O FDA aprovou a primeira terapia gênica de CAR T-cells para o tratamento de pacientes com até 25 anos com leucemia linfoblástica aguda (LLA) de células B refratária ou recidivada. O tisagenlecleucel (Kymriah®, Novartis) inaugura uma nova abordagem para o tratamento do câncer. “Sem dúvida é uma terapia revolucionária, que pode ser considerada a combinação da terapia gênica com terapia celular e imunoterapia. A aprovação é a primeira de uma série. Vários compostos com o mesmo princípio serão aprovados no futuro próximo para diversas indicações”, afirma o onco-hematologista Jacques Tabacof (foto), coordenador geral de oncologia e hematologia do Hospital Alemão Oswaldo Cruz e médico do Centro Paulista de Oncologia. A decisão foi baseada nos dados do estudo pivotal de fase II ELIANA1.
"Entramos em uma nova fronteira na inovação médica com a capacidade de reprogramar as células do próprio paciente para atacar um câncer mortal", disse Scott Gottlieb, do FDA. "Novas tecnologias, como as terapias genéticas e celulares, possibilitam transformar a medicina e criar um ponto de inflexão na nossa capacidade de tratar e até mesmo curar muitas doenças intratáveis", afirmou.
Tisagenlecleucel é uma imunoterapia autóloga de células T geneticamente modificadas. Cada dose é personalizada utilizando as próprias células T do paciente, que são coletadas e geneticamente modificadas para incluir um novo gene que contém uma proteína específica (um receptor de antígeno quimérico ou CAR) que direciona as células T para atingir e matar células que têm o antígeno CD19 na superfície. As células modificadas são infundidas de volta ao paciente para matar as células cancerosas.
"Tisagenlecleucel é a primeira abordagem dessa classe de tratamento e preenche uma importante necessidade não atendida", disse Peter Marks, diretor do Centro de Avaliação e Pesquisa de Biológicos (CBER) do FDA. "Não só oferece a esses pacientes uma nova opção de tratamento onde existiam opções muito limitadas, mas uma opção de tratamento que demonstrou taxas de remissão e sobrevida promissoras".
Estudo ELIANA
A aprovação se baseia nos resultados do estudo pivotal de fase II ELIANA, aberto, de braço único. Primeiro ensaio clínico pediátrico de registro de terapia de CAR T-cells, o trabalho multicêntrico inclui pacientes de 25 centros nos Estados Unidos, Europa, Canadá, Austrália e Japão. Os resultados atualizados foram apresentados na reunião anual da Associação Europeia de Hematologia (EHA 2017) (Abstract S476).
No estudo, 68 pacientes de 3 a 23 anos foram infundidos e 63 foram avaliáveis quanto à eficácia. Os pacientes deveriam ser primariamente refratários, refratários à quimioterapia após a primeira recidiva, ter recidivado após terapia de segunda linha, ou inelegíveis para um transplante alogênico de células-tronco (SCT). Os participantes do estudo receberam, em média, três linhas anteriores de terapia e 59% dos pacientes receberam SCT anterior.
Os resultados mostraram que 83% (52 de 63; 95% IC: 71% -91%) dos pacientes que receberam tratamento com tisagenlecleucel obtiveram remissão completa (CR) ou CR com recuperação incompleta de contagem sanguínea (CRI) no período de até três meses após a infusão. Além disso, nenhuma doença residual mínima (MRD) - um marcador de sangue que indica uma possível recidiva - foi detectada entre pacientes respondentes. A mediana de duração da remissão não foi alcançada (95% IC: 7,5-NE).
Eventos adversos
O tisagenlecleucel pode causar efeitos colaterais graves, particularmente a síndrome de liberação de citocinas (CRS), uma resposta sistêmica à ativação e proliferação de CAR T-cells que causa febre alta, sintomas gripais e eventos neurológicos. Tanto o CRS quanto os eventos neurológicos podem ser fatais. Outros efeitos secundários graves de tisagenlecleucel incluem infecções, baixa pressão arterial (hipotensão), lesão renal aguda, febre e diminuição do oxigênio (hipoxia).
Além da síndrome de liberação de citocinas, as reações adversas mais comuns (> 20%) no estudo ELIANA foram hipogamaglobulinemia, infecções-patógenos não especificado, pirexia, diminuição do apetite, dor de cabeça, encefalopatia, hipotensão, episódios hemorrágicos, taquicardia, náuseas, diarreia e vômitos, distúrbios infecciosos virais, hipoxia, fadiga, lesão renal aguda e delírio. No estudo, 49% dos pacientes tratados com tisagenlecleucel experimentaram CRS de graus 3 ou 4.
Dentro de oito semanas de tratamento, 18% dos pacientes tiveram eventos neurológicos de graus 3 ou 4. Não houve incidentes de edema cerebral. Os eventos neurológicos mais comuns foram encefalopatia (34%), cefaleia (37%), delírio (21%), ansiedade (13%) e tremor (9%).
O FDA inclui um aviso em caixa para CRS e, em uma iniciativa incomum, também aprovou uma nova indicação para o medicamento tocilizumab (Actemra®, Genentech) como tratamento para CRS. Segundo a agência, 69% dos pacientes que desenvolveram a condição durante os ensaios de CAR T-cells tiveram resolução completa de CRS dentro de 2 semanas após uma ou duas doses de tocilizumab, que inibe a interleucina-6.
Devido aos riscos, tisagenlecleucel foi aprovado com uma estratégia de avaliação e mitigação de risco (REMS) que inclui elementos para garantir seu uso seguro. Entre as exigências do FDA está a certificação especial de hospitais e clínicas associadas que dispensam o tratamento, com treinamento específico para reconhecer e gerenciar CRS e eventos neurológicos.
Além disso, a certificação garante que tisagenlecleucel somente seja oferecido aos pacientes após a verificação da disponibilidade do tocilizumab para administração imediata. A fabricante também é obrigada a realizar um estudo de observação pós-comercialização envolvendo pacientes tratados com tisagenlecleucel.
Controvérsia: custo e valor
A primeira droga CAR T-cells chega ao mercado ao preço de 475 mil dólares, cifra que não inclui custos médicos associados à administração do tratamento e de novo alimenta o debate sobre custo e valor na oncologia. Enquanto alguns analistas consideraram o preço “uma barganha”, periódicos internacionais lembraram que 25% dos pacientes que tiveram resposta inicial acabaram progredindo em seis meses, como mostram os dados do estudo pivotal que levou à aprovação do novo agente (Kymriah®).
A fabricante Novartis anunciou que, na primeira indicação, leucemia linfoblástica aguda pediátrica e de adultos jovens, a empresa cobrará o medicamento somente quando atingir uma resposta clínica. No entanto, críticos argumentam que avaliar a resposta de 30 dias como indicador de sucesso está longe do ideal, uma vez que respostas de curto prazo em câncer são, por definição, mais frequentes que os benefícios a longo prazo.
O presidente da American Hematology Society, Kenneth Anderson, comemorou a aprovação, mas observou que mais pesquisas são necessárias para tornar esta terapia mais eficaz para uma população maior, reduzir os efeitos colaterais graves que os pacientes experimentam durante o tratamento e, finalmente, encontrar uma aplicação mais ampla além dos tumores hematológicos. “A pesquisa contínua também levará à melhoria da fabricação de um grande número de células, necessário para tornar essa terapia acessível a mais pacientes", acrescentou.
Referência: 1 - Global registration trial of efficacy and safety of ctl019 in pediatric and young adult patients with relapsed/refractory (r/r) acute lymphoblastic leukemia (all): update to the interim analysis - Jochen Buechner et al - Abstract: S476