Alessandra Borba de Souza (foto) é primeira autora de estudo que destaca lacunas críticas para a realização de testes genéticos de linha germinativa para câncer de mama (CM) no Brasil. Com dados de mundo real do estudo AMAZONA III - a maior coorte brasileira multicêntrica e prospectiva de CM - o trabalho mostra que esses testes são subutilizados, com sérias implicações para o gerenciamento do tratamento e acesso ao aconselhamento genético nos sistemas de saúde públicos e privados.
O câncer de mama é a principal causa de morte relacionada ao câncer em mulheres no mundo todo, com mais de dois milhões de novos casos anualmente. Cerca de 5% a 10% de todos os casos de CM estão associados ao risco hereditário. Identificar essa pequena proporção de pacientes com CM hereditário usando teste genético de linha germinativa (GGT) é fundamental, pois afeta as decisões sobre o gerenciamento do tratamento. No entanto, qual a porcentagem de pacientes com CM submetidas a teste genético de linha germinativa em um país de renda média e quais fatores representam barreiras para sua realização?
Neste estudo, Souza et al. analisaram dados do mundo real de 2.974 pacientes recém-diagnosticados com CM do estudo AMAZONA III. As taxas de GGT foram determinadas para toda a coorte e para o grupo de CM hereditário de alto risco (HR), de acordo com critérios da National Comprehensive Cancer Network, entre 2019 e 2020. Barreiras para a realização do GGT associadas às características do paciente e aos sistemas de saúde foram identificadas usando o modelo de regressão de Poisson multivariável. Valores de P < 0,05 foram considerados significativos.
Os resultados mostram que 1.476 (49%) de 2.974 pacientes com CM na coorte avaliada foram classificados como de alto risco para CM hereditário e atenderam aos critérios da National Comprehensive Cancer Network para GGT. No entanto, os autores descrevem que 97% das pacientes desse grupo atendidas no sistema público de saúde e 56% daquelas atendidas no setor privado não receberam GGT. O aconselhamento genético foi recomendado para 521 pacientes (35% de HR) e apenas 9% da coorte total foi submetida a GGT. Dos testados, 50 (17%) apresentavam variante patogênica da linha germinativa ou provavelmente patogênica.
Idade, educação, ocupação, renda mensal, disponibilidade de aconselhamento genético no local e tratamento em um centro de ensino foram fatores associados à realização de GGT (P < 0,05).
“Apenas 9% desta robusta coorte brasileira de CM foi submetida a GGT, destacando uma lacuna considerável da recomendação atual de testar todos os pacientes com CM com menos de 65 anos. A GGT é subutilizada por pacientes com HR nos sistemas de saúde públicos e privados”, analisam os autores, sublinhando a importância de intervenções educacionais e de maior acesso à GGT. “Priorizar a GGT é fundamental para melhorar os resultados do CM em países de baixa e média renda”, destacam.
Além de Alessandra Borba Anton de Souza, pesquisadora da Pontifícia Universidade Católica do Rio Grande do Sul (PUCRS), o trabalho tem a participação de Carlos Barrios (LACOG/GBECAM e Grupo Oncoclínicas), Rafaela Gomes de Jesus (LACOG), Tomas Reinert (Centro de Pesquisa da Serra Gaúcha - CEPESG), Juliana Giacomazzi (LACOG), Daniela Rosa (Hospital Moinhos de Vento), Eduardo Cronemberger (Centro Regional Integrado de Oncologia - CRIO), Gustavo Werutsky (LACOG, Hospital Moinhos de Vento e PUCRS), José Bines (Instituto Nacional do Câncer – INCA), Geraldo Silva Queiroz (Hospital Araújo Jorge), Vladmir Cordeiro de Lima (A.C. Camargo Cancer Center), Ruffo de Freitas Junior (Universidade Federal de Goiás), José d'Oliveira Couto Filho (Hospital de Câncer de Londrina), Karla Emerenciano (Liga Norte Riograndense), Heloisa Resende (Hospital Jardim Amalia), Susanne Crocamo (Oncoclínicas Rio de Janeiro), Brigitte Van Eyll (Instituto de Câncer Dr. Arnaldo), Yeni Neron (Centro de Pesquisas Oncológicas), Vanessa Dybal (Clínica AMO e Fiocruz Bahia—Instituto Gonçalo Moniz), Nicolas Silva Lazaretti (Centro Integrado de Terapia Onco-Hematológica), Rita de Cassia Costamilan (Universidade de Caxias do Sul), Diocesio Alves Pinto de Andrade (Oncoclínicas e Centro de Oncologia de Ribeirão Preto), Clarissa Mathias (Oncoclínicas Bahia), Giovana Zerwes Vacaro (Hospital São Vicente de Paulo), Giuliano Borges (Clinica de Neoplasia Litoral), Alessandra Menezes Morelle (Oncoclínicas), Carlos Alberto Sampaio Filho (Clínica AMO), Max Mano (Hospital Israelita Albert Einstein), Martina Lichtenfels (PUCRS), Sergio Simon (Grupo Oncoclínicas) e Andre Fay (PUCRS).
A íntegra do estudo está disponível no JCO Global Oncology em acesso aberto.
Referência:
Alessandra Borba Anton de Souza et al., Germline Genetic Testing in Breast Cancer: Utilization and Disparities in a Middle-Income Country. JCO Glob Oncol 11, e2400337(2025). DOI:10.1200/GO-24-00337