RIAD NET OKResultados de Kooshesh et al. publicados em agosto no New England Journal of Medicine mostram que em uma coorte de mais de mil pacientes do Massachusetts General Hospital submetidos à timectomia, o risco de câncer 5 anos após a cirurgia foi significativamente maior em relação aos controles, assim como aumentou o risco de morte na coorte avaliada. O cirurgião torácico Riad Younes (foto) analisa os resultados.

A função do timo em humanos adultos não é clara e a remoção rotineira do timo é realizada em uma variedade de procedimentos cirúrgicos. “Nossa hipótese é que o timo adulto é necessário para sustentar a competência imunológica e a saúde geral”, descrevem os autores.

Os pesquisadores avaliaram o risco de morte, câncer e doença autoimune entre pacientes adultos submetidos à timectomia em comparação com controles demograficamente pareados submetidos à cirurgia cardiotorácica semelhante sem timectomia. A produção de células T e os níveis plasmáticos de citocinas também foram comparados em um subgrupo de pacientes.

Após exclusões, 1.420 pacientes submetidos à timectomia e 6.021 controles foram incluídos no estudo; 1.146 dos pacientes submetidos à timectomia tiveram um controle pareado e foram incluídos na coorte primária. Cinco anos após a cirurgia, Kooshesh et al. destacam que a mortalidade por todas as causas foi maior no grupo de timectomia do que no grupo controle (8,1% vs. 2,8%; risco relativo, 2,9; intervalo de confiança [IC] de 95%, 1,7 a 4,8), assim como o risco de câncer (7,4% vs. 3,7%; risco relativo, 2,0; IC 95%, 1,3 a 3,2). Embora o risco de doença autoimune não tenha diferido substancialmente entre os grupos na coorte primária geral (risco relativo, 1,1; IC 95%, 0,8 a 1,4), os pesquisadores identificaram uma diferença quando pacientes com infecção pré-operatória, câncer ou doença autoimune foram excluídos da análise (12,3% vs. 7,9%; risco relativo, 1,5; IC 95%, 1,02 a 2,2).

Em uma análise envolvendo todos os pacientes com mais de 5 anos de acompanhamento (com ou sem um controle pareado), a mortalidade por todas as causas foi maior no grupo de timectomia do que na população geral dos EUA (9,0% vs. 5,2%), assim como a mortalidade por câncer (2,3% vs. 1,5%). No subgrupo de pacientes em que a produção de células T e os níveis de citocinas plasmáticas foram medidos (22 no grupo timectomia e 19 no grupo controle; seguimento mediano de 14,2 anos pós-operatórios), aqueles que se submeteram à timectomia tiveram menos produção nova de linfócitos CD4+ e CD8+ do que os controles (contagem média do círculo de excisão do receptor de células T da articulação de sinal CD4+ [sjTREC], 1451 vs. 526 por micrograma de DNA [P = 0,009]; contagem média de CD8+ sjTREC, 1466 vs. 447 por micrograma de DNA [ P<0,001]) e níveis mais elevados de citocinas pró-inflamatórias no sangue.

“Neste estudo, a mortalidade por todas as causas e o risco de câncer foram maiores entre os pacientes submetidos à timectomia do que entre os controles. A timectomia também pareceu estar associada a um risco aumentado de doença autoimune quando pacientes com infecção pré-operatória, câncer ou doença autoimune foram excluídos da análise”, concluem os autores.

Timo não é supérfluo em adultos: Sinalização de um estudo observacional

Por Riad Younes

Fatos a respeito do timo:

1.Timo é um órgão fundamental no desenvolvimento do sistema imune. Crianças submetidas a timectomia apresentam déficit na produção de células T e na resposta imune.

2.O timo começa a se atrofiar durante a puberdade, ficando signficativamente reduzido de tamanho na vida adulta

3.O papel real do timo em adultos não está claro

Um estudo retrospectivo observacional recentemente publicado na revista New England Journal of Medicine avaliou o impacto de timectomia estratégica (retirada do timo sem doença conhecida, durante um procedimento torácico não relacionado, para a abordagem técnica cardiotorácica. Isso se deve à localização anatômica do timo no mediastino anterior) no risco de mortalidade por câncer, e na incidência de doenças autoimunes. Os autores avaliaram a associação de timectomia com mortalidade em geral, mortalidade por câncer e aparecimento de doenças autoimunes durante a evolução pós-ressecção, além de avaliação da produção de linfócitos T no sangue periférico. Compararam 1146 pacientes submetidos a timectomia com um grupo cirúrgico comparável (1146) com timo preservado, entre 1993 e 2020. Os resultados do estudo mostraram uma correlação significativa da timectomia com aumento de risco de doenças subsequentes:

  • Paciente com timectomia apresentaram risco mais que dobrado de morrer de qualquer causa (8,1% vs. 2,8%, RR 2,9, IC 95% 1,7-4,8), assim como por câncer (7,4% vs. 3,7, RR 2,0, IC 95% 1,3-3,2), cinco anos após a cirurgia
  • Doenças autoimunes foram significativamente mais frequentes no grupo submetido a timectomia (12,3% vs. 7,9%, RR 1,5, IC 95% 1,02-2,2)

Os autores concluíram que timectomia, sem indicação patológica clara do órgão, deve ser evitada em adultos, pela clara associação com riscos significativos de desenvolvimento de doenças graves e de mortalidade.

O estudo é um marco na cirurgia cardiotrácica, pois aponta claramente que o timo não é um órgão supérfluo, dispensável, que poderia ser sacrificado sem pensar duas vezes para facilitar um acesso cirúrgico. Mas ele apresenta algumas limitações:

  • Estudo retrospectivo observacional
  • Período muito longo de inclusão dos pacientes (19 anos)
  • Não houve avaliação prévia da produção de linfócitos T antes e depois da timectomia
  • As amostras sanguíneas foram colhidas em 41 pacientes no total (somente em 1,8% de todos os pacientes incluídos!), sem menção clara do intervalo entre a timectomia e a data da coleta
  • Não há menção na metodologia e nos resultados às características dos pacientes incluídos nos dois grupos em relação à causa da cirurgia que resultou na timectomia, ou ao risco inerente pré-operatório de desenvolver câncer: Seria possível que no grupo submetido à timectomia o acaso tenha alocado um número maior de fumantes crônicos, obesos etc, sabidamente predispostos a morte mais frequente e mais precoce por câncer?
  • Não há na metodologia menção referente à extensão da timectomia (se foi radical ou parcial), já que é sabida a persistência de focos de tecido tímico na gordura mediastinal anterior, separados da glândula tímica

Apesar destas limitações, os resultados deste estudo nos levam a reconsiderar as decisões de ressecção estratégica do timo, além de repensarmos o seguimento destes pacientes submetidos a timectomias para eventuais aparecimentos de doenças graves, como câncer e doenças autoimunes, muitos anos após o procedimento.

Referência: Kooshesh KA, Foy BH, Sykes DB, Gustafsson K, Scadden DT. Health Consequences of Thymus Removal in Adults. N Engl J Med. 2023 Aug 3;389(5):406-417. doi: 10.1056/NEJMoa2302892. PMID: 37530823.