Uma questão central em oncologia refere-se ao momento ideal para iniciar o tratamento em pacientes assintomáticos com um fenótipo maligno. No mieloma múltiplo indolente (smouldering), um trabalho publicado no dia 8 de julho no Lancet Oncology mostrou que pacientes assintomáticos com doença latente de alto risco podem se beneficiar de estratégias precoces de tratamento. O hematologista Ângelo Maiolino (foto) comenta o estudo.
“É um estudo publicado em 2013 no New England Journal of Medicine e que agora traz resultados de uma avaliação prolongada, com 5 anos de seguimento, confirmando o benefício do tratamento ativo nesse subgrupo de alto risco, ainda que os critérios empregados na seleção desses pacientes sejam discutíveis, porque não há consenso entre diferentes grupos de pesquisa”, explica o hematologista Ângelo Maiolino, do Hospital Universitário Clementino Fraga Filho (UFRJ), uma das grandes autoridades brasileiras em mieloma múltiplo.
Liderado por María Victoria Mateo e colegas, o estudo aberto, randomizado, de fase 3, foi realizado em 19 centros na Espanha e três em Portugal. Os pacientes foram estratificados por tempo de diagnóstico de mieloma múltiplo latente (≤6 meses vs> 6 meses). Entre 08 de novembro de 2007 e 9 de junho de 2010, 119 pacientes foram randomizados (1:1) para receber lenalidomida + dexametasona (n = 57) ou observação (n = 62). Os pacientes no grupo de tratamento receberam nove ciclos de 4 semanas de indução (lenalidomida 25 mg/dia nos dias 1-21, mais dexametasona 20 mg/dia nos dias 1-4 e 12-15), seguidos de terapia de manutenção (lenalidomida 10mg/ dia nos dias 1-21 de cada ciclo de 28 dias) até 2 anos.
Após um seguimento médio de 75 meses (IQR 67-85), o braço tratado com a combinação de lenalidomida + dexametasona continuou a obter benefício clínico no tempo para a progressão em comparação com o braço de observação (não alcançou vs 23 meses [16-31]; hazard ratio [HR] 0 · 24 [ IC 95% 0 · 14-0 · 41]; p <0 · 0001).
A progressão para o mieloma múltiplo ocorreu em 53 (86%) dos 62 pacientes no grupo de observação em comparação com 22 (39%) dos 57 pacientes no grupo de tratamento. No corte de dados, dez (18%) pacientes morreram no grupo de tratamento e 22 (36%) pacientes morreram no grupo de observação; o ganho de sobrevida global não foi alcançado em ambos os grupos.
A sobrevida em pacientes que receberam tratamentos subsequentes no momento da progressão para a doença ativa não diferiu entre os grupos (HR 1·34 [IC 95% 0·54 - 3·30]; p = 0·50). Os eventos adversos grau 3 mais relatados em pacientes que receberam lenalidomida + dexametasona foram infecção (quatro [6%]), astenia (quatro [6%]), neutropenia (três [5%]) e erupção cutânea (dois [3%]. Todos os eventos ocorreram durante a terapia de indução. Nenhum evento adverso grau 4 foi reportado.
A frequência de segundas neoplasias primárias foi maior nos pacientes no grupo de tratamento do que naqueles no grupo de observação (seis [10%] de 62 pacientes contra uma [2%] de 63 pacientes), mas o risco cumulativo não diferiu significativamente entre os grupos (p = 0·070).
“É um estudo importante, mas é uma estratégia restrita ao cenário de pesquisa clínica”, adverte Maiolino. “É claro que também no mieloma múltiplo existe a preocupação com o overtreatment, mas reconhecer que um subgrupo de alto risco pode se beneficiar do tratamento mais precoce pode ajudar a refinar a seleção de pacientes”, avalia o especialista.
Atualmente, novos estudos avaliam intervenções em mieloma múltiplo smouldering para pacientes de alto risco, com diferentes estratégias terapêuticas.
ClinicalTrials.gov, número NCT00480363.
Referência: Lenalidomide plus dexamethasone versus observation in patients with high-risk smouldering multiple myeloma (QuiRedex): long-term follow-up a randomised, controlled, phase 3 trial - DOI: http://dx.doi.org/10.1016/S1470-2045(16)30124-3