Um grande estudo de coorte com base em dados populacionais considerou todas as mulheres que tiveram reprodução assistida na Grã-Bretanha, de 1991 a 2010, para avaliar os riscos de câncer de ovário, mama e corpo do útero. A análise final não mostrou aumento do risco de câncer de mama ou de útero invasivo em mulheres que tiveram reprodução assistida, mas revelou aumento do risco de câncer de mama in situ e em tumores ovarianos invasivos e limítrofes. Os resultados foram publicados no BMJ1. A oncologista Maria Del Pilar Estevez Diz (foto), Diretora Multi Especialidades e Coordenadora da Oncologia Clínica do ICESP, comenta o trabalho.
Os pesquisadores consideraram os registros da Human Fertilisation and Embriology Authority (HFEA), que foram vinculados aos registros nacionais de câncer. O endpoint primário foi o primeiro diagnóstico de câncer de ovário, mama ou corpo do útero. Índices de incidência padronizados (SIRs) foram calculados por idade e taxas nacionais específicas do período.
Resultados
Um total de 255.786 mulheres contribuíram com 2.257.789 pessoas por ano de follow-up. Nenhum risco aumentado de câncer de corpo uterino foi encontrado durante a média de 8,8 anos de follow-up, com 164 casos de câncer observados vs 146,9 casos esperados (SIR 1,12). “Este estudo não encontrou aumento significativo do risco de câncer de mama em geral (2578 v 2641,2; SIR 0,98) ou câncer de mama invasivo (2272 v 2371,4; SIR 0,96, 0,92 a 1,00)”, escrevem os autores.
No entanto, o estudo identificou risco aumentado de câncer de mama in situ (291 v 253,5; SIR 1,15; risco de excesso absoluto (AER) de 1,7 casos por 100 000 pessoas por ano), associado a um número crescente de ciclos de tratamento (P = 0,03). Também houve risco aumentado de câncer de ovário (405 v 291.82; SIR 1.39; AER de 5.0 casos por 100.000 pessoas/ano), risco que segundo os autores foi limitado a mulheres com endometriose, baixa paridade, ou ambos. “Este estudo encontrou aumento do risco de câncer de mama in situ e tumores ovarianos invasivos e bordelines”, concluem os autores, que recomendam o monitoramento contínuo dessa população.
A oncologista Maria Del Pilar Estevez Diz (foto) explica que a reprodução assistida frequentemente está associada à exposição a doses supra-fisiológicas de hormônios, com estradiol, gonadotrofinas e também a punções do ovário, fatores que, isoladamente, são classicamente considerados como fatores de risco para o câncer de mama, do corpo uterino e de ovário. “Tendo em vista esses elementos, diversos estudos têm sido conduzidos na tentativa de determinar a segurança da reprodução assistida do ponto de vista oncológico. Entretanto, elementos de confusão, como a endometriose, que pode ser causa de infertilidade e também aumenta o risco de câncer de ovário, dificultam a interpretação desses resultados”, diz.
Uma análise combinada com 5207 casos e 7705 controles, por exemplo, sugere que causas específicas de infertilidade, mais do que as drogas empregadas na fertilização assistida, aumentam o risco de câncer de ovário2.
“Nesta grande coorte populacional1, com um seguimento mediano de 8,8 anos (1-19 anos) não foi encontrado aumento do risco de câncer de mama (consistente com a maioria dos estudos anteriormente publicados) ou de endométrio. Entretanto, os autores encontraram um risco aumentado de câncer de ovário, invasivo e bordeline, em mulheres com endometriose e nuliparidade, dois fatores de risco conhecidos para o câncer de ovário”, observa a especialista.
Pilar acrescenta que este achado vai de encontro aos dados do estudo publicado por Kessous em 20163. “Os autores apontam para a possibilidade de um viés por excesso de exames no primeiro ano de seguimento no caso dos tumores borderline, e para o aumento dos casos de câncer de ovário ser decorrente de fatores de risco da paciente e não dos procedimentos necessários para a reprodução assistida”, conclui.
Referências: Risks of ovarian, breast, and corpus uteri cancer in women treated with assisted reproductive technology in Great Britain, 1991-2010: data linkage study including 2.2 million person years of observation - BMJ 2018; 362 doi: https://doi.org/10.1136/bmj.k2644 - Published 11 July 2018 - BMJ 2018;362:k2644
2 - Ness RB, Cramer DW, Goodman MT, et al. Infertility, infertility drugs and ovarian cancer: a pooled analysis of case-control studies. Am J Epidemiol. 2002;155:217–224
3 - Kessous R, Davidson E, Meirovitz M, et al. The risk of female malignances after fertility treatments: A cohort study with 25-year follow-up. J Cancer Res Clin Oncol. 2016;142:287-293