Onconews - Hipercalcemia no paciente oncológico, como reconhecer, como tratar?

Bottom Line

A hipercalcemia associada à malignidade afeta mais de 20% dos pacientes oncológicos em algum momento da história da doença. Entendida no contexto das emergências em oncologia, a hipercalcemia é uma complicação metabólica frequente em pacientes com tumores sólidos, especialmente de mama e renal, e também nas malignidades hematológicas, principalmente no mieloma múltiplo, seguido pela leucemia e linfoma não-Hodgkin. Os bifosfonatos e o uso do anticorpo monoclonal denosumabe para casos refratários estão entre as estratégias de tratamento.

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Luiz Alberto Mattos é Professor do Departamento de Medicina Clínica e chefe do serviço de oncologia do Hospital das Clínicas da Universidade Federal de Pernambuco

Por Luiz Alberto Mattos1; Luiza Lyra Cabral2

1 – Professor do Departamento de Medicina Clínica e chefe do serviço de oncologia do Hospital das Clínicas da Universidade Federal de Pernambuco

2 – Acadêmica de Medicina da Universidade Federal de Pernambuco

Resumo

Embora várias condições clínicas possam causar hipercalcemia, as mais frequentes são hiperparatireoidismo e malignidades, correspondendo juntas a cerca de 90% dos casos. A hipercalcemia associada à malignidade é uma complicação metabólica frequente que ocorre em mais de 20% dos pacientes oncológicos em algum momento da história da doença. Embora os valores possam variar, considera-se normal o valor albumina-corrigido de 8-10 mg/dL ou 2 – 2,5 mmol/L.2

A apresentação clínica da hipercalcemia da malignidade varia de acordo com os níveis séricos de cálcio atingidos e com a rapidez da instalação do quadro. Os sistemas mais afetados são o neuropsiquiátrico, gastrointestinal e renal.

O aumento da excreção urinária de cálcio é uma das estratégias de tratamento, assim como a adequada hidratação, que, no entanto, muitas vezes não é suficiente para instaurar a normocalcemia isoladamente.2

De ação rápida, a calcitonina diminui a reabsorção óssea e aumenta o clearence urinário de cálcio, sendo recomendada na abordagem inicial.

Os bifosfonatos são empregados na hipercalcemia e nos casos refratários o anticorpo monoclonal denosumabe é aprovado e tem baixa toxicidade, sendo seguro para pacientes com função renal diminuída.2,8

Pacientes com hipercalcemia severa refratária e doença cardiorrenal subjacente que não podem ser submetidos à hidratação com segurança devem ser avaliados para hemodiálise 8.

Para os casos nos quais a hipercalcemia é mediada por 1,25-dihidroxivitamina D, a terapia de escolha são os corticoesteroides.

Palavras-chave: ‘emergências oncológicas’, hipercalcemia, bifosfonatos, denosumabe, calcitonina, corticosteroides

Introdução

A hipercalcemia associada à malignidade foi primeiramente descrita em 1921 e ocorre em mais de 20% dos pacientes oncológicos em algum momento da história da doença1. É uma complicação metabólica frequente tanto em tumores sólidos quanto hematológicos. Embora os valores possam variar, considera-se normal o valor albumina-corrigido de 8-10 mg/dL ou 2 – 2,5 mmol/L.2

Hipercalcemia da malignidade parece ser simultaneamente a causa mais comum de hipercalcemia em pacientes oncológicos e a maior causa de elevação do cálcio sérico em pacientes internados, ainda que estimativas exatas variem de acordo com a população estudada e com os níveis séricos usados como ponto de corte.3,4,5,8 Dentre as neoplasias malignas hematológicas que mais apresentam essa alteração metabólica, destaca-se o mieloma múltiplo, seguido pela leucemia e linfoma não-Hodgkin.4- 7 Já dentre os tumores sólidos, prevalecem o de mama e renal4, 5.

Fisiopatologia

Os mecanismos fisiopatogênicos que promovem o quadro de hipercalcemia são diversos. Aproximadamente, em 80% dos casos, a hipercalcemia é mediada pela produção de proteína relacionada ao hormônio paratireoideano (PTH-rP). Tal molécula age nos osteoblastos, elevando a produção do receptor ativador de fator de necrose tumoral (NF-kB [RANK]) e a citocina ligante (RANKL), que têm sido identificadas como os principais fatores envolvidos na gênese de osteoclastos. A RANK está presente na superfície de moléculas que antecedem a produção de osteoclastos e de osteoclastos maduros. Já a RANKL é uma proteína pertence à família do TNF (fator de necrose tumoral). Seu principal papel é a estimulação da diferenciação e ativação em conjunto com a inibição da apoptose dos osteoclastos (Figura 1) 9,10.

Assim, há ativação dos osteoclastos e, consequentemente, elevação da velocidade de reabsorção óssea, com liberação de cálcio para o sangue. Cânceres de células escamosas, do trato urinário (rins e bexiga), de mama, linfoma não-Hodgkin e câncer de ovário constituem a maioria das malignidades que atuam por essa via.3,8

A metástase osteolítica corresponde a outro mecanismo pelo qual a hipercalcemia da malignidade se manifesta, sendo o câncer de mama e o mieloma múltiplo responsáveis pela maioria dos casos de hipercalcemia osteolítica.3,8 Já nos linfomas, a causa mais comum de hipercalcemia é a elevação do nível de 1,25 dihidroxivitamina D (1,25-D), substância que age aumentando a absorção intestinal de cálcio. Em condições fisiológicas, o aumento no nível sérico de cálcio causa supressão do hormônio paratireoideano (PTH), diminuindo a conversão de 25 hidroxivitamina D (25-D) para 1,25-D. No linfoma e no mieloma, linfócitos malignos são capazes de produzir 1,25-D a partir de 25-D independentemente do PTH. A secreção de PTH por outras células que não o câncer de paratireóide é extremamente rara. 2

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Figura 1: Outros fatores que apresentam tropismo ósseo, 1,25 dihydroxyvitamin D, parathyroid hormone (PTH), prostaglandin E-2, and interleukin- 1, levam à formaçãoi dessas células através da expressão de RANKL na superfície de células estromais e osteoblastos imaturos que se liga a seu receptor , o RANK, nas células percussoras dos osteoclastos e fatores como NF-kB e JNK, induzem a formação de osteoclastos. Adaptado de Roodman 11.

Apresentação Clínica

A apresentação clínica da hipercalcemia da malignidade varia de acordo com os níveis séricos atingidos e com a rapidez da instalação do quadro. Os sistemas mais afetados são o neuropsiquiátrico, gastrointestinal e renal. 3, 8

Os sintomas neurocognitivos podem incluir mudanças no comportamento, tais quais ansiedade, mudança de humor e diminuição na função cognitiva, fraqueza muscular, alteração no status mental e coma. Vasoconstrição renal, acidose tubular distal e, nos casos mais crônicos, diabetes nefrogênica insipidus, nefrolitíase, disfunção tubular e insuficiência renal crônica estão incluídos dentre as manifestações renais. 2,8

Quanto às manifestações gastrointestinais, constipação, anorexia e náusea são frequentes, sendo a pancreatite e a úlcera péptica achados infrequentes.

As manifestações cardiovasculares incluem diminuição do intervalo QT e disritmias.5

Diagnóstico

Embora várias condições clínicas possam causar hipercalcemia, as mais frequentes são hiperparatireoidismo e malignidade, correspondendo juntas a cerca de 90% dos casos. A malignidade, devido à rapidez na instalação e aos níveis mais altos de cálcio, tem maior probabilidade de causar sintomatologia.5 A excreção renal de cálcio está usualmente no limite superior da normalidade ou elevada. Em casos raros, pode estar diminuída, o que acontece quando há uso de diuréticos tiazídicos, por exemplo. No hiperparatireoidismo e na hipercalcemia da malignidade de origem humoral a fosfatemia está baixa, estando muitas vezes elevada em doença óssea metastática. O PTH está elevado no hiperparatireoidismo primário e na intoxicação por lítio. Todas as outras causas de hipercalcemia cursam com supressão do PTH 2.

Tratamento

O tratamento definitivo inclui curar a neoplasia maligna subjacente. No entanto, isso não é possível em grande parte dos casos, pois a maioria dos pacientes já tem doença metastática no momento em que surge a hipercalcemia 2.

O aumento da excreção urinária de cálcio é uma das estratégias de tratamento. Para tanto, utiliza-se solução salina intravenosa que induz expansão volumétrica, inibindo reabsorção de sódio no túbulo proximal. De tal maneira, uma vez que a reabsorção de cálcio é um processo passivo dependente do gradiente de sódio, há aumento da calciúria. O efeito dos diuréticos de bloquear o carregador de sódio/potássio/cloro na alça de Henle é contrabalanceado pela diminuição da volemia, não sendo esse um tratamento efetivo. A adequada hidratação não é, muitas vezes, suficiente para instaurar a normocalcemia isoladamente, porém é um dos pilares essenciais do tratamento2.

Os bifosfonatos são um grupo de medicações análogas ao pirofosfato, molécula essencial dos tecidos ósseos. Seus mecanismos de ação estão relacionados à absorção à superfície da hidroxiapatita óssea, interferindo na atividade dos osteoclastos. São relativamente pouco tóxicos e mais potentes que outras drogas que inibem a reabsorção óssea, com efeito máximo em 2 a 4 dias. Assim, são necessárias outras medidas de tratamento inicial mais rápidas. 2, 5, 8

Denosumabe é um anticorpo monoclonal que bloqueia o RANKL, o qual é envolvido na ativação dos osteoclastos. Seu uso é aprovado para hipercalcemia refratária aos bifosfonatos, tendo baixa toxicidade e sendo seguro para pacientes com função renal diminuída.2,8

A calcitonina, por sua vez, diminui a reabsorção óssea e aumenta o clearence urinário de cálcio. Tem ação rápida, em torno de 6 horas, sendo essa sua principal vantagem, muito embora abaixe a calcemia em cerca de 1 - 2 mg/dL apenas. A administração é feita intramuscular ou subcutânea a cada 12 horas. O efeito é restrito às primeiras 24 horas.

Nesse sentido, é a medicação ideal para ser feita logo após o diagnóstico, enquanto se aguarda a ação de outros medicamentos, como os bifosfonatos 2,8.

Para os casos nos quais a hipercalcemia é mediada por 1,25-dihidroxivitamina D, a terapia de escolha são os corticoesteróides. Isso se justifica pois tais drogas atuam inibindo a conversão de 25-D à 1,25-D, de forma que a absorção intestinal de cálcio diminui. Tal curso de tratamento só deve ser prescrito para pacientes com tumores sensíveis a corticosteróides (por exemplo, mieloma, linfoma, leucemia). 2, 5

Pacientes com hipercalcemia severa refratária e doença cardiorrenal subjacente que não podem ser submetidos à hidratação com segurança devem ser avaliados para hemodiálise8.

Prognóstico

Embora exista terapia específica para controle dos níveis séricos de cálcio, a hipercalemia da malignidade possui um prognóstico ruim, pois seu surgimento indica doença avançada e muitas vezes refratária. Assim, é possível diminuir a sintomatologia, porém há pouca evidência que sugira efeito na história natural e nas taxas de mortalidade do câncer adjacente.5

Referências

1. HORWITZ M, HODAK S, STEWART A. Non-parathyroid hypercalcemia. In: Favus M, editor. Primer on the Metabolic Bone Diseases and Disorders of Mineral Metabolism. Washington, DC; American Society of Bone and Mineral Research; 2008. pp. 307–312.

2.KOSMIDIS, Paris A. et al. (Ed.). ESMO Handbook of oncological emergencies. CRC Press, 2005.

3.Stewart AF. Clinical practice. Hypercalcemia associated with cancer. New Engl J Med. 2005;352(4):373–379.

4.Burt ME, Brennan MF. Incidence of hypercalcemia and malignant neoplasm. Arch Surg. 1980;115(6):704–707.

5.STERNLICHT, Hillel; GLEZERMAN, Ilya G. Hypercalcemia of malignancy and new treatment options. Therapeutics and Clinical Risk Management, v. 11, p. 1779, 2015.

6.Vassilopoulou-Sellin R, Newman BM, Taylor SH, Guinee VF. Incidence of hypercalcemia in patients with malignancy referred to a comprehensive cancer center. Cancer. 1993;71(4):1309–1312.

7.Kyle RA, Gertz MA, Witzig TE, et al. Review of 1027 patients with newly diagnosed multiple myeloma. Mayo Clin Proc. 2003;78(1):21–33.

8. MIRRAKHIMOV, Aibek E. Hypercalcemia of malignancy: an update on pathogenesis and management. North American journal of medical sciences, v. 7, n. 11, p. 483, 2015.

9. SUSANA U et al. J Bras Patol Med Lab . 42, n. 1, p. 5-12, 2006. 

10.AIBEK M. Hypercalcemia of Malignancy: An Update on Pathogenesis and Management. N Am J Med Sci. 2015 Nov; 7(11): 483–493.  

11.ROODMAN G. Mechanisms of Bone Metastasis. N Engl J Med 2004;350:1655-64.