Onconews - Tumores ginecológicos na SBOC 2017

EVA ANGELICA NET OKA oncologista Angélica Nogueira-Rodrigues (foto), do Grupo Brasileiro de Tumores Ginecológicos (EVA/GBTG), comenta o programa científico da oncoginecologia durante a I Semana Brasileira de Oncologia. Entre os destaques, o cenário do câncer ginecológico no Brasil, em análise que considerou quase 200 mil pacientes atendidas de 2000 a 2015 e mostrou que a aplicação da Lei dos 60 dias ainda não é uma realidade no País. Estudos de revisão também estiveram na agenda, com trabalhos que impactam a prática da oncoginecologia. Leia mais.

 

A I Semana de Oncologia foi palco de intensa atividade na oncoginecologia, iniciada com reunião administrativa do EVA, Grupo Brasileiro de Tumores Ginecológicos, e curso pré-congresso de cirurgia com procedimentos ao vivo e participação de profissionais do Memorial Sloan Kettering e MD Anderson.

A realidade do Brasil também esteve em foco e o panorama do câncer ginecológico no país foi apresentado. Conforme análise retrospectiva de 193.000 casos de pacientes tratadas com câncer ginecológico entre 2.000 e 2.015, mais da metade das pacientes apresenta-se ao diagnóstico com doença em estágio localmente avançado ou avançado e mais de 50%, exceto aquelas com diagnóstico de carcinoma epitelial de ovário (CEO), começam seu primeiro tratamento mais de 60 dias após o diagnóstico, não se atingindo o mínimo exigido por lei (Paulino and Nogueira-Rodrigues, SGO 2017). Em relação à cobertura vacinal anti-HPV, foi apresentado o alerta da SBOC/OMS/GCI-Harvard que traz o risco da má adesão ao programa repetir a história do Papanicolau: uma estratégia muito eficaz que, subutilizada, não atingiu seu potencial. De 2014, ano inaugural da vacinação no Brasil, para 2015, houve redução na adesão à primeira dose de aproximadamente 25% da população alvo (Nogueira-Rodrigues et al, Cancer 2017).

O conteúdo científico do evento também cobriu os principais trabalhos da ASCO e ESMO 2017, comentados a seguir.

Em CEO, o estudo ICON8 apresentado na ESMO 2017 revelou resultados que corroboram o padrão de paclitaxel a cada três semanas no tratamento de primeira linha em mulheres ocidentais. O ICON8 randomizou 1566 pacientes predominantemente europeias para receber seis ciclos do regime de dose padrão a cada três semanas (carboplatina AUC 5/6-paclitaxel 175 mg/m2, braço 1), em comparação com dois regimes diferentes, que incluíram paclitaxel dose densa semanal (carboplatina AUC 5/6 + paclitaxel 80 mg/m2 semanalmente, braço 2 e carboplatina AUC2 + paclitaxel 80 mg/m2 semanal, braço 3).Todas as pacientes foram inscritas no ICON8 após a cirurgia primária imediata ou quimioterapia neoadjuvante seguida de cirurgia. O estudo não encontrou benefício para nenhum dos regimes semanais. A SLP foi de 24,4 meses com a dosagem padrão, em comparação com 24,9 e 25,3 meses nos braços 2 e 3, respectivamente. Abstract 929O_PR. Ainda em CEO, na doença recidivada, a terapia de manutenção com o inibidor de PARP rucaparibe aumentou em 77% a sobrevida livre de progressão (SLP) no câncer de ovário recorrente BRCA mutado. Também houve ganho de SLP para as pacientes que receberam o inibidor da PARP independente da positividade do teste para avaliar deficiência da recombinação homóloga (perda da heterozigosidade – LOH). Os resultados são do estudo ARIEL3, que incluiu 564 pacientes com câncer de ovário de alto grau. Abstract LBA40_PR

Também foi discutido o primeiro estudo que compara o atual tratamento padrão de quimiorradioterapia com quimioterapia neoadjuvante seguido de cirurgia (histerectomia radical) em câncer de colo de útero localmente avançado. Neste estudo, apresentado na ESMO, 635 pacientes com câncer de colo uterino estádio IB2, IIA-IIB foram randomizados para um dos dois braços. Aquelas que no braço cirúrgico apresentassem critérios para risco intermediário (dois dos seguintes: T>4 cm, invasão angiolinfática presente e invasão do terço profundo da miocérvice) ou alto risco (qualquer um dos seguintes: linfonodo ou paramétrio ou limite positivos) recebiam tratamento adjuvante com radioterapia ou quimiorradioterapia, respectivamente. Após um follow-up de 58 meses, o tratamento experimental não atingiu seu endpoint primário de sobrevida livre de doença, inclusive demonstrando o inverso (SLD em 5 anos de 69.3 x 76.7% para terapia neoadjuvante e tratamento combinado, respectivamente, HR 1.38, IC 1.02-1.87, p=0.038). Em análise de subgrupo, o estágio IIB foi o que se mais beneficiou do tratamento combinado. Os autores concluem que o tratamento combinado permanece como tratamento padrão para câncer de colo localmente avançado (estágios IB2, IIA-IIB). Referência: Abstract 928O_PR.

No tratamento do câncer de endométrio foram apresentados os dois estudos apresentados na ASCO, avaliando a melhor abordagem para pacientes de alto risco. O PORTEC III avaliou prospectivamente 686 pacientes com CE alto risco que foram randomizadas (1:1) para RT (48,6 Gy) ou QTRT (dois ciclos de cisplatina 50 mg/m² nas semanas 1 e 4 da RT, seguido de quatro ciclos de carboplatina AUC5 e paclitaxel 175 mg/m² a cada 21 dias). A SG em 5 anos para o braço de QTRT versus RT foi de 81,8% vs 76,7%; HR 0,79 [IC 95% 0,57-1,12, p=0,183]. Também não houve diferença significativa entre os braços para a sobrevida livre de recorrência em 5 anos, salvo nas pacientes com estágio III que apresentaram maior benefício com a combinação: FFS em 5 anos 69,3% para QTRT vs 58,0% para RT [IC 95% 0,45-0,97, p=0,032] e a SG em 5-anos para o estágio III foi de 78,7 % vs 69,8% (p=0,114). (J Clin Oncol 35, 2017 (suppl; abstr 5502).

Alinhado com o PORTEC III, o estudo GOG 258 também randomizou prospectivamente 813 pacientes com CE estágios III/IVA, ou I/II se células claras ou seroso, entre QT (carboplatina e paclitaxel por 6 ciclos) e QTRT. As pacientes no braço de tratamento combinado apresentarem menor incidência de recorrência vaginal, pélvica e para-aórtica (3% vs 7%, HR = 0,36, IC 0,16- 0,82; 10% vs 21%, HR=0,43, IC 02,8-0,66) comparado à quimioterapia isolada, mas metástases à distância foram mais frequentes no braço combinado que no braço de quimioterapia isolada (28% vs 21%, HR 1,36, IC 1- 1,86). J Clin Oncol 35, 2017 (suppl; abstr 5505).

Das discussões da Semana da Oncologia, analisada a realidade do país e os avanços contínuos no tratamento do câncer ginecológico, fica a certeza de que o Brasil segue em alerta vermelho para a necessidade de melhorar o acesso em prevenção e rastreamento, além da importância de avançar na incorporação oportuna de tecnologias.