Quais são os resultados a longo prazo para as mulheres que recebem um resultado de mamografia falso-positivo? Em uma coorte populacional sueca, as mulheres com resultado falso-positivo tiveram maior incidência e mortalidade por câncer de mama por até 20 anos, como relatam Mao et al., em artigo no Jama Oncology. “Fica, no mínimo, a mensagem de que se deve redobrar o cuidado frente à interpretação de mamografias de mulheres já submetidas a biópsia, independentemente do resultado”, diz a mastologista Simone Elias (foto).
Resultados falso-positivos em mamografias são comuns, mas os reflexos a longo prazo permanecem pouco claros. Aqui, os pesquisadores buscaram examinar dados de longo prazo de um resultado de mamografia falso-positivo e investigar se a associação desse achado mamográfico difere de acordo com as características iniciais da paciente, as características do tumor e o tempo desde o resultado falso-positivo.
Neste estudo de coorte pareado com base na população sueca foram incluídas 45.213 mulheres que receberam um primeiro resultado falso-positivo em mamografia entre 1991 e 2017, e 452.130 controles pareados por idade, ano da mamografia e histórico de triagem (sem resultado falso-positivo anterior). O estudo também incluiu 1.113 mulheres com resultado falso-positivo e 11.130 controles pareados com informações sobre a densidade mamográfica mamária no Projeto de Mamografia Karolinska para Previsão de Risco de Câncer de Mama. A análise estatística foi realizada de abril de 2022 a fevereiro de 2023.
A coorte do estudo incluiu 497.343 mulheres (idade mediana, 52 anos [IQR, 42-59 anos]). A incidência cumulativa de câncer de mama em 20 anos foi de 11,3% (IC 95%, 10,7%-11,9%) entre as mulheres com resultado falso-positivo, em comparação com 7,3% (IC 95%, 7,2%-7,5%) entre aquelas sem resultado falso-positivo, com uma razão de risco ajustada (HR) de 1,61 (IC 95%, 1,54-1,68).
As HRs foram mais altas entre as mulheres com idade de 60 a 75 anos na época do exame (HR, 2,02; IC 95%, 1,80-2,26) e aquelas com menor densidade mamográfica mamária (HR, 4,65; IC 95%, 2,61-8,29). Além disso, o risco de câncer de mama foi maior para as mulheres que passaram por biópsia no acompanhamento (HR, 1,77; IC 95%, 1,63-1,92) do que para aquelas sem biópsia (HR, 1,51; IC 95%, 1,43-1,60).
Os resultados também revelam que os casos de câncer de mama após um achado mamográfico falso-positivo foram mais detectados no lado ipsilateral ao resultado falso-positivo (HR, 1,92; IC 95%, 1,81-2,04) e foram mais comuns nos primeiros 4 anos de acompanhamento (HR, 2,57; IC 95%, 2,33-2,85) e nos primeiros 2 anos (HR, 1,93; IC 95%, 1,76-2,12 em >2 a 4 anos). A análise não encontrou variação estatística em relação às diferentes características do tumor (exceto para tamanho do tumor maior).
Os autores descrevem, ainda, que além do risco de câncer de mama associado, as mulheres com resultado falso-positivo tiveram uma taxa de morte por câncer de mama 84% maior do que aquelas sem (HR, 1,84; IC 95%, 1,57-2,15).
Em conclusão, neste estudo baseado na população da Suécia, as mulheres com resultado de mamografia falso-positivo tiveram incidência aumentada de câncer de mama e mortalidade por até 20 anos. O risco aumentado de câncer de mama variou de acordo com a idade, densidade mamográfica da mama e biópsia realizada ou não durante o acompanhamento. Além disso, o risco de câncer de mama foi mais pronunciado nos primeiros anos após o resultado falso-positivo da mamografia.
“Este estudo sugere que a conscientização sobre o câncer de mama deve ser enfatizada a longo prazo para as mulheres com um resultado de mamografia falso-positivo, indicando que programas personalizados de vigilância podem ser benéficos para essas mulheres”, analisam os autores.
Programas de triagem de mamografia estão associados a uma redução na mortalidade por câncer de mama de mais de 20%. Nos Estados Unidos, aproximadamente 11% das mulheres recebem um resultado falso-positivo de uma única triagem, enquanto na Europa, a proporção é de aproximadamente 2,5%.
A mastologista Simone Elias, pós doutora em Radiologia Clínica e professora orientadora do Programa de Pós-graduação da Escola Paulista de Medicina da UNIFESP, destaca os principais aspectos do estudo. “Com uma população total robusta e grupo controle com tamanho 10 x maior que o grupo caso, esse artigo analisou o risco de câncer de mama após um resultado falso-positivo em mamografia. Outros fatores considerados foram a densidade mamográfica e a idade”, diz ela.
Simone destaca, ainda, que o estudo observou maior incidência acumulada para câncer de mama em 20 anos nas mulheres submetidas a biópsia por resultado falso-positivo anterior; nas mulheres entre 60 e 75 anos no momento do exame falso-positivo e naquelas com menor densidade mamográfica. O câncer foi mais frequente no lado onde ocorreu o resultado falso-positivo anterior e nos primeiros 4 anos após a biópsia, sem diferenças entre as características dos tumores (exceto tamanho), com mortalidade maior no grupo caso.
” Já é sabido que o histórico de biópsia aumenta per se o risco de câncer de mama (haja vista esse critério estar presente em modelos matemáticos de risco). É desejável maior atenção na interpretação das mamografias destas mulheres que foram submetidas a biópsia anteriormente, especialmente nos primeiros anos, quando pode-se surpreender um falso-negativo da biópsia mamária realizada”, destaca a especialista, para quem outros fatores intrínsecos devem ter colaborado para os resultados descritos.
Referência: Mao X, He W, Humphreys K, et al. Breast Cancer Incidence After a False-Positive Mammography Result. JAMA Oncol. Published online November 02, 2023. doi:10.1001/jamaoncol.2023.4519