O cirurgião oncológico Glauco Baiocchi (foto), diretor do Departamento de Ginecologia Oncológica do A.C.Camargo Cancer Center, é primeiro autor de estudo que buscou avaliar os resultados de curto prazo de pacientes submetidas à transposição uterina após traquelectomia para câncer cervical ou antes da quimiorradiação para câncer vaginal. Os resultados foram publicados no International Journal of Gynecological Cancer.
“A técnica inédita foi descrita pelo cirurgião brasileiro Reitan Ribeiro em uma paciente com câncer de reto que necessitava de radioterapia. Após sua apresentação no congresso da SGO em 2017 e publicação, surgiu a possibilidade de ser usada em outros tumores, incluindo câncer ginecológico”, destaca Baiocchi. “O estudo atual traz o relato brasileiro multicêntrico (maior número de casos de câncer ginecológico) e sugere a viabilidade e reprodutibilidade da técnica. As pacientes serão acompanhadas a longo prazo e há um estudo clínico aberto e liderado pelo Reitan sobre o tema”, acrescenta.
A transposição uterina surgiu como uma alternativa para preservação da fertilidade em mulheres com neoplasias pélvicas que necessitam de radioterapia. Nesse estudo, os pesquisadores avaliaram retrospectivamente pacientes com câncer cervical em estágio inicial após traquelectomia radical ou com câncer vaginal com indicação de radiação pélvica que tiveram a transposição uterina realizada como estratégia de preservação da fertilidade.
Foram incluídas quatro pacientes com câncer cervical e uma paciente com câncer vaginal. A idade média foi de 32 anos (variação de 28-38), e todas apresentavam carcinomas de células escamosas. As pacientes com câncer cervical foram submetidas a traquelectomias radicais com dissecção do linfonodo sentinela (SLN), e duas delas também realizaram linfadenectomias pélvicas. A indicação de radioterapia adjuvante considerou os critérios de Sedlis em duas pacientes, e metástase linfonodal nas outras duas pacientes. Para a paciente com câncer vaginal em estádio IIB foi recomendada quimiorradiação primária.
Todas as pacientes foram submetidas à transposição uterina antes da radioterapia, com mediana de 90 minutos de tempo de cirurgia (intervalo 80-205). Não ocorreram complicações precoces (30 dias a partir da cirurgia). O tempo médio desde a transposição uterina até o início da radioterapia foi de 16 dias (10-28).
Após a radiação, o útero, ovários e trompas foram reposicionados, e o colo residual suturado à vagina. Uma paciente recusou o reimplante uterino após a radiação e foi submetida a uma histerectomia.
Após um acompanhamento médio de 25 meses (variação de 1-30), todos as pacientes estavam sem evidência de doença. Todas as pacientes com útero preservado apresentam menstruação normal após o tratamento, e uma delas tentou engravidar com técnicas de fertilização in vitro, sem sucesso.
“A transposição uterina pode ser uma opção em pacientes selecionadas com câncer cervical e vaginal que desejam preservar a fertilidade. No entanto, são necessários novos estudos investigando a segurança oncológica e resultados obstétricos”, concluíram os autores.
Referência: Baiocchi G, Vieira M, Moretti-Marques R, Mantoan H, Faloppa C, Damasceno RCF, Paula SOC, Tsunoda AT, Ribeiro R. Uterine transposition for gynecological cancers. Int J Gynecol Cancer. 2021 Mar;31(3):442-446. doi: 10.1136/ijgc-2020-001780. PMID: 33649011.