Onconews - Qualidade do cirurgião e sobrevida do paciente após ressecção no CPCNP

RIAD NET OK 2A maior qualidade do cirurgião (determinada por métricas de resultados intermediários) está associada a uma melhor sobrevida global em pacientes submetidos à ressecção curativa para câncer de pulmão de células não pequenas (CPCNP). Os resultados do estudo de Ray e colegas publicado no Journal of Clinical Oncology (JCO) demonstrou que a adoção de métricas de qualidade pelos cirurgiões e o direcionamento associado de processos para melhoria podem reduzir a disparidade nos resultados. "O estudo apresenta várias limitações e poucas informações úteis para nossa rotina em 2023", avalia o cirurgião torácico Riad Younes (foto).

O trabalho envolveu dados do The Mid-South Quality of Surgical Resection Consortium, composto por 12 hospitais localizados nos Estados Unidos. Usando uma coorte de ressecção cirúrgica de base populacional, os pesquisadores derivaram pontos de corte em nível de cirurgião para taxas de margens positivas, não exame de linfonodos, não exame de linfonodos mediastinais e ressecções em cunha. Aplicando os pontos de corte do baseline a uma coorte subsequente do mesmo conjunto de dados de base populacional, foram atribuídas aos cirurgiões três categorias de desempenho em referência a cada métrica: 1 (<25th percentil), 2 (25th-75th percentil) e 3 (> 75th percentil).

A soma das pontuações de perfomance criou três níveis de qualidade do cirurgião: 1 (4-6, baixo), 2 (7-9, intermediário) e 3 (10-12, alto). “Utilizamos os testes qui-quadrado, Wilcoxon-Mann-Whitney e Kruskal-Wallis para comparar as características dos pacientes entre o baseline e as coortes subsequentes e entre os níveis de cirurgiões, e aplicamos modelos de riscos proporcionais de Cox para examinar a associação entre a sobrevida do paciente e o nível de desempenho do cirurgião, ajustando sequencialmente o estágio clínico, as características do paciente e quatro processos específicos envolvidos na cirurgia de câncer de pulmão com intenção curativa - tomografia computadorizada por emissão de pósitrons (PET-CT) pré-operatória, estadiamento nodal mediastinal invasivo, técnica de ressecção cirúrgica e cirurgia com um kit de coleta de linfonodo”, esclarecem os autores.

Resultados

Entre 2009 e 2021, 39 cirurgiões realizaram 4.082 ressecções no baseline e coortes subsequentes. Entre 31 cirurgiões de coorte subsequentes, cinco eram nível 1, cinco eram nível 2 e 21 eram nível 3. Os cirurgiões de nível 3 foram associados a uma sobrevida global significativamente melhor para os pacientes em comparação aos cirurgiões de nível 1 (hazard ratio [HR] = 1,37, 95% IC = 1,10–1,72) e aos cirurgiões de nível 2 (HR = 1,19, IC de 95% = 1,00–1,43).

Após análise, ajuste para estágio clínico, idade do paciente, número de comorbidades, sexo, raça, plano de saúde, histologia, proporção de ressecções em que kits de coleta de linfonodos foram usados, uso de PET-CT e não exame de linfonodos na cirurgia, não houve mais diferenças significativas na sobrevida global para cirurgiões de nível 3 versus cirurgiões de nível 1 (HR ajustado = 1,02, IC de 95% = 0,8–1,3) ou cirurgiões de nível 2 (HR ajustado = 0,93, IC de 95% = 0,7–1,25).

Estudo com pouca informação útil em 2023

Por Riad N. Younes, cirurgião torácico nos hospitais Sírio-Libanês e Oswaldo Cruz, professor livre docente pela FMUSP

O estudo apresenta várias limitações e poucas informações úteis para nossa rotina em 2023.

Informações tiradas do estudo e limitações:

  • Nenhuma informação a respeito da adequação dos tratamentos adjuvantes nos pacientes incluídos, e seu impacto na sobrevida
  • Introdução rotineira do kit de amostragem linfonodal foi associada com aumento importante nas taxas de avaliação de pelo menos um dos linfonodos hilares e mediastinais (de 77% para 90%)
  • Introdução rotineira do kit de amostragem linfonodal foi associada com aumento da porcentagem de cirurgias por VATS (de 7% para 48%)e diminuiu a porcentagem de cirurgias por RATS (de 7% para  40%)
  • Introdução rotineira do kit de amostragem linfonodal foi associada com melhor qualidade da ressecção, pelos critérios da IASLC e do NCCN
  • Antes da Introdução rotineira do kit de amostragem linfonodal, praticamente um quarto das ressecções não tinha nenhum linfonodo avaliado pela patologia! Apesar de ser uma aparente melhora da qualidade da cirurgia em relação aos dados previamente observados de 50% das cirurgias sem nenhum linfonodo em 2005 (estudos previamente publicados), ainda em 2021, com todas as medidas impelementadas, 1/10 ressecções com intenção curativa de câncer de pulmão não tem nenhuma informação a respeito dos linfondos
  • Mesmo após a introdução rotineira do kit de amostragem linfonodal, somente 64% das cirurgias utilizaram estes Kits!
  • Cirurgiões com baixo volume cirúrgico foram eliminados da análise mais detalhada. Curioso observar os critérios de “pequeno volume”: O estudo incluiu dados coletados em 13 anos (2009-2021)!!! Neste período, o Consórcio incluiu 4249 cirurgias realizadas por 60 cirurgiões. Portanto, média de 5,5 cirurgias/cirurgião/ano. Eliminaram aqueles que operam 1 cirurgia/ano (chamados baixo volume). Sobraram 4126 cirurgias realizadas por 39 cirurgiões, ou seja, média de 8,1 cirurgias/cirurgião/ano!
  • Após introdução rotineira do kit de amostragem linfonodal, 21 cirurgiões foram classificados no grupo de “procedimentos adequados”. Estes também operaram uma média de 8,6 cirurgias/cirurgião/ano
  • Os autores incluíram, em sua classificação dos cirurgiões, o critério de cirurgia sub-lobectomia como inadequada. Há alguns anos que estudos sequenciais mostram resultados semelhantes na evolução de pacientes com tumores de bom prognóstico (< 2 cm), se a ressecção for lobar ou sublobar. Este critério atualmente não teria nenhuma utilidade prática!
  • A mortalidade pós-operatória foi de 4% em 30 dias, 6% em 60 dias, e 8% em 90 dias, taxas consideradas elevadas na atualidade.
  • Quando os autores ajustaram a análise para os critérios de estadiamento pré-operatório com PET-CT, estadiamento invasivo, a técnica da ressecção e utilização do Kit de amostragem linfonodal, não houve mais diferença significativa entre os grupos de cirurgiões.

As afirmações finais dos autores foram tímidas: “Métricas de resultados intermediários prontamente acessíveis podem ser utilizadas para estratificar o desempenho do cirurgião para melhoria do processo, com potencial de reduzir as disparidades de sobrevida do paciente”.

Em conclusão, este estudo talvez sirva como alerta para que se tente, sempre, “exigir” dos cirurgiões operações oncologicamente minimamente apropriadas (vide os critérios de ressecção adequada estabelecidos pela IASLC e pelo NCCN), e como incentivo para introdução de métodos para melhor avaliação linfonodal, como os kits de amostragem.

Referência: Ray MA, Akinbobola O, Fehnel C, Saulsberry A, Dortch K, Wolf B, Valaulikar G, Patel HD, Ng T, Robbins T, Smeltzer MP, Faris NR, Osarogiagbon RU; Mid-South Quality of Surgical Resection (MS-QSR) Consortium. Surgeon Quality and Patient Survival After Resection for Non-Small-Cell Lung Cancer. J Clin Oncol. 2023 Jun 2:JCO2201971. doi: 10.1200/JCO.22.01971. Epub ahead of print. PMID: 37267506.