Pesquisadores da Universidade Federal de São Paulo (Unifesp) são coautores de artigo publicado no Lancet Oncology que busca revisar as diretrizes disponíveis de 63 sociedades de oncologia e disponibilizar recomendações para pacientes com câncer durante a pandemia da COVID-19 em 22 idiomas. O oncologista Ramon Andrade de Mello (foto)*, um dos 48 médicos de 27 países que participaram voluntariamente do painel científico internacional, comenta a iniciativa.
“Este trabalho é um esforço de uma parceria internacional com colegas de vários países que criaram um consenso no qual valida e oficializa recomendações clínicas para adaptar o diagnóstico e tratamento do câncer no meio desta inusitada situação de pandemia, a fim de mitigar os prejuízos nos desfechos clínicos que possam vir a ocorrer”, destaca Ramon de Mello.
O painel identificou seis principais áreas de recomendações, sendo a primeira com considerações gerais para pacientes com câncer durante a pandemia. O documento observa que pacientes com câncer têm maior risco de infecção, admissão na unidade de terapia intensiva e morte. Esse alto risco está relacionado à imunossupressão causada por vários fatores, como a própria doença, baixo performance status, caquexia e o efeito dos tratamentos (cirurgia, quimioterapia, corticosteroides, radioterapia e transplante de medula óssea). O grau de imunossupressão depende do tipo de câncer, idade do paciente, condicionamento físico, comorbidades, tipo de terapia e tempo desde a última terapia. Pacientes com neoplasias hematológicas, especialmente aqueles que receberam recentemente transplantes de medula óssea, apresentam um risco particularmente alto.
O painel recomenda que o diálogo entre pacientes e equipe médica para avaliação do risco individual, bem como o atendimento médico imediato em casos de sintomas como febre alta, dificuldade em respirar, dor no peito, confusão e cianose. “Pacientes com câncer devem ter um limiar mais baixo para procurar atendimento médico se tiverem novos sintomas”, ressalta.
A segunda área de recomendação refere-se a protocolos específicos ou qualquer medida especial para evitar a infecção por COVID-19 em pacientes com câncer, com orientações para evitar a exposição ao vírus, implementando rigorosas medidas de higiene e comportamento. As medidas de higiene incluem lavagem frequente das mãos, desinfecção de objetos, evitar o manuseio de objetos em locais públicos e a higienização de frutas e legumes. As modificações comportamentais incluem ficar em casa, não participar de reuniões em locais públicos e não tocar em outras pessoas. “Pacientes com câncer e membros da família devem seguir essas medidas com mais rigor, considerando seu alto risco de infecção”.
Sobreviventes de câncer, apesar de apresentarem menos risco em comparação com pacientes em tratamento, também devem ter seu risco individual avaliado pela equipe médica. Viagens, visitantes domésticos não essenciais, uso de transporte público e compra de alimentos não embalados devem ser evitados. O uso de uma máscara facial é recomendado, mas não substitui outras medidas preventivas estabelecidas.
A terceira área de recomendação reflete sobre o que fazer com relação ao contato com pessoas sintomáticas para a COVID-19, e incluem evitar o contato com pessoas com exposição conhecida, pessoas assintomáticas infectadas e pessoas sintomáticas infectadas por pelo menos 14 dias e/ou até que seus sintomas sejam resolvidos.
A quarta área de recomendação está relacionada à saúde mental, e traz orientações para o gerenciamento de ansiedade e estresse. “Os níveis de estresse e ansiedade dos pacientes geralmente são altos durante uma pandemia, especialmente porque já estão lidando com câncer. Algumas sugestões para combater esses sentimentos negativos incluem comunicação com amigos e familiares, atividades prazerosas, meditação, ioga e exercícios físicos, alimentação saudável, evitar exposição excessiva às notícias e boa higiene do sono. Pacientes que não conseguem lidar com o estresse devem ser avaliados para o acompanhamento psicológico”, propõem.
O fortalecimento da relação médico-paciente para aumentar a confiança dos pacientes nas decisões da equipe médica e melhorar sua conformidade com as orientações é a quinta área de recomendação. Os pacientes devem confiar em seus médicos em relação aos desvios de seus cuidados habituais. O tratamento para pacientes infectados ou expostos pode ser adiado por 14 dias ou mais. Para todos os pacientes com câncer, as possibilidades de adiar ou suspender o tratamento estão sendo avaliadas caso a caso, de acordo com o quadro clínico geral, a agressividade do câncer e os potenciais riscos à saúde do COVID-19. “Os centros de câncer estão alterando as rotinas com as quais os pacientes estão acostumados, e é de extrema importância que os pacientes se sintam confiantes de que suas equipes de oncologia estão lá para apoiá-los”, ressaltam os autores.
A sexta área de recomendação diz respeito aos procedimentos nos centros de câncer. O Painel destaca que pacientes e visitantes que apresentam sintomas ou foram expostos a uma pessoa infectada não devem frequentar os centros de câncer sem antes buscar orientações por telefone ou videoconferência com seus médicos. Além disso, pacientes sintomáticos que precisam ir ao hospital devem usar uma máscara facial e relatar seus sintomas na chegada, mantendo uma distância segura de outros indivíduos e respeitando o limite de um acompanhante por paciente, quando permitido. “É muito importante também a realização do teste para COVID19 em todos os pacientes em tratamento sistêmico anti-neoplásico ou em radioterapia, idealmente antes de cada ciclo de tratamento. Além disso, nesse cenário ideal também seria fortemente recomendável testar todos os profissionais de saúde que trabalham diretamente com a assistência a cada 15 dias, mesmo que assintomáticos", esclarece Mello.
Além de Mello, colaboraram para o trabalho os especialistas Rodrigo Dias, médico especialista em radioterapia, e Nathália Neves e Giovana Amaral, alunas de iniciação científica da Escola Paulista de Medicina (EPM/Unifesp).
Referência: Summary of international recommendations in 23 languages for patients with cancer during the COVID-19 pandemic - Published:May 13, 2020DOI:https://doi.org/10.1016/S1470-2045(20)30278-3
*Ramon Andrade de Mello é professor adjunto da disciplina de oncologia clínica da Escola Paulista de Medicina, Universidade Federal de São Paulo (UNIFESP), professor do doutorado em medicina da Universidade Nove de Julho (UNINOVE), São Paulo, médico oncologista do corpo clínico do Hospital Israelita Albert Einstein e do Hospital 9 de Julho, em São Paulo.