Cerca de 1 em cada 10 pacientes com câncer avançado atende aos critérios de obesidade sarcopênica e cerca de um em cada quatro pacientes obesos (IMC> 30 kg / m2) é sarcopênico. Os dados foram publicados no Annals of Oncology, em um suplemento especialmente dedicado a discutir a depleção muscular grave no paciente de câncer e seu impacto no planejamento terapêutico e nos desfechos clínicos.
A composição corporal, definida como a proporção e distribuição de tecidos magros e de gordura no corpo humano, é um tema emergente na oncologia clínica. A depleção muscular grave (sarcopenia) é mais facilmente negligenciada em pacientes obesos e constitui risco especial de mortalidade e complicações graves no tratamento sistêmico e cirúrgico do câncer. "A relação entre desnutrição e câncer vem sendo estudada há muitos anos. A imagem do paciente emagrecido em tratamento oncológico é o que permeia a mente de pacientes e médicos. Entretanto, atualmente, o que observamos é que os pacientes estão acima do peso ideal", afirma Lidiane Pereira Magalhães, nutricionista do Departamento de Oncologia Clínica e tutora do programa de Residência Multidisciplinar de Nutrição em Oncologia do Adulto da Universidade Federal de São Paulo (Unifesp).
O estudo publicado por V E Baracos e L Arribas revisou as definições, prevalência e implicações clínicas da obesidade sarcopênica (OS) na oncologia médica e cirúrgica. Apesar da heterogeneidade nas definições e da variabilidade nos pontos de corte para definir OS, os autores concluem que a prevalência de obesidade sarcopênica em pacientes com tumores sólidos avançados é em média de 9% (variação de 2,3% a 14,6%), o que significa que um em cada quatro pacientes (24,7%, intervalo de 5,9% a 39,2%) com índice de massa corporal ≥ 30 kg/m2 é sarcopênico.
A presença de obesidade sarcopênica foi associada a maior mortalidade e maior taxa de complicações no tratamento sistêmico e cirúrgico do câncer. Para os autores, uma das hipóteses para essa associação é a exposição aumentada à terapia antineoplásica. “É de se esperar que uma grande massa corporal inflacione a dose de medicamentos definida com base na área de superfície corporal, causando um aumento na taxa de toxicidade. Dados farmacocinéticos são necessários para confirmar ou refutar essa hipótese”, registram.
Avaliação
A avaliação da composição corporal a partir de exames de imagem tem ganhado espaço na oncologia clínica. Para os autores, “é importante notar que avaliações nutricionais convencionais (por ex. NRS 2002) não detectam com confiabilidade a presença de sarcopenia”.
Os autores observam, ainda, que a obesidade sarcopênica é um fenótipo corporal único. Dados longitudinais em pacientes com tumores sólidos fornecem evidências de uma deterioração progressiva da massa muscular ao longo da doença. Os mesmos pacientes também mostraram capacidade para ganhar grande quantidade de gordura rapidamente durante os períodos de remissão. "O excesso de peso traz outras questões, além de maior risco de recidiva da doença. O aumento da sarcopenia entre estes indivíduos, ou seja, a baixa reserva muscular, os torna mais suscetíveis à infecções, piora a resposta ao tratamento, e aumenta a exposição aos quimioterápicos, já que a medicação é calculada baseada no peso corpóreo. Segundo estudos recentes, estes indivíduos podem ter um pior prognóstico quando comparados a outros com peso normal ou eventualmente abaixo do peso ideal", diz Lidiane.
Pelo menos um estudo está em andamento para avaliar se a dosagem baseada em LBM (lean body mass) versus a dosagem baseada em BSA (body surface area) pode limitar a incidência de toxicidade grave. Trata-se do estudo LEANOX (LEAn Body Mass Normalization of Oxaliplatin Based Chemotherapy) com pacientes com câncer colorretal estágio III tratados em cenário adjuvante, que pretende avaliar o impacto na neurotoxicidade induzida pela oxaliplatina (NCT03255434).
O valor prognóstico da obesidade sarcopênica pode ser importante para a prática clínica e auxiliar na gestão de pacientes.
Referência: V E Baracos, L Arribas; Sarcopenic obesity: hidden muscle wasting and its impact for survival and complications of cancer therapy, Annals of Oncology, Volume 29, Issue suppl_2, 1 February 2018, Pages ii1–ii9, https://doi.org/10.1093/annonc/mdx810
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