em gencitabina. Houve um aumento de ressecções R0 no grupo neoadjuvante. Eles concluem que mais estudos randomizados controlados com outros esquemas de quimioterapia são necessários para confirmar os achados.
Em uma meta-análise de 2018 (Versteijne et al) com pacientes ressecáveis e borderline com 38 estudos (randomizados, prospectivos e retrospectivos) utilizando radioterapia e/ou quimioterapia, os índices de ressecção foi menor nos pacientes que receberam tratamento neoadjuvante (66,0% vs. 81,3%; p < 0.001) e 17,8% dos pacientes que receberam tratamento neoadjuvante não foram submetidos a cirurgia e o principal motivo foi a progressão da doença (64,4%). Da mesma forma não houve diferença nos índices de ressecção R0 (p=0,088). Da mesma forma os autores destacam como uma das limitações do estudo ter sido a inclusão de trabalhos retrospectivos.
Em uma revisão sistemática de Bradley e Van der Meer, incluindo seis estudos de fase II com quimioterapia neoadjuvante em pacientes ressecáveis, a proporção de pacientes operados foi de 76,08%. A análise foi marginalmente a favor de quimioterapia neoadjuvante. Os autores concluem que a quimioterapia neoadjuvante não foi pior que o tratamento cirúrgico imediato. Conclusões definitivas não foram alcançadas devido às limitações dos estudos existentes.
A meta análise realizada por van Dam et al, incluiu sete estudos randomizados controlados, dois deles disponíveis apenas como resumo da ASCO. Em quatro estudos a quimioterapia foi baseada na gencitabina e radioterapia foi incluída em todos os estudos. No subgrupo que incluía apenas pacientes com doença ressecável, não foi demonstrada diferença estatisticamente significante na sobrevida global. Algumas limitações dos estudos incluem a heterogeneidade do regime de terapia neoadjuvante, o uso de gencitabina, diferentes definições de ressecabilidade, bem como ressecabilidade definida apenas com exames de imagem. Os índices de ressecção nesses estudos, após terapia neoadjuvante e cirurgia de princípio foram, respectivamente 58% versus 70% (Golcher, et al), 61% versus 75% (Casadei et al), 84% versus 90% (Reni et al), 61% versus 72% (Versteijne et al), 63% versus 78% (Jang et al), maior ressecabilidade naqueles submetidos a cirurgia de princípio.
Recentemente, os resultados de longo prazo do estudo fase III realizado em 16 centros da Holanda, Versteijne et al, observaram melhora da sobrevida global no grupo quimioradioterapia neoadjuvante quando comparado com cirurgia de princípio. O estudo misturou pacientes classificados como ressecáveis e pacientes borderline. Também utilizou quimioterapia baseada na gencitabina. Embora a diferença mediana de sobrevida tenha sido apenas de 1,4 meses (15,7 meses versus 14,3), a sobrevida global foi superior no grupo que foi submetido a quimioterapia neoadjuvante.
Em conclusão, as meta-análises e estudos randomizados, controlados existentes sugerem que a quimioterapia neoadjuvante tem um efeito positivo. Informações mais consistentes a favor da quimio(radio)terapia neoadjuvante se aplicam para pacientes com tumores classificados como borderline. Com base nestes estudos, a quimio(radio)terapia neoadjuvante tem se tornado o procedimento padrão para esse tipo particular de paciente (borderline). Entretanto, a quimioradioterapia neoadjuvante para adenocarcinoma de pâncreas nos pacientes ressecáveis não tem mostrado, até o momento, benefícios na sobrevida global, quando comparado com a cirurgia de princípio, estando ainda sob avaliação e devendo ser usado apenas em protocolos clínicos. Mais estudos randomizados, controlados são necessários para promover mudanças práticas na condução destes pacientes. Da mesma forma, outros estudos consideram pouco provável que tenhamos melhora nos resultados em pacientes ressecáveis ou borderline com os atuais agentes quimioterápicos disponíveis.
Referências
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*Correspondência:
Orlando J M Torres
Professor Titular e Chefe do Serviço de Cirurgia do Aparelho Digestivo – Unidade Hepatopancreatobiliar.
Hospital Universitário - Universidade Federal do Maranhão
+55 98 9 8841 8492 –