O tratamento do câncer em mulheres jovens não precisa significar o fim da fertilidade. É o que mostram os resultados do primeiro registro de fertilidade em pacientes com câncer, a partir de dados de quase 20 anos de seguimento. A análise foi apresentada na reunião anual da ESHRE (European Society of Human Reproduction and Embryology). Quem comenta os resultados é Paulo Perin, do Centro Especializado em Reprodução Humana (CERH).
O seguimento de longo prazo considerou dados de 879 pacientes jovens do sexo feminino que foram tratadas para uma variedade de tipos de câncer entre 2000 e 2019; todas procuraram aconselhamento sobre como preservar a fertilidade antes do tratamento. A idade média das pacientes era de 33 anos e o câncer de mama foi o diagnóstico mais frequente (63% dos casos). Após o aconselhamento, 373 pacientes (42%) optaram por preservar a fertilidade por congelamento de óvulos (53%); congelamento de embriões (41%); ambos os métodos (5%); e criopreservação de tecido ovariano (1%).
A partir dos dados de 20 anos, os resultados demonstram como a preservação da fertilidade pode ser bem-sucedida nessas pacientes, especialmente naquelas com câncer de mama. Detalhes da análise, que abrangem o período de uso mais prolongado, foram apresentados on-line por Dalia Khalife, do Hospital Guy e St Thomas, de Londres.
A taxa de retorno de pacientes para o uso dos óvulos e embriões congelados foi de 16% (61/373) e 44 delas tiveram sucesso no tratamento, representado por uma taxa de nascidos vivos de 72% após a realização de fertilização in vitro com óvulos congelados ou transferência de embriões criopreservados. Nesse grupo de pacientes, cerca de dois terços retornaram dentro de dois anos após o diagnóstico. Mulheres com câncer de mama foram as que mais retornaram para tratamento de fertilidade. A análise mostrou que essas pacientes também alcançaram taxa de natalidade significativamente mais alta, por exemplo, do que aquelas com linfoma (70% vs 30%).
Para os pesquisadores, os dados corroboram a importância de estratégias de oncofertilidade. "Os resultados são uma demonstração de como a preservação da fertilidade nesses casos pode ser eficaz", diz Khalife. "Cerca de uma em cada seis pacientes das que armazenaram seus gametas e/ou embriões teve um bom resultado", esclareceu.
A especialista defende que todas as mulheres jovens diagnosticadas com câncer e com bom prognóstico sejam encaminhadas para consulta de fertilidade, numa dinâmica que requer um trabalho próximo junto a oncologistas, acesso rápido e caminhos bem definidos para permitir que grande número de pacientes jovens seja tratado. “Acreditamos que um serviço de preservação da fertilidade deve ser parte integrante do moderno tratamento do câncer “, sustenta ela. “É importante que os médicos em todo o mundo continuem coletando e compartilhando dados sobre os resultados de longo prazo de todos os métodos, incluindo a preservação do tecido ovariano, para fornecer aos pacientes informações robustas ”, concluiu.
Atualmente, cerca de 7% dos casos de câncer de mama afetam mulheres com menos de 40 anos e o interesse pela preservação da fertilidade aumentou, refletindo o crescimento das taxas de sobrevida. Paulo Perin, do Centro Especializado em Reprodução Humana (CERH), reforça a importância da integração multidisciplinar. “Em função dos resultados positivos da preservação da fertilidade em mulheres jovens com câncer e das taxas de sucesso de gestação utilizando o material criopreservado, torna-se cada vez mais importante a integração multidisciplinar entre equipes de oncologia e de medicina reprodutiva”, diz.
De acordo com o especialista, o aconselhamento reprodutivo precisa ganhar amplitude. “Todas as pacientes jovens com câncer, em boas condições de saúde, deveriam ser encaminhadas aos centros de medicina reprodutiva para uma consulta para que possam tomar uma decisão acertada sobre a preservação de sua fertilidade”, diz Perin. Ele lembra que novos protocolos de estimulação da ovulação, independentemente da fase do ciclo menstrual na qual as pacientes se encontram, possibilitaram reduzir o intervalo entre a recuperação dos gametas / embriões e o início do tratamento, uma questão que sempre preocupou os oncologistas. “Os estudos sobre o uso de drogas para induzir a ovulação ou o “atraso” de cerca de 15-30 dias para o início do tratamento oncológico não mostram piora do prognóstico”, acrescentou.
Referência: Live birth rate and utilization rate of eggs and embryos following fertility preservation (FP) in 879 female cancer patients over 19 years - D. Khalife1, S. Ali1, Y. Khalaf1, N. Reddy1, J. Kopeika1 - 1Guy's and St Thomas' NHS Foundation Trust, Assisted Conception Unit, London, United Kingdom