O estudo TACT2 investigou se epirrubicina acelerada melhora o tempo até a recorrência e se a capecitabina oral não é inferior à ciclofosfamida, metotrexato e fluorouracil (CMF) em termos de eficácia, com menor toxicidade. Os resultados não mostraram nenhum benefício para epirrubicina acelerada e capecitabina não foi inferior. Agora, subanálise de qualidade de vida (QV) publicada no Lancet Oncology mostra que nos grupos de epirrubicina acelerada e CMF mais pacientes tiveram deterioração clinicamente significativa de QV no final do tratamento em comparação com epirrubicina padrão e capecitabina. A oncologista Maria Del Pilar Estevez Diz (foto) analisa os resultados.
Neste ensaio multicêntrico, randomizado de fase 3 (TACT2), realizado em 129 centros do Reino Unido, foram inscritos participantes ≥18 anos com câncer de mama invasivo de alto risco, com linfonodo positivo ou negativo, submetidos à excisão completa e tratados com quimioterapia adjuvante.
Os pacientes elegíveis foram randomizados (1:1:1:1) para quatro ciclos de 100 mg/m2 de epirrubicina a cada 3 semanas (epirrubicina padrão) ou a cada 2 semanas com 6 mg de pegfilgrastim no dia 2 de cada ciclo (epirrubicina acelerada), seguido de quatro ciclos de 4 semanas de CMF (600 mg/m2 de ciclofosfamida por via intravenosa (iv) nos dias 1 e 8 ou 100 mg/m2 por via oral nos dias 1 a 14; 40 mg/m2 de metotrexato iv nos dias 1 e 8; e 600 mg/m2 fluorouracil iv nos dias 1 e 8 de cada ciclo) ou quatro ciclos de 3 semanas de 2.500 mg/m2 de capecitabina (1.250 mg/m2 duas vezes ao dia nos dias 1-14 de cada ciclo). A randomização foi estratificada por centro, número de nódulos envolvidos (nenhum vs 1–3 vs ≥4), idade (≤50 anos vs >50 anos) e tratamento endócrino planejado (sim vs não).
A qualidade de vida (QV) foi um dos endpoints secundários. Todos os pacientes de um subgrupo de 44 centros foram convidados a preencher questionários de QV, considerando inquéritos do Hospital Anxiety and Depression Scale (HADS) e do EORTC (QLQ-C30 e QLQ-BR23). Os questionários foram preenchidos no início do estudo, ao final do tratamento com epirrubicina padrão ou acelerada, ao final da CMF ou capecitabina e 12 e 24 meses após a randomização. A subanálise de QV pré-especificou dois resultados coprimários na população com intenção de tratar: QV geral e pontuação total da HADS. Os resultados secundários pré-especificados de QV foram subescalas EORTC QLQ-C30 de função física, funcional e fadiga, além das subescalas EORTC QLQ-BR23 de função sexual e efeitos colaterais da terapia sistêmica.
De 16 de dezembro de 2005 a 5 de dezembro de 2008, foram inscritos no TACT2 um total de 4.391 pacientes (20 [0,5%] dos quais eram do sexo masculino); 1.281 (85,8%) dos 1.493 pacientes elegíveis foram incluídos na subanálise de QV. Oito (0,6%) participantes da subanálise de QV eram do sexo masculino e 1.273 (99,4%) do sexo feminino. O seguimento mediano foi de 85,6 meses (IQR 80,6–95,9). A análise foi realizada no conjunto completo de dados de QV (em 15 de setembro de 2011) quando todos os participantes ultrapassaram o período de 24 meses. Os questionários pré-randomização foram preenchidos por 1.172 (91,5%) pacientes e 1.179 (92,0%) preencheram pelo menos um questionário pós-randomização.
Os resultados mostram que a pontuação de depressão HADS no final do tratamento (p=0,0048) e a pontuação de mudança total da HADS (p=0,0093) foram piores para CMF versus capecitabina. A epirrubicina acelerada levou a pior função física (p=0,0065), função funcional (p<0,0001), fadiga (p=0,0002) e efeitos colaterais sistêmicos (p=0,0001), mas não piorou a função sexual (p = 0,36), em comparação com a epirrubicina padrão durante o tratamento, mas o efeito não persistiu. Pior função física (p=0,0048), função sexual (p=0,0053), fadiga (p<0,0001) e efeitos colaterais sistêmicos (p<0,0001) foram observados para CMF versus capecitabina no final do tratamento. Essas diferenças persistiram em 12 meses e 24 meses.
“Esta análise mostrou que nos grupos de epirrubicina acelerada e CMF mais pacientes tiveram deterioração clinicamente significativa no final do tratamento em comparação com a epirrubicina padrão e a capecitabina, respectivamente”, descrevem os autores.
Em síntese, os pacientes tratados com epirrubicina acelerada relataram mais problemas em nove das 23 escalas de QV. A fadiga, os efeitos colaterais e as funções físicas, funcionais e sociais foram piores no final do tratamento no grupo de epirrubicina acelerada em comparação com a epirrubicina padrão. No entanto, esse efeito não durou e não foi detectável 12 meses após o início da quimioterapia. O tratamento com CMF foi associado a piores efeitos colaterais físicos do que a capecitabina e levou à deterioração do funcionamento físico, funcional e social (dez das 23 escalas de qualidade de vida mostraram piores pontuações neste grupo), que persistiram em 12 e 24 meses.
O sofrimento psicológico medido pela HADS foi diferente apenas no grupo CMF, onde o escore de depressão foi pior, independentemente do status menopausal. A mastectomia foi associada a maior ansiedade e pior função emocional do que a excisão local ampla, mas nenhum efeito na imagem corporal ou no funcionamento sexual foi detectado.
A íntegra do estudo está disponível em acesso aberto.
Este ensaio está registrado em ISRCTN, ISRCTN68068041 e ClinicalTrials.gov: NCT00301925.
Resultados relevantes para a tomada de decisão
Por Maria Del Pilar Estevez Diz, coordenadora da oncologia do ICESP e oncologista da Rede D’Or – Onco Star e Hospital São Luiz
Publicado em 2017, o estudo TACT2 investigou duas questões no tratamento adjuvante do câncer de mama: qual o papel da epirrubicina “acelerada”, ou seja, a cada duas semanas com suporte de fatores de crescimento, e qual o papel da capecitabina versus o tratamento padrão na época no Reino Unido, epirrubicina seguida de CMF. A toxicidade e qualidade de vida (QoL) foram desfechos secundários e a QoL foi medida por questionários da EORTC (que avaliam funções físicas, de desempenho, fadiga, e eventos adversos autorrelatados) e pela escala de depressão e ansiedade (HADS).
Não houve diferença estatisticamente significante do ponto de vista de sobrevida global ou sobrevida livre de progressão entre os grupos. As curvas, aliás, são absolutamente superpostas. Entretanto foram observadas diferenças do ponto de vista de qualidade de vida e toxicidade.
Os dados de qualidade de vida foram publicados de maneira detalhada recentemente1. Nesta análise, epirrubicina acelerada apresentou pior qualidade de vida durante o tratamento, mas sem diferença nas análises com 12 e 24 meses. Por outro lado, CMF apresentou pior qualidade de vida do que a capecitabina, que persistiu nas análises de 24 meses. Essas diferenças foram encontradas tanto nos escores de qualidade de vida global quanto na HADS.
Este estudo mostra que, apesar de haver deterioração da QoL com o esquema “acelerado” (ou dose-densa), este é um efeito temporário, apenas durante o tratamento. Esta informação pode ser relevante na discussão com as pacientes para a tomada de decisão. Além disso, CMF está associado a pior QoL do que a capecitabina, com diferenças que persistem por até 24 meses. Esses efeitos prolongados devem desestimular o uso de CMF adjuvante. O perfil favorável da capecitabina favorece seu uso adjuvante em pacientes com câncer de mama triplo negativo e doença residual.
Referência: Velikova G, et al. Accelerated versus standard epirubicin followed by cyclophosphamide, methotrexate, and fluorouracil or capecitabine as adjuvant therapy for breast cancer (UK TACT2; CRUK/05/19): quality of life results from a multicentre, phase 3, open-label, randomized, controlled trial. The Lancet Oncology. Published November 02, 2023. DOI: https://doi.org/10.1016/S1470-2045(23)00460-6