O rastreamento intensivo através do uso da ressonância magnética a cada seis meses em mulheres com risco de câncer de mama agressivo associado à mutação BRCA1 se mostrou eficaz na detecção da doença em estágio inicial. Os resultados do estudo liderado pela médica Olufunmilayo Olopade, da Universidade de Chicago, com participação do oncologista Rodrigo Guindalini (foto), coordenador do Centro de Genética e Prevenção do Câncer do Grupo CAM/CLION, em Salvador, foram publicados dia 28 de agosto na Clinical Cancer Research, periódico da American Association for Cancer Research.
Este é o primeiro relato de uma coorte prospectiva de mulheres de alto risco, genomicamente estratificadas, submetidas a rastreamento com ressonância magnética bianual em conjunto com mamografia anual. A abordagem demonstrou um bom desempenho para detecção de tumores ≤ 1cm e sem envolvimento nodal, evitando efetivamente tumores invasivos de intervalo. “Com a estratificação ideal do risco genômico, o rastreamento intensivo com ressonância magnética a cada 6 meses tem o potencial de detectar câncer de mama em estágio inicial, especialmente em mulheres com risco de câncer de mama agressivo associado à mutação BRCA1”, afirmou Guindalini.
Entre 2004-2016, os pesquisadores acompanharam prospectivamente 295 mulheres com um risco cumulativo de câncer de mama ao longo da vida ≥ 20% e/ou teste positivo para uma mutação patogênica em um gene conhecido de suscetibilidade ao câncer de mama. Entre as participantes, 157 eram portadoras de mutações (75 BRCA1, 61 BRCA2); a mediana de idade no início do estudo foi de 43,3 anos.
Dezessete casos de câncer foram diagnosticados: quatro carcinomas ductais in situ (CDIS) e treze tumores de mama invasivos em estágio inicial. Quinze ocorreram em mulheres com mutação (11 BRCA1, 3 BRCA2, 1 CDH1). O tamanho mediano dos tumores invasivos foi de 0,61 cm e nenhuma paciente apresentou metástase linfonodal no momento do diagnóstico.
A sensibilidade da ressonância magnética bianual isolada foi de 88,2% e associada à mamografia anual foi de 94,1%. No entanto, análises estatísticas (curvas ROC) evidenciaram que não houve diferença estatisticamente significante de performance entre as estratégias de realização de ressonância magnética bianual ou ressonância magnética bianual associada à mamografia anual (p=0.53).
Estudos prévios que utilizaram ressonância magnética e mamografia combinadas uma vez ao ano em pacientes de alto risco, especificamente em portadoras de mutações BRCA1 e BRCA2, detectaram tumores de mama em estágios mais avançados, incluindo aproximadamente 15% de cânceres com envolvimento nodal. “Embora a sensibilidade e a especificidade desta abordagem semestral tenham sido similares a estudos prévios de screening anual com a combinação dos métodos de imagem, nesse trabalho todos os cânceres invasivos foram detectados com tamanho ≤ 1cm, sem envolvimento nodal.
Além disso, não foram detectados cânceres invasivos de intervalo”, explicou.
Dos oito cânceres invasivos detectados apenas por ressonância magnética, cinco foram detectados pela ressonância magnética adicional realizada no intervalo de 6 meses. “Considerando a biologia agressiva do câncer de mama hereditário, esses cinco cânceres invasivos provavelmente representam tumores que teriam sido diagnosticados em estágios mais avançados se a ressonância magnética fosse utilizada somente 1 vez ao ano”.
O especialista observa que a taxa de recall de 4,1% (87/2111) para ressonância magnética semestral foi menor do que as taxas de 10-28% relatadas em mulheres de alto risco submetidas à vigilância anual com ressonância magnética em estudos anteriores, atingindo a taxa atual de recall <7% recomendada pelo National Health Service Breast Cancer Screening Program no Reino Unido. “O mais significativo é o alto rendimento do rastreamento intensivo para detecção de câncer em portadores de mutação BRCA1, no qual foram necessários 2,8 recalls e 1,7 biópsias para diagnosticar 1 câncer. Para portadoras de mutação BRCA2 e/ou pacientes de alto risco sem mutação foram necessários 12 / 11,7 recalls e 8 / 5 biópsias para diagnosticar 1 câncer, respectivamente”, diz.
Os autores concluíram que a sensibilidade/especificidade semelhantes, maior valor preditivo positivo e menor taxa de biópsia falso-positiva em mulheres com mutações no BRCA1 em comparação com outros grupos sugerem que essa estratégia de rastreamento pode ser mais benéfica para as portadoras de mutações BRCA1. Além disso, embora o estudo não tenha sido desenhado para avaliar sobrevida global, ele atingiu desfechos substitutos (surrogate endpoints) altamente relevantes, como ausência de câncer invasivo de intervalo e downstaging de tumores agressivos.
Como o uso rotineiro de mamografia anual não melhorou de forma significante a performance da nova abordagem de screening com ressonância magnética a cada 6 meses, foi levantada também a discussão sobre a necessidade de se manter o uso de mamografia em mulheres com alto risco genético submetidas a rastreamento com exames de ressonância magnética, particularmente em portadores de mutação BRCA1/2 abaixo dos 40 anos de idade. “Tecnologias emergentes como protocolos abreviados e ultrarrápidos de ressonância magnética e uso de menos material de contraste têm o potencial de melhorar ainda mais o desempenho e reduzir os custos gerais de rastreamento para esse subgrupo de pacientes, sem perder especificidade e sensibilidade”, concluiu Guindalini.
Referência: Intensive surveillance with bi-annual dynamic contrast-enhanced magnetic resonance imaging downstages breast cancer in BRCA1 mutation carriers - *Rodrigo S. Guindalini et al - Published Online First August 28, 2018 - doi: 10.1158/1078-0432.CCR-18-0200