Existe associação entre o tratamento neoadjuvante com quimioterapia seguida de quimiorradioterapia com taxas de ressecção de margem negativa (R0) no adenocarcinoma ductal pancreático borderline-ressecável? Estudo publicado no JAMA Oncology buscou responder essa pergunta e demonstrou que o FOLFIRINOX pré-operatório seguido de quimioradioterapia com fluoropirimidina no câncer de pâncreas borderline ressecável resulta em altas taxas de ressecção R0 e mediana de sobrevida livre de progressão e sobrevida global prolongadas. A oncologista Rachel Riechelmann (foto), Diretora de Pesquisa do Grupo Brasileiro de Tumores Gastrointestinais (GTG) e Diretora do Departamento de Oncologia do A.C. Camargo Cancer Center, comenta os achados.
Pacientes com adenocarcinoma ductal pancreático borderline ressecável têm prognóstico reservado, com resultados modestos com cirurgia seguida de quimioterapia adjuvante, o que justifica a avaliação de uma abordagem intensificada de terapia neoadjuvante.
O ensaio clínico de fase II, braço único, foi conduzido entre 03 de agosto de 2012 a 31 de agosto de 2016 em um grande hospital acadêmico com experiência em cirurgia pancreática. Foram selecionados 48 pacientes com diagnóstico recente de câncer de pâncreas borderline ressecável, não tratados previamente, que apresentavam performance status ECOG 0 ou 1 e função hematológica, renal e hepática adequadas.
O objetivo foi avaliar a taxa de ressecção R0 após a terapia neoadjuvante de FOLFIRINOX (fluorouracil, irinotecane e oxaliplatina) x 8 ciclos seguidos de quimiorradioterapia. A mediana de acompanhamento para a análise foi de 18 meses entre os 30 pacientes ainda vivos no final do estudo. Após o reestadiamento pós FOLFIRINOX, os pacientes com resolução do envolvimento vascular receberam quimiorradioterapia de curta duração (5 Gy x 5 com prótons) com capecitabina. Pacientes com envolvimento vascular persistente receberam quimiorradioterapia de longa duração com fluorouracil ou capecitabina.
Resultados
O endpoint primário foi a taxa de ressecção R0; endpoints secundários incluíram mediana de sobrevida livre de progressão (SLP) e sobrevida global (SG). Entre os 48 pacientes elegíveis, 27 eram homens e 21 mulheres, com mediana de idade de 62 anos (46 a 74 anos). Dos 43 pacientes que planejaram receber 8 ciclos pré-operatórios de quimioterapia, 34 (79%) conseguiram completar todos os ciclos. Vinte e sete pacientes (56%) receberam quimioradioterapia de curta duração, enquanto 17 pacientes (35%) foram submetidos a quimiorradioterapia de longa duração. A ressecção R0 foi obtida em 31 dos 48 pacientes elegíveis (65%; 95% IC, 49% -78%).
Entre os 32 pacientes submetidos à ressecção, a taxa de ressecção R0 foi de 97% (n = 31). A mediana de sobrevida livre de progressão entre todos os pacientes elegíveis foi de 14,7 meses (95% IC, 10,5 a não atingido), com SLP em 2 anos de 43%. A mediana de sobrevida global foi de 37,7 meses (95% IC, 19,4% a não atingido), com SG em 2 anos de 56%.
Entre os pacientes que foram submetidos à ressecção, a mediana de SLP foi 48,6 meses (95%, IC 14,4 a não alcançada), e a mediana de SG não foi alcançada, com sobrevida livre de progressão em 2 anos de 55% e sobrevida global em 2 anos de 72%.
Em conclusão, o estudo demonstrou que FOLFIRINOX pré-operatório seguido de quimioradioterapia no câncer de pâncreas borderline ressecável resultou em altas taxas de ressecção R0 e mediana de sobrevida livre de progressão e sobrevida global prolongadas, apoiando os estudos de fase 3 em andamento.
Avanços no tratamento do adenocarcinoma ductal de pâncreas
Por Rachel Riechelmann
É com muita alegria que vemos, após décadas, avanços no tratamento do adenocarcinoma ductal de pâncreas. O estudo de neoadjuvância reforça os dados de que FOLFIRINOX é um regime ativo no cenário perioperatório do câncer de pâncreas. O recente estudo PRODIGE-24, fase III de FOLFIRINOX adjuvante vs gemcitabina, demonstrou SG mediana 54 meses e SLP mediana de 21.6 meses a favor do braço do FOLFIRINOX. Em comparação indireta, o resultado de SLP mediana de 48 meses para os pacientes operados pós-neoadjuvância supera muito os dados históricos com SG mediana medida em poucos meses e parecem ser melhores que o do PRODIGE-24; no entanto, deve-se ter cuidado em interpretar esses dados porque o viés de seleção tende a superestimar os resultados de estudos de fase II.
A pergunta que fica é se FOLFIRINOX deve ser feito antes ou após a cirurgia. Em analogia a outros tumores sólidos, como por exemplo, câncer de reto, o tratamento neoadjuvante oferece a mesma eficácia que o adjuvante, mas com melhor tolerabilidade. Portanto, é esperado que isso se aplique a FOLFIRINOX em câncer de pâncreas, especialmente porque a cirurgia oncológica de um tumor pancreático é a gastroduedenopancreatectomia.
Na prática, a maioria dos pacientes com câncer de pâncreas se apresenta com doença mais avançada, onde a estratégia neoadjuvante deve ser favorecida. Já para pacientes com doença claramente ressecável upfront e em boas condições clínicas, a cirurgia seguida de adjuvância com FOLFIRINOX deve ser discutida. Porém, também considero que a estratégia neoadjuvante possa ser considerada em doença ressecável, principalmente porque cirurgias R1, nestes casos, podem ocorrer em até 70% dos casos. No AC Camargo Cancer Center, a conduta neoadjuvante tem sido adotada na maioria dos casos de câncer de pâncreas localizado.
Um ponto que influencia a generalização dos resultados do estudo de neoadjuvância é o uso de radioterapia com prótons, não disponível no Brasil - esta técnica oferece maior proteção ao tecido sadio ao redor do tumor. O estudo fase II randomizado Alliance for Clinical Oncology Trial A021501 (NCT NCT02839343) avaliará se a adição de radioterapia estereotáxica 33-40Gys em 5 frações aumenta a taxa de sobrevida global em 18 meses e também trará mais dados sobre a neoadjuvância com FOLFIRINOX no câncer de pâncreas.
O estudo está registrado em ClinicalTrials.gov, NCT01591733.
Referência: Total Neoadjuvant Therapy With FOLFIRINOX Followed by Individualized Chemoradiotherapy for Borderline Resectable Pancreatic Adenocarcinoma: A Phase 2 Clinical Trial - JAMA Oncol. 2018;4(7):963-969. doi:10.1001/jamaoncol.2018.0329