Ensaio clínico internacional de Fase III (VISION) que avaliou o radiofármaco 177Lu-PSMA-617 em pacientes com câncer de próstata metastático resistente à castração (mCPRC) previamente tratados foi recentemente publicado na New England Journal of Medicine. O estudo atingiu todos os principais desfechos, demonstrando benefício de sobrevida livre de progressão radiográfica e sobrevida global nessa população de pacientes. José Mauricio Mota (foto), chefe do Grupo de Tumores Geniturinários da Oncologia Clínica do ICESP/FMUSP e oncologista titular da Oncologia D’Or, comenta os resultados do trabalho, que embasou a decisão do U.S. Food and Drug Administration (FDA) de conceder revisão prioritária à terapia.
Mais de 80% dos tumores de próstata expressam um biomarcador fenotípico denominado Antígeno de Membrana Específica da Próstata (PSMA, da sigla em inglês), projetando-se como potencial alvo terapêutico para a terapia com radiofármacos.
Neste ensaio, foram avaliados pacientes com mCPRC tratados com pelo menos um inibidor da via do receptor androgênico e um ou dois regimes de quimioterapia baseada em taxanos, exame de tomografia por emissão de pósitrons com Ga68-PSMA-11 (PET PSMA) positivo. “A positividade no PET PSMA foi definida como a presença de pelo menos 1 lesão PSMA-positiva (ou seja, com expressão de PSMA superior ao background hepático) e ausência de lesão PSMA-negativa (o que incluía lesões metastáticas ósseas com componente de partes moles ≥1,0 cm, linfonodos ≥2,5 cm e metástases em órgãos sólidos ≥1,0 cm)”, esclarece Mota.
Os pacientes elegíveis foram randomizados (2: 1) para receber 177Lu-PSMA-617 (7,4 GBq a cada 6 semanas por quatro a seis ciclos) mais o tratamento padrão permitido pelo protocolo ou apenas o tratamento padrão. O tratamento padrão permitido pelo protocolo excluiu quimioterapia, imunoterapia, rádio-223 e medicamentos em investigação. Os desfechos primários foram sobrevida livre de progressão radiográfica e sobrevida global, programados para razão de risco de 0,67 e 0,73, respectivamente.
Os principais desfechos secundários foram resposta objetiva, controle da doença e tempo para eventos esqueléticos sintomáticos. Os eventos adversos durante o tratamento foram aqueles que ocorreram até 30 dias após a última dose e antes da intervenção proposta.
Resultados
De junho de 2018 a meados de outubro de 2019, 831 pacientes foram randomizados, com acompanhamento mediano de 20,9 meses. 177Lu-PSMA-617 mais o tratamento padrão prolongou significativamente a sobrevida livre de progressão radiográfica (mediana de 8,7 vs. 3,4 meses; razão de risco para progressão ou morte, 0,40; intervalo de confiança de 99,2% [IC] 0,29 a 0,57; P <0,001) e a sobrevida global (mediana, 15,3 vs. 11,3 meses; razão de risco para morte 0,62; IC de 95%, 0,52 a 0,74; P <0,001). Todos os principais desfechos secundários favoreceram a terapia com 177Lu-PSMA-617.
Os autores reportam que a incidência de eventos adversos de grau 3 ou superior foi maior com 177Lu-PSMA-617 comparada ao braço controle (52,7% vs. 38,0%), mas a qualidade de vida não foi adversamente afetada. “Os resultados de qualidade de vida foram recentemente apresentados na ESMO 2021. Os pacientes que receberam 177Lu-PSMA-617 tiveram maior tempo para primeiro evento esquelético sintomático e para deterioração da qualidade de vida”, observa Mota.
Segundo o oncologista, os resultados do estudo VISION colocam o 177Lu-PSMA-617 como uma opção a mais para pacientes com câncer de próstata metastático resistente à castração. “Os critérios de seleção no estudo VISION foram menos restritivos do que no estudo de fase 2 TheraP, o que apenas denota que ainda não temos biomarcadores para seleção de tratamento tão eficazes. Também é preciso salientar que nem todos os pacientes derivaram benefício com o tratamento, e apesar de alguns pacientes poderem ter respostas duradouras, o mais comum ainda é a progressão de doença após pouco tempo do tratamento”, avalia, ressaltando que a terapia já é disponível em alguns centros de excelência no Brasil.
“A terapia com 177Lu-PSMA-617 prolongou a sobrevida livre de progressão radiográfica e a sobrevida global quando adicionada ao tratamento padrão em pacientes com câncer de próstata metastático resistente à castração selecionados por PET PSMA”, concluem os autores.
Este estudo está inscrito na ClinicalTrials.gov: NCT03511664.
Referência: Lutetium-177–PSMA-617 for Metastatic Castration-Resistant Prostate Cancer - Oliver Sartor, M.D., Johann de Bono, M.B., Ch.B., Ph.D., Kim N. Chi, M.D., Karim Fizazi, M.D., Ph.D., Ken Herrmann, M.D., Kambiz Rahbar, M.D., Scott T. Tagawa, M.D., Luke T. Nordquist, M.D., Nitin Vaishampayan, M.D., Ghassan El-Haddad, M.D., Chandler H. Park, M.D., Tomasz M. Beer, M.D., et al., for the VISION Investigators* - September 16, 2021 - N Engl J Med 2021; 385:1091-1103 - DOI: 10.1056/NEJMoa2107322