Estudo de coorte retrospectivo investigou as taxas de hospitalizações e reinternações de pacientes com câncer incurável nos últimos 30 dias de vida e potenciais preditores, para identificar fatores associados à hospitalização nos cuidados de fim de vida. Os resultados estão no BMC Palliative Care (Nature) e convidam a refletir sobre tratamentos fúteis e dispendiosos perto da morte. Carlos Eduardo Paiva (foto), oncologista clínico e paliativista do Hospital de Amor (Hospital de Câncer de Barretos), analisa os resultados.
Pacientes com câncer incurável são frequentemente hospitalizados nos últimos 30 dias de vida (DOL) em consequência de inúmeros sintomas e preocupações. Essas hospitalizações podem ser onerosas para o paciente e para os cuidadores e, portanto, são consideradas um indicador de qualidade dos cuidados de fim de vida.
Neste estudo, foram analisados prontuários de 383 pacientes com câncer incurável que faleceram no período pré-covid entre julho de 2018 e dezembro de 2019. Estatísticas descritivas com testes qui-quadrado e análise de regressão logística foram utilizadas para identificar fatores associados à hospitalização nos últimos 30 dias de vida.
Os resultados foram relatados por pesquisadores noruegueses e mostram que entre 416 pacientes identificados a partir da busca em prontuários, 383 foram analisados, majoritariamente pacientes com câncer gastrointestinal (n = 200) e do sexo masculino (n = 237). Um total de 272 (71%) tiveram hospitalizações nos últimos 30 dias de vida e destes 93 (34%) tiveram mais de uma internação (variação de 2 a 4).
A análise descreve, ainda, que o tempo médio gasto no hospital nos últimos 30 dias de vida foi de 8 dias (variação de 0 a 29), o que representa 27% do tempo de vida desses pacientes, com duração média de 5,6 dias em cada estadia (n = 386). O intervalo mediano desde a primeira hospitalização nos últimos 30 dias de vida até as reinternações foi de 7 dias. Pacientes com duas ou mais internações (n = 93) nos últimos 30 dias de vida tinham idade média de 68 anos em comparação com 72 entre aqueles que foram hospitalizados apenas uma vez (p = 0,014). O intervalo desde o diagnóstico até a morte foi significativamente menor entre aqueles com duas ou mais internações, em comparação com pacientes com apenas uma internação (média 443 vs 799 dias, p = 0,008).
A hospitalização foi associada ao menor tempo desde o encaminhamento à unidade de cuidados paliativos (UCP) até o óbito, sexo masculino, idade < 80 anos e terapia antineoplásica sistêmica nos últimos 30 dias de vida. A análise descreve que as abordagens de tratamento mais comuns iniciadas durante as reinternações foram o tratamento para infecção suspeita ou confirmada (45%), paracentese pleural ou abdominal (20%) e transfusão de eritrócitos (18%).
Os autores argumentam que identificar potenciais fatores de risco tanto para hospitalizações como para reinternações pode contribuir para melhorar a qualidade dos serviços de saúde, reduzindo a taxa de reinternações agudas onerosas e de tratamentos fúteis e dispendiosos perto da morte.
Taxa de mortalidade hospitalar como indicador isolado deve ser interpretada com cautela
Por Carlos Eduardo Paiva, oncologista clínico e paliativista do Hospital de Amor (Hospital de Câncer de Barretos); membro do Grupo de Pesquisas em Cuidados Paliativos e Qualidade de Vida (GPQual) e coordenador do Programa de Pós-Graduação Acadêmico do Hospital de Amor
Espera-se que pacientes com câncer incurável passem o maior tempo possível em seu último mês junto de seus familiares e entes queridos, cercados por coisas e situações que sejam significativas para eles, com o mínimo de sofrimento e acesso fácil à assistência médica quando necessário. Para isso, como indicadores de qualidade de assistência, espera-se que esses pacientes não sejam internados, principalmente em unidades de terapia intensiva, não necessitem recorrer a serviços de emergência e não recebam tratamentos que possam ser prejudiciais e ineficazes. No entanto, obstáculos como dificuldades de comunicação por parte dos médicos, estimativas prognósticas imprecisas e falta de aceitação da situação clínica podem levar a tratamentos agressivos no final da vida.
O estudo realizado por Singh J et al. teve como objetivo medir alguns indicadores clássicos de qualidade de assistência oncológica nos últimos 30 dias de vida de pacientes com câncer incurável.
É importante destacar que, na análise multivariada, a administração de tratamento sistêmico oncológico nos últimos 30 dias de vida foi associada a um risco quase 5 vezes maior de internação no final da vida. Esse resultado sugere fortemente que os oncologistas precisam ponderar suas decisões de tratamento em pacientes com câncer e prognóstico desfavorável, evitando ao máximo tratamentos potencialmente fúteis.
A casuística do estudo incluiu principalmente pacientes com tumores primários gastrointestinais, não tendo sido incluídos pacientes com tumores ginecológicos, de cabeça e pescoço e torácicos. Portanto, trata-se de uma amostra de pacientes noruegueses, com um contexto sociocultural específico, e não abrange todas as patologias oncológicas. Nesse sentido, um estudo realizado por nosso grupo de pesquisa e publicado em 2020 (https://doi.org/10.1016/j.jpainsymman.2019.08.021) mostrou que 15,4% (171 de 1113) dos pacientes receberam quimioterapia nos últimos 30 dias de vida. No entanto, aqueles que eram acompanhados por uma equipe de cuidados paliativos receberam significativamente menos quimioterapia nesse contexto (9,8% vs. 20%, p<0,001). Além disso, confirmamos que receber quimioterapia nos últimos 30 dias de vida estava associado a um maior risco de internação em UTI, visitas aos serviços de emergência e morte no hospital.
Outra observação interessante do estudo de Singh J et al. foi que 24% dos pacientes incluídos foram internados no último mês de vida, com uma taxa de mortalidade hospitalar de 38%. Um dos fatores importantes a serem considerados é a preferência de local de óbito dos pacientes e de seus familiares. Essa preferência é fortemente influenciada pela situação clínica do paciente e pela assistência médica oferecida (https://doi.org/10.1016/j.jpainsymman.2022.03.015). Por exemplo, pacientes com sintomas muito desconfortáveis e sem assistência domiciliar adequada, têm a internação hospitalar como conduta mais assertiva. Portanto, a taxa de mortalidade hospitalar como um indicador isolado deve ser interpretada com cautela. Além disso, não foram investigadas informações relativas às diretrizes antecipadas, que poderiam fornecer informações relevantes para a interpretação dos resultados.
Referência: Singh, J., Grov, E.K., Turzer, M. et al. Hospitalizations and re-hospitalizations at the end-of-life among cancer patients; a retrospective register data study. BMC Palliat Care 23, 39 (2024). https://doi.org/10.1186/s12904-024-01370-1