Publicada no JAMA Oncology, a atualização das recomendações do US Preventive Services Task Force (USPSTF) sobre rastreamento para câncer de ovário concluiu com certeza moderada de que os danos causados pelo rastreamento superam os benefícios em mulheres assintomáticas, sem história conhecida de síndromes hereditárias que aumentem o risco da doença (Recomendação D). O documento sugere que mulheres com antecedentes familiares que indiquem risco de uma mutação genética deletéria (BRCA1 ou BRCA2) sejam encaminhadas para aconselhamento genético. Os especialistas Audrey Tsunoda (foto), Reitan Ribeiro, Bruno Roberto Azevedo e João Soares Nunes, membros do Grupo Brasileiro de Tumores Ginecológicos (EVA/GBTG), comentam as orientações.
*Por Audrey Tsunoda, Reitan Ribeiro, Bruno Roberto Azevedo e João Soares Nunes, membros do Grupo Brasileiro de Tumores Ginecológicos (EVA/GBTG)
A US Preventive Services Task Force (USPSTF) é uma força tarefa americana que produz orientações para prevenção com foco nas pessoas assintomáticas sem fatores de risco conhecidos. As recomendações de rastreamento de câncer de ovário, com CA125 e/ou ultrassom pélvico, foram atualizadas pela USPSTF em fevereiro de 2018, no JAMA Oncology. Os danos causados pelo rastreamento superam os benefícios em mulheres assintomáticas e sem história conhecida de síndromes hereditárias.
As mulheres com antecedentes familiares com risco de mutação genética deletéria (BRCA1 ou BRCA2) devem ser encaminhadas para aconselhamento genético.
Os desfechos avaliados foram: mortalidade por câncer de ovário, qualidade de vida, taxa de falso-positivos, cirurgia e taxas de complicações cirúrgicas e efeitos psicológicos do screening.
A ultrassonografia transvaginal e/ou o CA-125 não reduzem a mortalidade por câncer de ovário. As evidências sugerem que os danos causados pela triagem são pelo menos moderados. Resultados falso-positivos que podem levar a intervenções cirúrgicas desnecessárias.
Três estudos de boa qualidade avaliaram o efeito do rastreamento anual em mulheres assintomáticas sem síndromes hereditárias conhecidas.
O estudo UKCTOCS pilot (UK Collaborative Trial of Cancer of Ovary Screening (UKCTOCS), UK Pilot) incluiu 21.955 mulheres e utilizou um único valor de corte para CA-125. Não houve diferença significativa na mortalidade por câncer de ovário entre mulheres que foram rastreadas versus sem rastreamento (0,08% vs 0,16% risco relativo, 0,50 [95% IC, 0,22-1,11]).
O estudo UKCTOCS incluiu 202.638 mulheres menopausadas, de 50 a 74 anos, sem alto risco conhecido de câncer de ovário. As mulheres foram randomizadas para seguimento com observação apenas versus rastreamento com algoritmo ROCA (Abcodia Inc), com coleta de CA-125 com ou sem ultrassom transvaginal anual.
Após uma mediana de seguimento de 11,1 anos, a mortalidade por câncer de ovário não foi significativamente diferente entre o grupo controle e os dois grupos de intervenção (0,35% no grupo controle, 0,32% no grupo de ultrassom transvaginal e 0,32% no grupo CA-125 ROCA). Também não houve diferença significativa no risco de mortalidade nos grupos de ultrassonografia transvaginal e CA-125 ROCA (hazard ratio, 0,91 [95% IC, 0,76-1,09] e 0,89 [95% IC, 0,74-1,08], respectivamente).
O estudo realizado nos Estados Unidos foi o The Prostate, Lung, Colorectal and Ovarian (PLCO) Cancer Screening Trial. Foram incluídas 68.557 mulheres com ao menos um ovário, de 55 a 74 anos, sem diagnóstico prévio de câncer pulmonar, colorretal ou de ovário, porém 17,4% relataram história familiar de câncer de ovário ou de mama. A randomização foi para acompanhamento habitual (grupo controle) versus rastreamento anual (CA-125 e ultrassonografia transvaginal para as primeiras 4 rodadas de triagem, em seguida, apenas 2 rodadas com CA-125). O seguimento médio foi de 12,4 anos. Não houve diferença na mortalidade por câncer de ovário, com 0,34% no grupo rastreamento e 0,29% no grupo controle (risco relativo, 1,18 [95% IC, 0,82-1,71]).
Os três estudos foram inconclusivos quanto aos aspectos psicológicos. De acordo com os resultados do UKCTOCS, os índices de falsos positivos foram: 11,9% no grupo ultrassom e 9% na primeira rodada do grupo ROCA CA-125. Observou-se que 44,2% das mulheres sem câncer tiveram ROCA CA-125 positivo em algum ponto do rastreamento.
Os índices de cirurgias desnecessárias foram de 0,2% no UK pilot; 0,97% no UKCTOCS ROCA CA-125; 3,25% no UKCTOCS ultrassom; e 3,17% do PLCO CA-125 com ultrassom.
Até 15% das mulheres tiveram complicações cirúrgicas maiores.
Os autores ressaltam que são necessárias mais pesquisas para identificar novas estratégias de triagem que possam detectar com precisão o câncer de ovário inicial, com testes sorológicos mais sensíveis e específicos, bem como melhores técnicas de imagem.
Autores: Audrey Tsunoda, cirurgiã oncológica do Hospital Erasto Gaertner
Reitan Ribeiro, cirurgião oncológico do Hospital Erasto Gaertner
Bruno Roberto Azevedo, cirurgião oncológico do Hospital São Vicente
João Soares Nunes, oncologista clínico do Hospital Erasto Gaertner