Onconews - SENOMAC: é seguro omitir a dissecção axilar no câncer de mama com metástases de linfonodo sentinela

Estudo randomizado patrocinado pelo Instituto Karolinska, na Suécia, com participação de mais de 2,5 mil pacientes em cinco países, corrobora evidências da não-inferioridade de omitir a depuração axilar no caso de macrometástases de linfonodo sentinela em relação à cirurgia axilar extensa. Os resultados foram publicados por Boniface et al. na New England Journal of Medicine (NEJM) e demonstram que a sobrevida livre de recorrência estimada em 5 anos após a biópsia do linfonodo sentinela não foi inferior àquela após a dissecção completa do linfonodo axilar em pacientes com câncer de mama e uma ou duas macrometástases de linfonodo sentinela. O mastologista Cesar Cabello (foto), professor da Universidade Estadual de Campinas (UNICAMP), analisa os resultados.

Dados de estudos randomizados já indicavam a segurança de omitir a depuração axilar, mesmo que a biópsia do linfonodo sentinela mostre até 2 linfonodos com depósitos tumorais com tamanho superior a 2 mm (macrometástase). Esses estudos mudaram a prática clínica em muitos países, mas ainda se discute se é seguro omitir a depuração axilar no caso de macrometástase de linfonodo sentinela, considerando o poder estatístico limitado das evidências até então disponíveis, assim como volumes alvo de radioterapia nodal incertos e escassez de dados sobre subgrupos clínicos relevantes.

 A justificativa para omitir a cirurgia axilar extensa é evitar a morbidade pós-operatória, como linfedema do braço, perda de sensibilidade, dor e inchaço. Neste ensaio prospectivo randomizado internacional de não inferioridade (SENOMAC; NCT02240472), realizado em 67 hospitais na Suécia, Dinamarca, Alemanha, Grécia e Itália, os pesquisadores inscreveram pacientes com câncer de mama primário T1 a T3 com linfonodo clinicamente negativo (tamanho do tumor, T1, ≤20 mm; T2, 21 a 50 mm; e T3, >50 mm na maior dimensão) com uma ou duas macrometástases de linfonodo sentinela (tamanho da metástase,> 2 mm na maior dimensão). Os pacientes elegíveis foram randomizados em uma proporção de 1: 1 para a dissecção do linfonodo axilar ou sua omissão (somente biópsia do linfonodo sentinela). O tratamento adjuvante e a radioterapia foram utilizados de acordo com as diretrizes nacionais. O endpoint primário foi a sobrevida global.

Os dados relatados por Boniface et al.na NEJM referem-se às análises por protocolo e por intenção de tratar modificada do endpoint secundário pré-especificado de sobrevida livre de recorrência. Para mostrar a não-inferioridade da biópsia do linfonodo sentinela, o limite superior do intervalo de confiança para a razão de risco de recorrência ou morte teve que ser inferior a 1,44.

Entre janeiro de 2015 e dezembro de 2021, um total de 2.766 pacientes foram inscritos em cinco países. A população por protocolo incluiu 2.540 pacientes, dos quais 1.335 foram randomizados para serem submetidos apenas à biópsia do linfonodo sentinela e 1.205 para serem submetidos à dissecção completa dos linfonodos axilares (grupo de dissecção). A radioterapia, incluindo volumes alvo nodais, foi administrada a 1.192 de 1.326 pacientes (89,9%) no grupo apenas de biópsia de linfonodo sentinela e a 1.058 de 1.197 (88,4%) no grupo de dissecção.

O seguimento mediano foi de 46,8 meses (variação de 1,5 a 94,5). No geral, 191 pacientes tiveram recorrência ou morreram. A sobrevida livre de recorrência estimada em 5 anos foi de 89,7% (intervalo de confiança [IC] de 95%, 87,5 a 91,9) no grupo apenas de biópsia de linfonodo sentinela e de 88,7% (IC de 95%, 86,3 a 91,1) no grupo de dissecção, com uma razão de risco ajustada ao país para recorrência ou morte de 0,89 (IC 95%, 0,66 a 1,19), que foi significativamente (P<0,001) abaixo da margem de não-inferioridade pré-especificada.

“A omissão da dissecção completa dos linfonodos axilares não foi inferior à cirurgia mais extensa em pacientes com câncer de mama com linfonodos clinicamente negativos que apresentavam macrometástases de linfonodos sentinela, a maioria dos quais recebeu radioterapia nodal”, concluem os autores.

Boniface e colegas destacam que os resultados atuais estão alinhados com os dos ensaios ACOSOG Z0011 e AMAROS, que inscreveram pacientes nos períodos de 1999-2004 e 2001-2010, respectivamente. No entanto, enfatizam diferenças importantes. “O ensaio SENOMAC difere destes ensaios anteriores em vários aspectos. Primeiro, os pacientes que apresentavam apenas micrometástases de linfonodo sentinela não foram incluídos, com base nos resultados do estudo International Breast Cancer Study Group (IBCSG) 23-01”, esclarece a análise. “Nos estudos ACOSOG Z0011 e AMAROS, entretanto, os pacientes com micrometástases linfonodais constituíram quase 40% da população do estudo, uma porcentagem maior do que a observada na população clínica com câncer de mama”, prosseguem os autores.

Outra distinção relevante diz respeito à extensão extracapsular. “O ensaio SENOMAC permitiu a extensão extracapsular do linfonodo sentinela; no estudo ACOSOG Z0011, nódulos emaranhados e doença extranodal macroscópica foram um critério de exclusão, e a extensão extracapsular não foi relatada no estudo AMAROS. Esta falta de informação resultou numa incerteza clínica substancial, que os resultados do presente ensaio podem agora resolver”, descrevem.

Um terceiro aspecto compara o estadiamento dos pacientes inscritos, observando que embora o ensaio SENOMAC tenha incluído uma proporção relevante de pacientes com tumores T3, apenas um desses pacientes foi inscrito nos dois ensaios anteriores (ACOSOG Z0011 e AMAROS).

Finalmente, outra diferença apontada por Boniface et al. é sobre a modalidade de cirurgia realizada pelos participantes da pesquisa. Os autores lembram que a mastectomia não foi uma intervenção elegível no ensaio ACOSOG Z0011, enquanto o ensaio AMAROS incluiu apenas 248 dessas pacientes (17,4%). “Em nosso estudo, mais de um terço dos pacientes foram submetidos à mastectomia, o que corrobora a validade externa do nosso estudo, visto que 34% dos pacientes com câncer de mama na Suécia e 31% daqueles na Dinamarca são submetidos à mastectomia”, comparam.

Este estudo foi financiado pelo Conselho Sueco de Pesquisa e está registrado na plataforma ClinicalTrials.gov: NCT02240472.

O estudo em contexto

Por Cesar Cabello, professor de medicina da Faculdade de Ciências Médicas (FCM) da Universidade Estadual de Campinas (UNICAMP); professor pleno do Programa de Tocoginecologia da FCM-UNICAMP; coordenador da Divisão de Oncologia do Hospital da Mulher Prof. José Aristodemo Pinotti-CAISM-FCM-UNICAMP 

Os dados do estudo SENOMAC1, recém-publicados na NEJM, destacam-se por complementarem os resultados dos estudos ACOSOG-ZOO112 e o “EORTC-AMAROS 3”.

Foram recrutadas exclusivamente pacientes com macrometástases nos linfonodos sentinelas (LS), e a proporção nos dois braços do estudo, dos subgrupos de mastectomias (36,7% {490/1335} e 35,7% {430/1205}) e invasões extra-capsulares em cerca de um terço nos LS foram representativos na amostra.

O estudo concluiu que preservar a axila em cirurgias “upfront”, apesar de até dois linfonodos sentinela comprometidos por macrometástases (> 2mm) não é inferior em comparação com o esvaziamento axilar em pacientes submetidas à cirurgias conservadoras ou não e independentemente da presença de invasões extranodais.

Uma observação provocante que se pode fazer é porque este importante estudo multicêntrico sueco não se limitou a estudar estes pontos frágeis dos estudos ACOSOG-Z0011 e EORTC-AMAROS. O estudo iniciou em 2015, quando os dados dos dois estudos anteriores, já publicados, mostravam a possibilidade de evitar o esvaziamento axilar, bem como todas as complicações destes procedimentos nas populações com até dois linfonodos acometidos por câncer.

Provavelmente, muitos centros ainda consideravam que este descalonamento cirúrgico não era seguro e seria mandatório mais evidências nesta linha. As publicações subsequentes, principalmente destes dois estudos, bem como dados de mundo real foram sendo apresentados favorecendo a preservação da axila nestes cenários. 4

Vale a pena ressaltar que a influência dos protocolos de radioterapia ainda não foi bem explorada no SENOMAC, o que também ocorreu com os primeiros dados do estudo ACOSOG Z0011. Outro ponto a se destacar é que apesar dos autores considerarem que os resultados podem ser estendidos para os tumores T3, acredito que a amostra deste subgrupo é insuficiente para tal afirmação, pois representam apenas 6% da amostra nos dois braços. É sempre bom lembrar que os desfechos prognósticos em tumores luminais, que representam a grande maioria da amostra, precisam de seguimentos mais longos para tornarem-se- maduros.

Referências: 

1 - Omitting Axillary Dissection in Breast Cancer with Sentinel-Node Metastases. de Boniface J, et al. N Engl J Med. 2024. PMID: 38598571 Clinical Trial. Published April 3, 2024. N Engl J Med 2024;390:1163-1175. DOI: 10.1056/NEJMoa2313487 

2 - Giuliano AE, Hunt KK, Ballman KV, et al. Axillary dissection vs no axillary dissection in women with invasive breast cancer and sentinel node metastasis: a randomized clinical trial. JAMA. 2011; 305(6):569–575.

3 - Radiotherapy or surgery of the axilla after a positive sentinel node in breast cancer (EORTC 10981-22023 AMAROS): a randomised, multicentre, open-label, phase 3 non-inferiority trial. Donker M, van Tienhoven G, Straver ME, Meijnen P, van de Velde CJ, Mansel RE, Cataliotti L, Westenberg AH, Klinkenbijl JH, Orzalesi L, Bouma WH, van der Mijle HC, Nieuwenhuijzen GA, Veltkamp SC, Slaets L, Duez NJ, de Graaf PW, van Dalen T, Marinelli A, Rijna H, Snoj M, Bundred NJ, Merkus JW, Belkacemi Y, Petignat P, Schinagl DA, Coens C, Messina CG, Bogaerts J, Rutgers EJ.Lancet Oncol. 2014 Nov;15(12):1303-10. doi: 10.1016/S1470-2045(14)70460-7. Epub 2014 Oct 15.PMID: 25439688 

4 - 10-year overall survival among women with invasive breast cancer and sentinel node metastasis: the ACOSOG Z0011 (Alliance) randomized clinical trial. Giuliano AE, Ballman KV, McCall L, et al. Effect of axillary dissection vs no axil- lary dissection on JAMA 2017;318:918–26. 

5 - Radiotherapy or Surgery of the Axilla After a Positive Sentinel Node in Breast Cancer: 10-Year Results of the Randomized Controlled EORTC 10981-22023 AMAROS Trial. Bartels SAL, Donker M, Poncet C, Sauvé N, Straver ME, van de Velde CJH, Mansel RE, Blanken C, Orzalesi L, Klinkenbijl JHG, van der Mijle HCJ, Nieuwenhuijzen GAP, Veltkamp SC, van Dalen T, Marinelli A, Rijna H, Snoj M, Bundred NJ, Merkus JWS, Belkacemi Y, Petignat P, Schinagl DAX, Coens C, van Tienhoven G, van Duijnhoven F, Rutgers EJT.J Clin Oncol. 2023 Apr 20;41(12):2159-2165. doi: 10.1200/JCO.22.01565. Epub 2022 Nov 16.PMID: 36383926 Clinical Trial.