Onconews - Quimioterapia com platina no câncer de pâncreas metastático HR-mutado 

CASALI 2018 NET OKPacientes com câncer de pâncreas metastático com mutações somáticas ou na linhagem germinativa nos genes de reparo do DNA apresentaram melhores resultados clínicos com a quimioterapia à base de platina em comparação com pacientes sem essas mutações. Os resultados foram publicados na Clinical Cancer Research, periódico da American Association for Cancer Research (AACR). O oncogeneticista José Cláudio Casali (foto), chefe do Departamento de Oncogenética do A.C.Camargo Cancer Center e 2º Diretor Científico do Grupo Brasileiro de Oncologia de Precisão (GBOP), comenta o trabalho.

O câncer de pâncreas metastático está associado a um prognóstico desafiador, com uma taxa de sobrevida relativa em cinco anos de 2,9%. O padrão atual de cuidados inclui quimioterapia à base de platina. "Infelizmente, não existem biomarcadores validados para predizer quais pacientes podem se beneficiar do tratamento padrão", disse Eileen O'Reilly, oncologista do Memorial Sloan Kettering Cancer Center (MSKCC) e autor sênior do estudo.

Segundo O'Reilly, aproximadamente 5 a 9% dos pacientes com câncer de pâncreas têm mutações somáticas ou germinativas nos genes de reparo do tipo recombinação homóloga (HRR) BRCA1, BRCA2 e / ou PALB2. Resultados de ensaios clínicos recentes mostraram que pacientes com mutações na linha germinativa no BRCA1, BRCA2 e / ou PALB2 apresentaram respostas clínicas à quimioterapia à base de platina ou ao inibidor da PARP1 olaparibe. “Isso nos levou a questionar se o benefício estava limitado apenas a mutações na linha germinativa, ou se mutações somáticas nesses genes em outros genes da recombinação homóloga também estavam associadas a respostas à quimioterapia à base de platina", explica Wungki Park, primeiro autor do trabalho e oncologista do MSKCC.

Métodos e resultados

Os pesquisadores analisaram a sobrevida livre de progressão (SLP) e a sobrevida global (SG) de pacientes com adenocarcinoma ductal pancreático (PDAC) em estágio avançado, que tinham sequenciamento genético tanto da linhagem somática (tumor) como da germinativa (normal). As assinaturas genômicas incluiram as mutações nos genes de HRR (HRm) BRCA1, BRCA2, PALB2, ATM, BAP1, BARD1, BLM, BRIP1, CHEK2, FAM175A, FANCA, FANCC, NBN, RAD50, RAD51, RAD51C e RTEL1 que foram classificadas em: (i) germinativa versus somática; (ii) restrito aos genes centrais BRCAs & PALB2 versus outros genes de HRR; e (iii) monoalélica versus bialélica.

Entre 262 pacientes, 50 (19%) apresentaram alguma HRm, sendo: 40 pacientes com mutações germinativas (15%) e 10 pacientes com mutações somáticas detectada no tumor (4%). Trinta e um pacientes apresentaram mutações nos genes centrais, e 19 pacientes apresentaram mutações em outros genes. Vinte e nove pacientes tinham mutações bialélicas (em ambas as cópias de um gene) e 21 pacientes mutações em apenas uma cópia do gene. O acompanhamento médio [95% CI] foi de 21,9 (1,4–57,0) meses.

A mediana de sobrevida global para toda a coorte de 262 pacientes foi de 15,5 meses (14,6 a 19), e foi semelhante entre os pacientes com mutações na linha germinativa e aqueles com mutações somáticas. Esses subgrupos foram combinados nas análises subsequentes.

Para os 35 pacientes que foram tratados em primeira linha com quimioterapia à base de platina, aqueles com mutações nos genes da HR tiveram maior sobrevida global em comparação com aqueles sem mutações nesses genes (25,1 meses vs. 15,3 meses). Além disso, os pacientes com HRm tiveram um risco 44% menor de progressão da doença do que os pacientes sem essas mutações após o tratamento de primeira linha com quimioterapia à base de platina (HR, 0,44 (95% CI: 0,29-0,67); P <0,01). O menor risco de progressão da doença foi observado independentemente de as mutações estarem ou não nos genes centrais de HRR.

Entre os pacientes com HRm, os pacientes tratados com quimioterapia à base de platina tiveram maior sobrevida livre de progressão (SLP) em comparação com aqueles que receberam tratamento não-platina (12,6 meses vs. 4,4 meses). Para os pacientes com mutações em ambas as cópias gênicas, aqueles que foram tratados com quimioterapia à base de platina tiveram SLP maior do que aqueles tratados com outras terapias (13,3 meses vs. 3,8 meses). A associação não foi observada para pacientes com mutações em apenas uma cópia do gene, sugerindo que a quimioterapia à base de platina pode proporcionar maior benefício clínico em pacientes com mutações nas duas cópias dos genes da recombinação homóloga.

"Nossos dados indicam que a deficiência de recombinação homóloga (HRD), definida pela mutação patogênica dos genes centrais da HRR e pela perda de ambas as cópias dos genes centrais ou não-centrais de HRR, confere a maior sensibilidade à platina. Os pacientes com essas deficiências representam o subgrupo ideal para terapias que visam as vias de reparo do DNA, como a quimioterapia à base de platina", afirmou Park. Ele observou que essas deficiências também podem ser preditivas de resposta a outras terapias direcionadas às vias de reparo do DNA, inibidores da PARP1 e imunoterapia, embora pesquisas adicionais sejam necessárias. "A identificação de fatores associados à resposta ao tratamento pode nos ajudar a entender por que os tumores de alguns pacientes não respondem ao tratamento e por que alguns que respondem acabam desenvolvendo resistência", acrescentou.

Os autores ressaltam que uma limitação do estudo é o fato da análise ter sido realizada em um grupo altamente selecionado de pacientes e, portanto, pode não representar todos os pacientes com câncer de pâncreas. Desafios adicionais incluíram baixa pureza da amostra, disponibilidade limitada de tecido e outras limitações técnicas.

“O estudo do MSKCC em adenocarcinoma pancreático expande o conceito de que os mecanismos de sensibilidade à platina e iPARP via HRD são canônicos, para além da mama e da próstata”, avalia Casali. O especialista ressalta que o emprego do sequenciamento NGS completo dos genes principais (BRCA1, BRCA2 e PALB2), e de outros genes de HRR, tanto na linhagem germinativa como na somática em pacientes com adenocarcinoma de pâncreas pode identificar os potenciais candidatos às quimioterapias a base de platina na 1a linha. “O uso de iPARP como manutenção, a exemplo do que já ocorre em adenocarcinoma de ovário com mutação BRCA, após terapia com platina, ainda é uma questão ainda não esclarecida. Por outro lado, os mecanismos de resistência secundaria à platina foram avaliados em um paciente com mutação BRCA2 somática que evoluiu com metástase hepática após excelente resposta à platina; sendo detectada a reversão da mutação no tumor”, observa. 

Referência: Genomic Methods Identify Homologous Recombination Deficiency in Pancreas Adenocarcinoma and Optimize Treatment Selection - Wungki Park, Eileen M. O'Reilly et al - Published OnlineFirst May 22, 2020 - doi: 10.1158/1078-0432.CCR-20-0418