Onconews - Supressão androgênica de curto prazo e radioterapia no câncer de próstata de risco intermediário

bernardo salvajoli 2020 bxResultados de estudo randomizado da EORTC* lançam luz sobre uma importante questão clínica: a supressão androgênica (SA) de curto prazo e o aumento da dose de radioterapia para 74-78 Gy melhoram os resultados para pacientes com câncer de próstata localizado de risco intermediário na comparação com radioterapia isolada? “Estes são os dados mais robustos de um estudo randomizado com acompanhamento de longo prazo”, afirmam os autores, em artigo publicado 26 de julho no Journal of Clinical Oncology (JCO). "É um dos importantes estudos de Michel Bolla sobre o uso de deprivação androgênica (TDA) em câncer de próstata", destaca Bernardo Salvajoli (foto), médico especialista em Radioterapia do Instituto do Câncer do Estado de São Paulo (ICESP) e do Hospital do Coração (HCorOnco).

"Contextualizar um estudo de 20 anos atrás nos tempos atuais nem sempre é tão simples assim. Mas claramente sabemos do benefício do uso da TDA em câncer de próstata nos pacientes de risco intermediário e alto risco, recomendando seu uso em todos os guidelines vigentes atualmente", diz.

O ensaio (EORTC 22991) randomizou 819 pacientes para receber radioterapia de feixe externo (EBRT) com 74 ou 78 Gy ou EBRT + SA, de acordo com as diretrizes atuais. Dessa população, 481 cumpriram os critérios de risco intermediário (International Union Against Cancer TNM 1997 cT1b-c ou T2a com antígeno prostático específico (PSA) ≥ 10 ng / mL ou Gleason ≤ 7 e PSA ≤ 20 ng / mL, N0M0) e tinha EBRT planejado com 74 Gy (342 pacientes, 71,1%) ou 78 Gy (139 pacientes, 28,9%). Nesta análise, Michel Bolla e colegas relatam os principais endpoints do estudo: sobrevida livre de eventos (SLE), sobrevida livre de doença (SLD), sobrevida livre de metástases à distância (SLMD) e sobrevida global (SG) por intenção de tratar.

Resultados

Em um acompanhamento médio de 12,2 anos, 92 de 245 pacientes e 132 de 236 tiveram eventos de SLE no braço EBRT mais SA e EBRT, respectivamente, principalmente recidiva de PSA (48,7%) ou morte (45,1%). EBRT + SA melhorou SLE e SLD (razão de risco [HR] = 0,53; CI, 0,41 a 0,70; P <0,001 e HR = 0,67; CI, 0,49 a 0,90; P = 0,008). Aos 10 anos, SLMD foi de 79,3% (CI, 73,4 a 84,0) com EBRT + SA e 72,7% (CI, 66,2 a 78,2) com EBRT (HR = 0,74; CI, 0,53 a 1,02; P = 0,065). Com 140 mortes (EBRT mais SA: 64; EBRT: 76), SG em 10 anos foi de 80,0% (CI, 74,1 a 84,7) com EBRT + SA e 74,3% (CI, 67,8 a 79,7) com EBRT, mas sem diferença estatística significativa (HR = 0,74; CI, 0,53 a 1,04; P = 0,082).

Em conclusão, os dados do acompanhamento mediano de 12 anos mostram que seis meses de SA adjuvante e concomitante melhorou estatística e significativamente a sobrevida livre de eventos (recidiva bioquímica, recorrência clínica ou morte) e a sobrevida livre de doença em pacientes com carcinoma prostático de risco intermediário, tratado por irradiação com 74 ou 78 Gy. O benefício na sobrevida global e na sobrevida livre de metástases à distância não atingiu significância estatística.

Bernardo Salvajoli lembra que o estudo foi conduzido em 2001 e muitos avanços ocorreram desde então, incluindo melhorias na imagem (ressonância magnética e PET/CT), melhorias na radioterapia (IMRT, VMAT, campos pélvicos),  além da diferenciação entre o grupo de risco intermediário e do reconhecimento do benefício da TDA de longa duração (18 a 36m). "O que mudou de 2001 para cá foi o conhecimento de que pacientes de alto risco necessitam de tempos mais longos de TDA e que os pacientes de risco intermediário podem ser subdivididos em dois subgrupos, favorável e desfavorável. Com essa publicação Bolla e colegas conseguiram excluir os pacientes de alto risco e mostrar que o benefício de sobrevida livre eventos (EFS) e sobrevida livre de doença (DFS) se mantém significativamente positivo a longo prazo, e sem pacientes de alto risco poluindo a amostra", analisa Bernardo. "No entanto, não foi possível demonstrar ganho em sobrevida global e livre de metástases, apesar das curvas separarem graficamente a longo prazo", compara. "Outro ponto falho foi que não conseguiram estratificar o risco intermediário em favorável e desfavorável devido a critérios de inclusão da época, sendo que hoje existem fortes indícios de que o grupo favorável não se beneficie do uso da TDA", analisa.

Clinical Trial Information: NCT00021450

*European Organisation for Research and Treatment of Cancer

Referência: Short Androgen Suppression and Radiation Dose Escalation in Prostate Cancer: 12-Year Results of EORTC Trial 22991 in Patients With Localized Intermediate-Risk Disease – Michel Bolla et al - DOI: 10.1200/JCO.21.00855 Journal of Clinical Oncology - Published online July 26, 2021.