O estudo CROSS estabeleceu a quimiorradioterapia neoadjuvante para câncer de esôfago seguida de cirurgia como padrão-ouro de tratamento para pacientes com câncer de esôfago ou de junção gastroesofágica localmente avançado ressecável. No entanto, existiam dúvidas sobre os resultados a longo prazo. “Essa análise publicada no Journal of Clinical Oncology1 demonstrou os resultados do acompanhamento de 10 anos dos pacientes do estudo CROSS publicado em 2012 no NEJM2 e confirmou o benefício da abordagem”, afirma o cirurgião oncológico Daniel Fernandes (foto), diretor da Unidade II do Instituto Nacional do Câncer (INCA).
O câncer de esôfago é uma das 10 neoplasias mais comuns e fatais no Brasil. O número de casos novos de câncer de esôfago estimados para cada ano do triênio 2020-2022, será de 8.690 casos em homens e de 2.700 em mulheres3. Esses valores correspondem a um risco estimado de 8,32 casos novos a cada 100 mil homens e 2,49 para cada 100 mil mulheres. “Esta neoplasia apresenta um grande desafio quanto ao seu tratamento devido à alta morbimortalidade operatória, principalmente fora de grandes centros oncológicos. Seu diagnóstico frequentemente é realizado em estágios avançados, uma vez que o esôfago é um órgão distensível, e apenas após a obstrução de 50 a 75% de sua luz ocorrerá disfagia significante, retardando assim o diagnóstico e o início do tratamento, resultando em um prognóstico desfavorável”, observa Fernandes.
Entre 2004 e 2008, 366 pacientes foram randomizados para receber cinco ciclos semanais de carboplatina e paclitaxel com radioterapia concomitante (41,4 Gy em 23 frações, 5 dias por semana) seguido de cirurgia ou cirurgia isolada. Os dados de acompanhamento foram coletados até 2018. As análises de regressão de Cox foram realizadas para comparar a sobrevida global, sobrevida causa-específica e os riscos de recidiva locorregional e à distância. O efeito da quimiorradioterapia neoadjuvante além de 5 anos de acompanhamento foi testado com regressão de Cox tempo-dependente.
Resultados
A mediana de acompanhamento foi de 147 meses (intervalo interquartil, 134-157). Os pacientes que receberam quimiorradioterapia neoadjuvante tiveram melhor sobrevida global (hazard ratio [HR], 0,70; 95% CI, 0,55 a 0,89). O efeito da quimiorradioterapia neoadjuvante na sobrevida global não foi tempo-dependente (valor de P para interação, P = 0,73), e análises de referência sugeriram um efeito estável na sobrevida global até 10 anos de acompanhamento. O benefício absoluto de sobrevida global em 10 anos foi de 13% (38% v 25%).
A quimiorradioterapia neoadjuvante reduziu o risco de morte por câncer de esôfago (HR, 0,60; 95% CI, 0,46 a 0,80). A morte por outras causas foi semelhante entre os braços do estudo (HR, 1,17; 95% CI, 0,68 a 1,99). Embora um efeito claro na recidiva locorregional isolada (HR, 0,40; 95% CI, 0,21 a 0,72) e recidiva locorregional e a distância sincrônicas (HR, 0,43; 95% CI, 0,26 a 0,72) tenha persistido, a recidiva isolada à distância foi comparável (HR, 0,76; 95% CI, 0,52 a 1,13).
“O benefício de sobrevida global de pacientes com câncer de esôfago ou de junção esofagogástrica localmente avançado ressecável que recebem quimiorradioterapia neoadjuvante de acordo com o protocolo do estudo CROSS persiste por pelo menos 10 anos”, concluíram os autores.
Segundo Fernandes, este estudo traz informações relevantes como redução do risco de óbito por câncer de esôfago, além de diminuição das recidivas locais e a distância sincrônicas, no grupo da neoadjuvância seguida de esofagectomia. “Com isso, podemos concluir que a neoadjuvância promove um melhor controle local da doença e mantém seu efeito protetivo por pelo menos 10 anos pós-tratamento”, avalia.
O estudo foi financiado pela Dutch Cancer Foundation.
Referências:
1 - Ten-Year Outcome of Neoadjuvant Chemoradiotherapy Plus Surgery for Esophageal Cancer: The Randomized Controlled CROSS Trial - DOI: 10.1200/JCO.20.03614 Journal of Clinical Oncology - Published online April 23, 2021.
2 - P. van Hagen et al. Preoperative Chemoradiotherapy for Esophageal or Junctional Cancer. N Engl J Med 2012;366:2074-84.
3 - Instituto Nacional de Câncer José Alencar Gomes da Silva. Estimativa 2020 : incidência de câncer no Brasil / Instituto Nacional de Câncer José Alencar Gomes da Silva. – Rio de Janeiro : INCA, 2019.