Qual regime de quimioterapia neoadjuvante está associado aos melhores resultados para pacientes com câncer de bexiga músculo-invasivo? Uma análise de coorte publicada no JAMA Oncology avaliou o downstaging e a resposta completa de 1113 pacientes submetidos à cistectomia que receberam quimioterapia neoadjuvante. “Este é um importante estudo retrospectivo que demonstra a potencial vantagem do uso do esquema M-VAC dose densa (ddM-VAC; metotrexato, vinblastina, doxorrubicina e cisplatina) neoadjuvante sobre outros esquemas de quimioterapia”, afirma Fábio Schutz (foto), oncologista da BP – A Beneficência Portuguesa de São Paulo.
A quimioterapia neoadjuvante seguida por cistectomia radical melhora a sobrevida em comparação com a cistectomia isolada para pacientes com câncer de bexiga. Embora a gemcitabina com cisplatina tenha se tornado o esquema neoadjuvante padrão, uma combinação dose-densa de metotrexato, vinblastina, doxorrubicina e cisplatina (ddMVAC) vem sendo adotada em algumas instituições e pode levar a melhores desfechos.
Foram examinados dados de registros médicos de 1113 pacientes com câncer de bexiga submetidos a cistectomia no Moffitt Cancer Center em Tampa, Flórida, entre 1º de janeiro de 2007 e 31 de maio de 2017. Havia 824 pacientes com doença estágio ≥T2; destes, 332 foram tratados com quimioterapia neoadjuvante, enquanto 329 não receberam quimioterapia e 163 receberam quimioterapia de indução ou adjuvante. A maioria dos pacientes era do sexo masculino (n= 861; 77,4%), brancos (n= 1051; 94,4%); a mediana de idade (intervalo interquartil) foi de 67 anos (60-74). Os pacientes foram comparados com base no tipo de quimioterapia neoadjuvante, e aqueles que não receberam tratamento neoadjuvante foram incluídos como controles.
Os pesquisadores avaliaram o downstaging, resposta completa e sobrevida global com MVAC dose densa e outros regimes de quimioterapia neoadjuvante, além de cirurgia isolada.
Resultados
Dos 824 pacientes com câncer de bexiga músculo-invasivo, 332 (40%) receberam quimioterapia neoadjuvante; entre esses pacientes, 204 (61,4%) receberam o padrão gemcitabina e cisplatina, 32 (10%) receberam gemcitabina associada a carboplatina e 46 (14%) receberam MVAC em dose densa, enquanto os outros 50 pacientes (15,1%) receberam outros esquemas quimioterápicos como etoposido, fluorouracil, and paclitaxel.
As taxas de downstaging foram 52,2% para ddMVAC, 41,3% para gemcitabina + cisplatina e 27,0% para gemcitabina + carboplatina. As taxas de resposta completa (pT0N0) foram 41,3% para ddMVAC, 24,5% para gemcitabina+cisplatina e 9,4% para gemcitabina+carboplatina (2-sided; p < .001). A análise ajustada comparando ddMVAC com gemcitabina+cisplatina demonstrou uma maior probabilidade de downstaging (odds ratio [OR], 1,84, 95% CI, 1,10-3,09) e resposta completa (OR, 2,67, 95% CI, 1,50-4,77) com ddMVAC.
“O estudo mostrou que o esquema ddM-VAC apresentou maior probabilidade de downstaging e de resposta patológica completa, até mesmo quando comparado com o esquema gemcitabina-cisplatina”, observa Schutz.
Pacientes que receberam a combinação em dose densa tiveram melhor sobrevida global do que aqueles tratados com outros regimes, embora o benefício de sobrevida observado não tenha alcançado significância estatística em modelos ajustados ou de propensão combinada (hazard ratio, 0,44; 95% IC, 0,14-1,38; p = .16).
Em conclusão, o estudo sugere que MVAC dose densa neoadjuvante seguido de cistectomia está associado a uma taxa de resposta completa mais alta (ypT0N0) do que o padrão atual de neoadjuvância. Mais estudos são necessários para investigar o MVAC em dose densa de forma prospectiva e randomizada.
“É importante lembrar que o esquema ddM-VAC apresenta densificação da dose apenas das drogas mais ativas (cisplatina e doxorrubicina), com 70mg/m2 e 30mg/m2 a cada 2 semanas (comparado com a cada 4 semanas do esquema M-VAC clássico), ou seja, uma dose-densidade 2x maior em comparação com o esquema M-VAC clássico. Por outro lado, as drogas menos ativas (metotrexate e vimblastina) na realidade sofrem uma diminuição da dose densidade de 33%, pois as doses destas drogas nos D15 e do D21 são abolidas”, explica o oncologista.
O especialista acrescenta que para conseguir densificar as drogas cisplatina e doxorribicina, é necessário fazer uso de fator de crescimento de colônia de granulócitos. “Por todos estes motivos, a tolerância e o perfil de toxicidade do esquema ddM-VAC é melhor do que o esquema M-VAC clássico”, diz.
Outra possível vantagem do esquema ddM-VAC é o menor tempo para se completar os 4 ciclos de quimioterapia, além da possibilidade de proceder à cistectomia radical. “Para mim, é animador ver este estudo, pois considero na minha prática o esquema ddM-VAC como o esquema de preferência, tanto no cenário metastático de primeira linha quanto para o cenário (neo)adjuvante, conclui.
Entre as limitações do trabalho estão o desenho retrospectivo e a pequena população de pacientes no grupo dose densa, o que limita o poder estatístico do estudo.
O estudo foi parcialmente financiado pelo National Cancer Institute através do H. Lee Moffitt Cancer Center & Research Institute.
Referência: Downstaging and Survival Outcomes Associated With Neoadjuvant Chemotherapy Regimens Among Patients Treated With Cystectomy for Muscle-Invasive Bladder Cancer - Charles C. Peyton et al - JAMA Oncol. Published online August 30, 2018. doi:10.1001/jamaoncol.2018.3542