Onconews - Imunoterapia no câncer ginecológico, como estamos?

Bottom line
Em setembro de 2019, a combinação de pembrolizumabe e lenvatinibe foi aprovada pela agência norte-americana FDA para o tratamento de tumores de endométrio metastáticos sem instabilidade de microssatélites ou deficiência das enzimas de reparo do DNA. Em pacientes com câncer endometrial com deficiência de enzimas de reparo do DNA, o anti PD-L1 durvalumabe apresentou resultados em estudo Fase II, com duração de resposta em 66% da população avaliada, assim como o imuno-oncológico avelumabe, com 40% de pacientes livres de progressão em seis meses. No câncer cervical metastático, o estudo Checkmate 358 avaliou a combinação de ipilimumabe e nivolumabe em estudo fase II de braço único, com duração de resposta duradoura principalmente em pacientes sem tratamento sistêmico prévio. No câncer de ovário, a combinação de imuno-oncológicos com outros agentes terapêuticos começa a construir evidências e diversos estudos estão em andamento no cenário de primeira linha, manutenção, doença platino sensível e platino-resistente.

Graziela Zibetti Dal Molin bx


Graziela Zibetti Dal Molin é oncologista clínica na BP - A Beneficência Portuguesa de São Paulo e membro do Grupo Brasileiro de Tumores Ginecológicos (EVA/GBTG)

 

Resumo

Combinações de imunoterápicos com outros agentes têm sido a tendência dos estudos em desenvolvimento na oncoginecologia. No câncer de endométrio a combinação de pembrolizumabe e lenvatinibe foi aprovada pelo FDA para tumores sem instabilidade de microssatélite ou deficiência de enzimas de reparo. Novas drogas têm sido avaliadas em monoterapia em pacientes com deficiência de enzimas de reparo do DNA. No câncer de ovário, a combinação com antiangiogênicos e inibidores de PARP em doublets ou triplets tem sido a escolhida nos desenhos dos novos estudos com o objetivo de melhorar desfechos. Já no câncer cervical diversos estudos têm incorporado o uso de novos inibidores de checkpoint imune, uso de terapias com TILs (linfócitos intratumorais), vacinas terapêuticas e terapias com CAR-T cells.

Palavras-chave: imunoterapia, câncer de ovário, câncer de endométrio, câncer de colo uterino

Introdução

A imunoterapia tem trazido grandes avanços na oncologia, com diversas aprovações, tanto em tumores sólidos quanto na oncohematologia. O advento da imunoterapia permitiu melhores desfechos de sobrevida, maiores taxas de resposta e, em cenários específicos, menores toxicidadescomparada aos tratamentos quimioterápicos. Para melhorar ainda mais esses resultados, imunoterápicos têm sido incorporados em combinações com quimioterápicos, antiangiogênicos e terapias-alvo em diferentes tumores.

O uso de imunoterapia em tumores ginecológicos apresentou resultados pouco animadores previamente. Por serem considerados tumores “frios”, o uso de imunoterapia isolada com anticorpos anti-PD1 ou anti-PD-L1 não trouxe resultados satisfatórios. Contudo, combinações com outros agentes no intuito de tornar os tumores ginecológicos “quentes” e propensos ao uso de imunoterápicos tem sido a tendência dos estudos em desenvolvimento atualmente.

Câncer de Endométrio

Os tumores de endométrio lideram a corrida com o uso de imunoterapia na oncologia ginecológica.

Recentemente, em 17 de setembro de 2019, a combinação de pembrolizumabe e lenvatinibe foi aprovada pelo FDA para o tratamento de tumores metastáticos com ausência de instabilidade de microssatélite (MSI-H) ou deficiência das enzimas de reparo. A aprovação veio de dados de estudo de fase II de braço único para o uso da combinação e foi associado a uma taxa de resposta de 38,3%, com 10,6% de respostas completas nesse subgrupo de pacientes. (Lancet Oncol. 2019 May;20(5):711-718).

A partir desses dados, a necessidade de testar as enzimas de reparo no câncer de endométrio tende a aumentar. Quanto ao melhor teste para avaliar a deficiência de enzimas de reparo, há boa correlação entre o uso de MSI-H e uso de imuno-histoquímica para análise da expressão de proteínas de reparo. (Ann Oncol. 2017 Jan 1;28(1):96-102. ) É importante lembrar que cerca de 85% dos tumores de endométrio apresentam proficiência em enzimas de reparo e que dados de quimioterapia em segunda linha giram entre 10 a 15%, mostrando uma nova opção no cenário metastático para grande parcela de pacientes. A combinação de pembrolizumabe e lenvatinibe está sendo avaliada atualmente versus quimioterapia no cenário de segunda linha (MK 3475-775) e de primeira linha (MK 7902-001). Ambos os estudos estão com recrutamento aberto no Brasil*.

Nos tumores com instabilidade de microssatélites, o uso agnóstico de pembrolizumabe já está aprovado nos EUA e em diversos países, inclusive no Brasil (N Engl J Med 2015; 372:2509-2520). Novos alvos têm sido avaliados também neste cenário. O agente experimental dostarlimab, um novo anti-PD1, mostrou taxa de resposta de 48,8%, com 4,9% de resposta completa nos tumores MSI-H no estudo GARNET (Preliminary safety, efficacy, and pharmacokinetic/pharmacodynamic characterization from GARNET, a phase I/II clinical trial of the anti–PD-1 monoclonal antibody, TSR-042, in patients with recurrent or advanced MSI-H and MSS endometrial cancer. Presented at: 2019 SGO Annual Meeting; March 16-19, 2019; Honolulu, HI. Abstract 33). O uso de durvalumabe monoterapia em um estudo pequeno também mostrou resultados animadores, com duração de resposta em 66% dos pacientes com deficiência de enzimas de reparo (Journal of Clinical Oncology 37, no. 15_suppl (May 20, 2019) 5501-5501), assim como avelumabe, com 40% de pacientes livres de progressão em seis meses também na população com deficiência de enzimas de reparo (Journal of Clinical Oncology 37, no. 15_suppl (May 20, 2019) 5502-5502).

Câncer de Ovário

No câncer de ovário, estudos prévios com monoterapia com anti-PD1 mostraram taxas de resposta pequenas, entre 8 e 17% (J Clin Oncol 2015;33:4015; J Clin Oncol. 2015;33(15 Suppl):5510, J Clin Oncol. 2016;34(15 Suppl):5533, Journal of Clinical Oncology 36, no. 15_suppl (May 20, 2018) 5511-5511).

A combinação com antiangiogênicos e inibidores de PARP em doublets ou triplets tem sido a escolhida nos desenhos dos novos estudos para tentar melhorar desfechos. O estudo MEDIOLA com durvalumabe e olaparibe mostrou taxa de resposta de 63% na população platino-sensível (Drew Y, de Jonge M, Hong S-H, et al. An open-label, phase II basket study of olaparib and durvalumab (MEDIOLA): Results in germline BRCA-mutated (gBRCAm) platinum-sensitive relapsed (PSR) ovarian cancer (OC) . Presented at: SGO Annual Meeting; March 24-27, 2018; New Orleans, LA. Late-breaking abstract). Já o TOPACIO, que incluiu somente a população platino-resistente, mostrou 25% de taxa de resposta (5% de resposta completa) com a combinação de pembrolizumabe e niraparibe (Journal of Clinical Oncology 36, no. 15_suppl (May 20, 2018) 106-106). O uso de pembrolizumabe e olaparibe está sendo avaliado em primeira linha em estudo com recrutamento aberto no Brasil (MK 7339-001)*.

Diversos estudos estão em andamento na tentativa de aprimorar os desfechos em diferentes cenários como primeira linha, manutenção, doença platino sensível e platino-resistente como o AGO-Ov46 (quimioterapia- bevacizumabe – durvalumabe-olaparibe), BCOG-ENGOT Ov43 (quimioterapia- pembrolizumabe – olaparibe), GINECO Ov44 (quimioterapia- dostarlimabe-niraparibe), ATHENA GOG 3020 (nivolumabe- rucaparib).

Câncer de Colo uterino

No câncer de colo uterino o uso de pembrolizumabe já é aprovado em diversos países em pacientes com presença de expressão de PD-L1 (J Clin Oncol. 2019 Jun 10;37(17):1470-1478.) após progressão à platina. Contudo, as taxas de resposta são baixas, mostrando a necessidade de novas abordagens nessa doença tão prevalente em nosso país.

O uso de inibidores de checkpoint imune tem sido avaliado. O estudo Checkmate 358 avaliou o uso da combinação de ipilimumabe e nivolumabe no câncer cervical metastático. Trata-se de estudo de fase II de braço único, que mostrou resultados muito provocadores, com duração de resposta muito duradouras principalmente em pacientes sem tratamento sistêmico prévio (Presented at 2019 ESMO Congress; September 27-October 2, 2019; Barcelona, Spain. Abstract LBA62).  O cemiplimab, anti-PD1 já aprovado pelo FDA para o tratamento do carcinoma espinocelular (CEC) de pele localmente avançado irressecável ou metastático, está sendo avaliado nas pacientes metastáticas pós progressão com platina no estudo EMPOWER-Cervical 1, que está aberto em diversos centros brasileiros.*

Além do uso de anticorpos monoclonais, no câncer de colo uterino tem sido avaliado o uso de terapia com TILs (linfócitos intratumorais). O uso de TILs foi avaliado em pequeno estudo de fase II, que mostrou respostas duradouras em população politratada (Clin Cancer Res. 2019 March 01; 25(5): 1486–1493). Novos estudos em andamento estão avaliando o uso desta técnica (NCT03108495). Outras técnicas celulares também têm sido avaliadas, como vacinas terapêuticas (com uso de peptídeos ou células dendríticas) e terapias com CAR-T cells (MC. CAR T cell immunotherapy for human cancer. Science. 2018 Mar 23;359(6382).

Conclusão

A incorporação da imunoterapia no câncer de endométrio já é uma realidade em diversos países do mundo na doença metastática e seu uso em cenários mais precoces está sendo explorado. Já no câncer de ovário e colo uterino ainda há necessidade de aguardamos os resultados dos estudos em andamento, e possivelmente veremos uma mudança da prática clínica em breve.

*os estudos citados pela autora com participação de centros brasileiro estavam abertos para recrutamento de pacientes na data de publicação deste artigo, em novembro de 2019