Os cirurgiões oncológicos Guilherme Pagin São Julião (na foto, à direita), Rodrigo Perez e Bruna Vailati analisam os resultados de estudo publicado no JAMA Network Open que discute os avanços nas estratégias de resgate no tratamento do câncer de reto recidivado e a melhora na sobrevida global destes pacientes.
Por Guilherme Pagin São Julião, Rodrigo Perez e Bruna Vailati
Melhora da sobrevida global é um desfecho clínico raramente analisado nos estudos randomizados de pacientes com câncer de reto. Enquanto a implementação da radioterapia neoadjuvante melhorou o controle local, e mais recentemente a incorporação da terapia neoadjuvante total (TNT) melhorou o controle sistêmico, a sobrevida global raramente apresentou melhora.
Ainda menos estudado é o desfecho de sobrevivência dos pacientes após o diagnóstico de recidiva tumor. Aparentemente, os avanços obtidos nas estratégias de resgate para o tratamento do câncer de reto recidivado durante as últimas décadas melhoraram a sobrevida global destes pacientes. Os resultados foram recentemente publicados por Fleischmann et al no JAMA Network Open.
Este estudo de coorte é uma análise post hoc de 3 ensaios randomizados de fase 2 ou 3 (ensaios CAO/ARO/AIO-94, -04 e -12, realizados na Alemanha) que incluíram 1.948 pacientes com adenocarcinoma retal localmente avançado. O ensaio CAO/ARO/AIO-94 recrutou pacientes entre fevereiro de 1995 e setembro de 2002, o ensaio CAO/ARO/AIO-04 recrutou pacientes entre julho de 2006 e fevereiro de 2010, e o ensaio CAO/ARO/AIO-12 recrutou pacientes entre junho 2015 e janeiro de 2018. A análise estatística foi realizada entre setembro de 2022 e março de 2023.
“Os resultados oncológicos entre pacientes com câncer retal após recorrência local e/ou metástases à distância permanecem pouco estudados. Nesse trabalho, buscamos analisar a tendência de sobrevida global após falha do tratamento para pacientes com câncer retal em três ensaios consecutivos de fase 2 ou 3 do German Rectal Cancer Study Group”, esclarecem os autores.
Um total de 119 de 391 pacientes no estudo CAO/ARO/AIO-94 grupo A, 295 de 1.236 pacientes no estudo CAO/ARO/AIO-04 e 69 de 306 no estudo CAO/ARO/AIO-12 apresentaram falha no tratamento (ressecção R2 ou recorrência local ou metástases à distância) e foram incluídos em análises posteriores. As características de falha do tratamento e sobrevida global foram avaliadas em todas as três coortes do estudo.
Resultados
Dos 1.948 pacientes tratados nos 3 ensaios, 15 foram excluídos devido à falta de dados. Do restante (n=1.933 pacientes; idade mediana, 62,5 anos [variação, 19-84 anos]; 1.363 homens [71%] e 570 mulheres [29%]) com adenocarcinoma retal localmente avançado (cT3 ou 4 ou cN+) tratados em 3 ensaios clínicos consecutivos, 483 apresentaram falha no tratamento e foram analisados.
Após um acompanhamento médio de 36 meses (IQR, 24-51 meses) para todos os pacientes, a sobrevida global após falha do tratamento foi significativamente melhorada no estudo CAO/ARO/AIO-04 (aos 3 anos, 44% [IQR, 37 %-51%]; hazard ratio [HR], 0,61 [95% CI, 0,47-0,79]) e melhorou ainda mais no estudo CAO/ARO/AIO-12 (aos 3 anos, 73% [IQR, 60%-87 %]; HR, 0,32 [95% CI, 0,18-0,54]) em comparação com o ensaio CAO/ARO/AIO-94 (aos 3 anos, 30% [IQR, 22%-39%]) (ambos P < 0,001).
Seguramente diversos fatores estiveram envolvidos na significativa melhora da sobrevida global, desde o tratamento clinico-cirúrgico das recidivas locais e sistêmicas dos pacientes com câncer de reto, métodos de estadiamento mais sensíveis e avaliações multidisciplinares. Ainda que não seja possível identificar o fator individual responsável por este ganho, uma vez que nestes estudos analisados a sobrevida global não apresentou melhora e o desfecho nos pacientes com recidiva não fora avaliado.
Fica evidente pro leitor que ao longo dos anos houve um conjunto de mudanças que levaram ao incremento na sobrevida global dos pacientes com câncer de reto que recidivaram.
O intervalo entre o tratamento inicial e a recidiva foi semelhante entre os 3 estudos, assim como o padrão de recidiva. Dentre as recidivas, a maioria é sistêmica e ocorrem principalmente nos primeiros 18 meses. A metástase à distância foi a principal razão para a falha do tratamento ao longo de um acompanhamento de 5 anos (variação de 67% a 87%). Como esperado, o estágio ypTNM foi significativamente associado ao risco e ao intervalo de tempo até a falha do tratamento, onde pacientes com pN+ apresentaram maior risco e pacientes com resposta completa risco muito baixo. A melhoria na sobrevida global após falha do tratamento foi independente do sexo.
A ampla implementação do tratamento neoadjuvante ao longo dos anos, avanço da ressonância magnética como método preferencial para estadiamento local e a excisão total do mesorreto levou as taxas de recidivas locais para valores muito baixos. Contudo dentre as raras recidivas locais observadas, curiosamente a maioria delas ocorreram após 4 anos do tratamento inicial, sugerindo que o seguimento endoscópio não deve ser desprezado neste período tardio após o tratamento do câncer de reto.
Este estudo mostrou de forma clara que o ganho em sobrevida global após recidiva no câncer de reto tem sido observado ao longo dos anos. Ainda que o grande benfeitor deste ganho seja desconhecido (provavelmente resultante de uma combinação de fagores), estamos no caminhando no rumo certo para prolongar cada vez mais a vida destes pacientes mesmo no caso de recidiva da doença.
Referência: Diefenhardt M, Martin D, Fleischmann M, et al. Overall Survival After Treatment Failure Among Patients With Rectal Cancer. JAMA Netw Open. 2023;6(10):e2340256. doi:10.1001/jamanetworkopen.2023.40256