A radioterapia torácica paliativa (RT) pode aliviar os sintomas locais associados ao câncer de pulmão de células não pequenas (CPCNP) avançado, mas a esofagite é um evento adverso comum relacionado ao tratamento. A radioterapia de intensidade modulada (ES-IMRT) pode promover redução clinicamente relevante nos sintomas esofágicos? Estudo de Louie et al. no JAMA Oncology sugere que sim e indica que a IMRT pode ter valor na redução dos efeitos adversos esofágicos em comparação com a RT torácica padrão. Bernardo Salvajoli (foto), médico especialista em radioterapia do Instituto do Câncer do Estado de São Paulo (ICESP) e do Hospital do Coração (HCorOnco), comenta os resultados.
Este ensaio clínico randomizado de Fase 3 (PROACTIVE) inscreveu 90 pacientes com CPCNP estágio III/IV em 6 centros de câncer. Os pacientes elegíveis foram randomizados (1:1) para RT padrão (braço controle) ou ES-IMRT (braço experimental). O endpoint primário foi a qualidade de vida esofágica (QV) 2 semanas pós-RT, medida pela subescala de câncer de esôfago do questionário Functional Assessment of Cancer Therapy: Esophagus. Escores mais altos da correspondem a melhor qualidade de vida e uma mudança de 2 a 3 pontos é considerada clinicamente significativa. Os endpoints secundários incluíram sobrevida global, eventos tóxicos e outras métricas de QV.
Resultados
Entre 24 de junho de 2016 e 6 de março de 2019, 90 pacientes foram randomizados para receber RT padrão ou ES-IMRT (mediana de 72,0 anos [65,6-80,3], 56% mulheres). Trinta e seis pacientes (40%) receberam 20 Gy e 54 (60%) receberam 30 Gy. Principal endpoint primário, a pontuação média em 2 semanas foi de 50,5 (10,2) no braço controle (IC 95%, 47,2-53,8) e 54,3 (7,6) no braço ES-IMRT (IC 95%, 51,9-56,7) (P =0,06).
Nesta análise, esofagite sintomática associada à RT ocorreu em 24% (n = 11) dos pacientes no braço controle versus 2% (n = 1) no braço ES-IMRT (P = 0,002). Em uma análise post hoc de subgrupo com base no fator de estratificação, a redução da esofagite foi mais evidente em pacientes que receberam 30 Gy (30% [n = 8] vs 0%; P = .004). A sobrevida global foi semelhante com RT padrão (mediana, 8,6; IC 95%, 5,7-15,6 meses) e ES-IMRT (mediana, 8,7; IC 95%, 5,1-10,2 meses) (P = ,62).
Em conclusão, neste ensaio clínico randomizado de Fase 3, ES-IMRT não melhorou a QV esofágica, mas reduziu significativamente a incidência de esofagite sintomática. “Como a análise post hoc identificou que a esofagite reduzida foi mais evidente em pacientes que receberam 30 Gy de RT, esses achados sugerem que a ES-IMRT pode ser mais benéfica quando a dose prescrita é maior (30 Gy)”, afirma a publicação.
Salvajoli destaca dois aspectos interessantes neste estudo. Primeiro a aplicação de tecnologias mais modernas em tratamentos paliativos sem intenção curativa. “É relativamente recorrente a diminuição do uso de tecnologia e elaboração de estudos clínicos de custo efetividade neste cenário. Existe uma balança de difícil calibre entre aumentar o uso de tecnologia, consequentemente custo relacionado, versus paliações mais simples, mais custo efetivas. É matematicamente provado que utilizar tecnologia de IMRT ou VMAT (volumetric arc theraphy) em tratamentos paliativos reduz doses em órgãos adjacentes, como o esôfago neste estudo”, diz.
O segundo ponto aponto pelo radio-oncologista é quanto de ganho clínico e a que custo essa redução matemática se traduz em benefícios clínicos, benefício individual e populacional. “Somente com estudos como esse que começamos a enxergar respostas. É inerente que nos próximos anos, com redução de custo destas tecnologias e com a utilização cada vez maior de tratamentos com doses mais ablativas, consequentemente maior controle local, que estaremos utilizando muito mais técnicas modernas mesmo em tratamentos paliativos. Infelizmente no Brasil o uso dessa tecnologia ainda é muito limitado no cenário paliativo, menos de 50% dos serviços disponíveis no país usam regularmente esta tecnologia para tratamentos curativos mesmo com benefício comprovado; já no cenário paliativo deve ficar concentrada a pouquíssimos centros em serviços privados de grande porte”, conclui.
Este estudo (PROACTIVE) está registrado na plataforma ClinicalTrials.gov: NCT02752126.
Referência: Louie AV, Granton PV, Fairchild A, et al. Palliative Radiation for Advanced Central Lung Tumors With Intentional Avoidance of the Esophagus (PROACTIVE): A Phase 3 Randomized Clinical Trial. JAMA Oncol. Published online February 24, 2022. doi:10.1001/jamaoncol.2021.7664