Onconews - Esofagectomia de Resgate: status atual na era da neoadjuvância (CROSS Trial)

Daniel_Fernandes_NET_OK_2.jpgPrimeiro trabalho a demonstrar benefício da neoadjuvância na sobrevida do câncer de esôfago, o estudo CROSS (ChemoRadiotherapy for Esophageal cancer followed by Surgery Study) é tema do artigo de Daniel Fernandes (foto), cirurgião oncológico, mestre em oncologia do INCA e professor de cirurgia oncológica da UNIGRANRIO.

{jathumbnail off} Introdução


O câncer de esôfago é um desafio terapêutico para os oncologistas cirúrgicos e clínicos, pois a maioria dos casos são diagnosticados em fase avançada, impactando diretamente no prognóstico. São esperados, segundo dados do INCA, mais de 11 mil novos casos por ano (Figura 1). O câncer de esôfago representa a 3ª neoplasia do trato gastrointestinal, sendo a 8ª neoplasia mais prevalente no mundo e a 6ª mais letal.

Estimativa do número de casos novos, em Homens e Mulheres, Brasil, 2016

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Figura 1
 
Histórico

Historicamente, em 1877 Czerny realizou a ressecção de um câncer de esôfago cervical, com esofagostomia distal sem reconstrução44. A primeira ressecção bem-sucedida de um tumor do 1/3 distal foi realizada por Voelcker, em 1908. Torek, em 1913, realizou a primeira ressecção transtorácica 44,45. Denk, em 1913 e Turner, em 1933, descreveram a esofagectomia transhiatal, a qual foi popularizada em 1978 por Orringer e Sloan. Em 1938, Adams e Phemister realizaram a primeira esofagectomia transtorácica com reconstrução imediata, o que foi seguido por Sweet, em 1945, com sua abordagem toracoabdominal esquerda. Lewis, em 1946, introduziu a abordagem via toracotomia direita combinada a laparotomia e, em 1972, McKeown descreveu o primeiro acesso abdomino-tóraco­-cervical para esofagectomias.44

Atualmente a morbi-mortalidade das esofagectomias vem demonstrando padrões de queda vertiginosa. Mortalidade tão grande quanto 72% em 1940, hoje não ultrapassa 5% em centros de excelência 48,49,50. A curva de aprendizado da equipe e do cirurgião especificamente (“cirurgião como fator prognóstico”) vem sendo implicada na melhora dos resultados juntamente com a implementação de novas técnicas de anestesia e terapia intensiva50,51,52. Sem dúvida, cen­tros com maior volume e especialização registram menores taxas de complicação (10 a 41%)50,51 e mortalidade (5 a 10%).
 
Tratamento

A indicação do tratamento do câncer de esôfago é baseada em fatores relacionados ao paciente: PS (performance status), comorbidades e risco cirúrgico, e fatores relacionados ao tumor: tamanho, localização e o estadiamento.
A cirurgia durante muito tempo foi considerada o padrão ourono tratamento do câncer de esôfago, sem nenhuma outra modalidade terapêutica apresentar impacto na sobrevida dos pacientes. Entretanto, em 1992 Herskovic publicou no NEJM (New England Journal of Medicine) um artigo que demonstrou que a radioterapia combinada à quimioterapia radical exclusiva aumentou a sobrevida nos pacientes quando comparada a radioterapia exclusiva (50 x 33% em 12 meses – Figura 2), além de resultados de sobrevida em 5 anos semelhantes aos pacientes tratados com cirurgia (10 a 30%), passando a ser a melhor opção terapêutica para os pacientes sem condições cirúrgicas.
 
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Figura 2
 
Entretanto, um dos problemas da Radioquimioterapia Radical Exclusiva é que 40 a 60% dos pacientes apresentarão persistência de doença ou recidiva. Neste contexto, a Esofagectomia de Resgate fornece a única possibilidade de cura para pacientes selecionados com recorrência tumoral ou persistência de doença após a Radioquimioterapia Radical Exclusiva, apresentando taxas de sobrevida em 5 anos de aproximadamente 25%11. Do ponto de vista teórico, a cirurgia de resgate é dotada de maior dificuldade técnica e morbi-mortalidade operatória, devido à alta dose de radiação aplicada no leito tumoral e ao maior intervalo de tempo entre o término do tratamento combinado e a cirurgia (determinando maior grau de fibrose entre as estruturas peri-esofagianas). Tal fato, associado ao ceticismo em relação à cura do câncer de esôfago, explica a relutância de muitos cirurgiões em realizar tal operação. O primeiro trabalho sobre a Esofagectomia de Resgate foi publicado em 1998 por Meunier B. Após este artigo, outros autores publicaram suas casuísticas sempre com um N baixo. Mas o consenso entre todos é que a Esofagectomia de Resgate, apesar da morbidade elevada e maior dificuldade técnica, quando realizada em grandes centros e com pacientes muito bem selecionados, pode ter morbimortalidade aceitável, sendo a única opção de cura para estes pacientes. 

Trabalhos tentando demonstrar o benefício na neoadjuvância no tratamento do câncer de esôfago falharam devido à toxicidade ou aumento da morbidade cirúrgica, até ser publicado por P. van Hagen e colaboradores, em 2012 no NEJM, o CROSS (ChemoRadiotherapy for Esophageal cancer followed by Surgery Study). Este trabalho foi um divisor de águas no tratamento do câncer de esôfago, pois foi o primeiro a demonstrar um benefício da neoadjuvância na sobrevida (63% em 5 anos), intervalo livre de doença, baixa toxicidade e morbimortalidade semelhantes aos dos pacientes que foram operados direto (Figuras 3 e 4), passando a mesma a ser considerada o padrão ouro no tratamento do câncer de esôfago atualmente.

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Figuras 3 e 4

 
            Mesmo com o maior benefício da neoadjuvância, alguns pacientes recusam o tratamento cirúrgico. Outros, apesar de terem indicação da neoadjuvância, não tem PS para realizá-la, ou no momento do diagnóstico não são candidatos ao tratamento cirúrgico, ficando reservado a estes pacientes a Radioquimioterapia Radical Exclusiva.
            Atualmente, a Sociedade Japonesa de Esôfago utiliza o algoritmo abaixo para definir o tratamento dos pacientes. (Figura 5)

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Figura 5

 
Conclusão

Sendo assim, a Esofagectomia de Resgate continua tendo papel importante no tratamento do câncer de esôfago, uma vez que nem todos os pacientes terão indicação de neoadjuvância ou mesmo conseguirão realizá-la por fatores diversos. Pacientes que foram submetidos à Radioquimioterapia Radical Exclusiva e que persistiram com doença ou recidivaram, após um re-estadiamento rigoroso (preferencialmente com PET-TC) e criteriosa avaliação do risco cirúrgico, ainda podem ser resgatados cirurgicamente, sendo a única chance de cura neste contexto.
 
Referências:
 
1. Castro, L. S.; Corrêa J.H.S. Tratamento Cirúrgico do Câncer Gastrointestinal; 2012.
 
2. Brasil. Ministério da Saúde. Instituto nacional do câncer. Estimativas de incidência e mortalidade no Brasi1, 2016. Rio de Janeiro: INCA, 2016. www.inca.gov.br/estimativa2016
 
3. Sonett JR: Esophagectomy. Chest Surg Clin N Am 10:519-529, 2000.
 
4. Law S, Wong J. Therapeutic options for esophageal cancer. Journal of Gastroenterology and Hepatology 2004;19:4-12.
 
5.Ando N, Ozawa S, Kitagawa Y, Shinozawa Y, Kitajima M. Improvement in the results of surgical treatment of advanced squamous esophageal carcinoma during 15 consecutive years. Ann Surg 2000;232(2):225-232.
 
6.Swisher SG, DeFord L, Merriman KW, Walsh GL, Smythe R, Vaporicyan A, Ajani JA, Brown T, Komaki R, Roth JA, Putnam JB. Effect of operative volume on morbidity, mortality, and hospital use after esophagectomy for cancer. 'J Thorac Cardiovac Surg 2000;119(6):1126-1135.
 
7. Van Lanschot JJB, Hulscher JBF, Buskens CJ, Tilanus HW, Ten Kate FJW, Ober-hop H. Hospital volume and hospital mortality for esophagectomy. Cancer 2001;91(8):15741578.
 
8. Lerut T. The surgeon as a prognostic factor. Ann Surg 2000;232(6):729-732.
 
9. Whooley BP, Law S, Murthy SC, Alexandrou A, Wong J. Analysis of reduced death and complication rates after esophageal resection. Ann Surg 2000;233(3)238-344.
 
10. C. E. Pinto, D. de Souza Fernandes, E. A. Moura Sá, E. L. R. Mello. Salvage esophagectomy after exclusive chemoradiotherapy: results at the Brazilian National Cancer Institute (INCA). Diseases of the Esophagus (2009) 22, 682–686. DOI: 10.1111/j.1442-2050.2009.00955.x
 
11. P. van Hagen et al. Preoperative Chemoradiotherapy for Esophageal or Junctional Cancer. N Engl J Med 2012;366:2074-84.
 
12. Herskovic et al. Chemotherapy and Radiotherapy for Esophageal Cancer. N Eng J Med 1992;326:1593-8
 
13. Meunier B. et al. Salvage esophagectomy after unsuccessful curative chemoradiotherapy for squamous cell cancer of the esophagus. Dig Sur 1998ç15(3):224-6
 
14. Makoto Sohda and Hiroyuki Kuwano. Current Status and Future Prospects for Esophageal Cancer Treatment. Ann Thorac Cardiovasc Surg 2017; 23: 1–11.