Com o objetivo de disseminar as melhores práticas para validar, relatar e publicar ensaios clínicos de DNA tumoral circulante (ctDNA), o Grupo de Trabalho de Biópsia Líquida* desenvolveu um conjunto de 13 recomendações de consenso com considerações pré-analíticas e métricas para garantir dados de alta qualidade em ensaios de ctDNA. Fabiana Bettoni (foto), pesquisadora do Centro de Oncologia Molecular do Hospital Sírio-Libanês, comenta o consenso e seu impacto na decisão terapêutica.
Diagnosticar, selecionar a terapia e monitorar o câncer em pacientes por meio de exames de sangue minimamente invasivos representa um avanço na medicina de precisão, daí a importância de padronizar fatores que afetam o desempenho e a notificação de ensaios de ctDNA. “A detecção de ctDNA no sangue vem se tornando cada vez mais presente na prática clínica como uma metodologia sensível e complementar à biópsia tecidual. No entanto, apesar do número crescente de publicações validando novos testes da chamada biópsia líquida, até o momento não há uma padronização na validação analítica e clínica destes ensaios, o que dificulta a comparação entre os dados apresentados e a comprovação de sua utilidade clínica”, explica Fabiana.
O Grupo de Trabalho de Biópsia Líquida (LBxWG)* do Comitê de Prática Clínica de Patologia Molecular, que inclui representantes da Sociedade Americana de Oncologia Clínica e do Colégio Americano de Patologistas, revisou dados de 1.228 publicações de ctDNA que descrevem ensaios realizados em pacientes com linfoma e tumores sólidos. A partir dessa base de dados, o LBxWG desenvolveu um conjunto de 13 recomendações de consenso, com o objetivo de auxiliar os laboratórios clínicos na validação e notificação de ensaios de ctDNA e, ao mesmo tempo, garantir que dados de alta qualidade sejam incluídos nas publicações.
Os avanços tecnológicos mudaram o diagnóstico molecular nos últimos 10 anos. DNA livre de células (cfDNA) é definido como moléculas de DNA extracelular originárias de qualquer tipo de célula. DNA tumoral circulante (ctDNA) refere-se à fração derivada de tumor de cfDNA liberada em fluidos corporais através de vários mecanismos, incluindo apoptose, necrose, enucleação de eritroblastos e possivelmente secreção ativa.
Como parte das recomendações de consenso, o LBxWG lembra que a maior parte da literatura publicada sobre a aplicação do ctDNA em oncologia tem se concentrado no ctDNA derivado do plasma. “A análise de ctDNA foi desenvolvida como alternativa não invasiva à biópsia tumoral para avaliação de alterações moleculares somáticas, particularmente quando a localização do tumor é desfavorável para biópsia, como no caso do câncer de pâncreas; nos casos em que o rendimento da biópsia é inadequado para testes diagnósticos; quando avaliações repetidas de anormalidades moleculares tumorais são necessárias para otimizar o tratamento, ou ainda quando as limitações teóricas impostas pela heterogeneidade tumoral devem ser superadas”, descrevem os autores.
A recomendação também destaca que o uso de painéis de tamanhos variados em ensaios genômicos e diferentes abordagens em ensaios químicos podem contribuir para as diferenças observadas entre alterações moleculares encontradas em biópsias tumorais versus ctDNA, mesmo quando as amostras são obtidas simultaneamente. Os métodos utilizados para testes, a heterogeneidade tumoral e a carga tumoral no momento da amostragem também podem contribuir para as diferenças entre os resultados.
Em relação às aplicações, a maior parte das pesquisas com detecção de ctDNA se concentraram em cânceres metastáticos, ao lado de aplicações para o diagnóstico precoce do câncer, avaliações de prognóstico ou de resposta ao tratamento, assim como análises para identificar mecanismos de resistência, rastrear a evolução clonal e detectar recidiva antes que possam ser mapeadas por modalidades de diagnóstico padrão, como métodos de imagem.
O Grupo de Trabalho de Biópsia Líquida lembra que a Food and Drug Administration (FDA) dos EUA aprovou em 2020 o uso de sequenciamento de próxima geração (NGS) como técnica de diagnóstico complementar para análise de múltiplos biomarcadores detectados por análise de ctDNA plasmático, seja no CPCNP (mutações EGFR para uso de gefitinibe, osimertinibe e erlotinibe; rearranjos ALK para tratamento com alectinibe), câncer de próstata (alterações BRCA1 e BRCA2 para uso de rucaparibe e olaparibe; e alterações ATM para uso de olaparibe), câncer de ovário (alterações BRCA1 e BRCA2 para uso de rucaparibe) e câncer de mama (mutações ativadoras de PIK3CA para uso de alpelisibe).
As recomendações de consenso foram publicadas por Lockwood et al. no Journal of Molecular Diagnostic. “O artigo ressalta alguns desafios para biópsias líquidas, especialmente no cenário de indivíduos assintomáticos e pacientes com doença inicial devido às baixas concentrações de DNA tumoral circulante”, prossegue Fabiana. “Além disso, vale ressaltar uma questão muito importante com relação ao conhecimento do clínico sobre os testes já disponíveis no mercado. Entender como (NGS ou PCR digital, por exemplo) e o que cada teste analisa (quais genes são avaliados e se são analisados apenas hotspots ou a sequência completa de cada gene), assim como a sensibilidade e especificidade do ensaio, é muito importante na escolha do teste e na interpretação dos resultados apresentados no laudo, impactando diretamente na definição de conduta terapêutica.
Referências: DOI:https://doi.org/10.1016/j.jmoldx.2023.09.004