Reexpor o paciente a terapias prévias traz benefício no câncer de pulmão não pequenas células (CPNPC)? O debate é tema do artigo da oncologista Aknar Calabrich (foto), membro do Grupo Brasileiro de Oncologia Torácica (GBOT).
Historicamente, a quimioterapia baseada em platina é o tratamento padrão para o câncer de pulmão sem mutação do EGRF ou ALK. Após progressão, monoterapia com docetaxel ou pemetrexede apresenta baixa taxa de resposta, sobrevida livre de progressão e sobrevida global. Os principais objetivos do tratamento de segunda linha são melhorar sintomas e qualidade de vida com aumento da sobrevida. Nesse contexto, o retratamento com esquemas previamente efetivos torna-se uma opção a ser considerada.
No câncer de ovário recidivado, o manejo é baseado de acordo com o intervalo da última terapia com platina e a recorrência. Portanto, hipoteticamente, pacientes com câncer de pulmão não pequenas células (CPNPC) poderiam se beneficiar da reexposição à platina caso tenham bom performance e um longo intervalo livre de progressão. Apesar de não existirem estudos de fase III nesse cenário, uma análise de 11 estudos retrospectivos com 607 pacientes retratados com platina combinado a docetaxel ou pemetrexede demonstrou uma taxa de resposta de 27,5%, sobrevida livre de progressão (SLP) de 3,9 meses e sobrevida global (SG) de 8.7 meses.
Selecionando apenas os pacientes que apresentaram progressão após 6 meses da terapia de primeira linha com platina, um estudo com 23 pacientes com CPNPC retratados com carboplatina e gemcitabina ou pemetrexede demonstrou taxa de resposta de 30,4%, SLP de 5,9 meses e SG de 12,9 meses. Corroborando esses dados, um estudo de fase II publicado por Smit et al. comparou o uso de carboplatina com pemetrexede versus pemetrexede apenas como segunda linha de quimioterapia em pacientes com tempo de progressão da terapia prévia com platina > 3 meses. A taxa de resposta foi de 17% versus 6% (p=0,008) e a SLP foi de 4,2 versus 2,8 meses (p=0,001) para a combinação de platina com pemetrexede versus pemetrexede isolado. Além disso, houve um incremento da SG dos pacientes com intervalo livre de progressão a última platina > 6 meses, reforçando a importância deste intervalo na seleção para o tratamento combinado.
A adição de bevacizumabe à quimioterapia com platina em primeira linha também é dos tratamentos padrão para o CPNPC não escamoso. Diversos estudos de fase III com outros anti-angiogênicos (ramucirumabe, nitendanib, sunitinib, vandetanibe) avaliaram a importância dessa classe terapêutica em segunda linha. Seis estudos randomizados com análise de subgrupo de pacientes tratados previamente com bevacizumabe e expostos a outros anti-angiogênicos foram incluídos em uma meta-análise que totalizou 452 pacientes. Houve beneficio estatisticamente significante na SLP (HR: 0,72, CI95% 0,58-0,89, P=0,002) e tendência a ganho de SG (HR: 0,82, CI95% 0,65-1,03, P=0,087) nos pacientes retratados com os antiangiogênicos.
No campo da terapia alvo, era uma prática comum a reexposição aos inibidores de tirosina-quinase (TKI) do EGFR (erlotinibe, gefitinibe) em pacientes que tinham apresentado benefício ao tratamento com TKI previamente e ficaram um tempo longe dele. Diversos estudos retrospectivos ou relatos de caso demonstravam uma taxa de resposta ao redor de 20%, com aproximadamente metade dos pacientes com controle de doença. Entretanto, estudos prospectivos não confirmaram esse ganho tão expressivo. Cappuzzo et al conduziram um estudo de fase II em que 61 pacientes com adenocarcinoma foram reexpostos a gefitinibe após terem resposta à primeira linha com este agente e tratados em segunda linha com quimioterapia. Apesar do controle de doença ser alcançado em 52,5%, apenas 3% apresentaram resposta. A SLP foi de apenas 2,8 meses. O estudo LUX-LUNG1 corrobora esses dados. Nesse caso, os pacientes tratados previamente com erlotinibe ou gefitinibe foram submetidos a afatinibe ou placebo na progressão. A taxa de resposta com o afatinibe foi de apenas 7,9%, a SLP de 3,3 meses e não houve ganho de sobrevida global.
Vale destacar que a depender do padrão de progressão ao TKI do EGFR, a manutenção do tratamento pode ser válida. Em progressões lentas e pouco sintomáticas, o estudo ASPIRATION confirmou o papel da manutenção do erlotinibe após progressão com ganho de 3,1 meses na SLP. Caso haja progressão local, também é válido manter o TKI e direcionar outros tratamentos como radioterapia ou cirurgia para o local de progressão.
Contextualizando, o papel do retratamento tem se tornado cada vez menos importante num cenário de surgimento de novas drogas como inibidores de tirosina quinase mais potentes e seletivos, como osimertinibe para mutações de resistência (T790M) do EGFR, ou ceretinibe e alectinibe após progressão ao crizotinibe, um inibidor de tirosina quinase para tumores com translocação do ALK. Também entramos na era da imunoterapia com aprovação dos anti-PD1, nivolumabe e pembrolizumabe, para a segunda linha de tratamento do câncer de pulmão não pequenas células metastático. Para finalizar, a oncologia está cada vez mais personalizada de acordo com biomarcadores e perfil mutacional. São esses parâmetros que estão guiando a seleção das drogas, tornando o tratamento mais eficaz e menos empírico.
Referências:
Petrelli F et al. Platinum rechallenge in patients with advanced NSCLC: A pooled analysis. Lung Cancer 2013; 81:337–342
Arrieta O et al. High response of second-line chemotherapy with pemetrexed or gemcitabine combined with carboplatin in patients with non-small-cell lung cancer experiencing progression following 6 months after concluding platinum-based chemotherapy. Med Oncol 2011; 28:300–306
Smit EF, et al. Randomized phase II and pharmacogenetic study of pemetrexed compared with pemetrexed plus carboplatin in pretreated patients with advanced non-small-cell lung cancer. J Clin Oncol. 2009;12:2038–45.
Zhao L et al. Angiogenesis inhibitors rechallenge in patients with advanced non-small-cell lung cancer: a pooled analysis of randomized controlled trials. OncoTargets and Therapy 2015:8 2775–2781
Tsao Song et al. Subsequent treatment choices for patients with acquired resistance to EGFR-TKIs in non-small cell lung cancer: restore after a drug holiday or switch to another EGFR-TKI?. Asian Pac J Cancer Prev, 2014;15: 205-213
Cappuzzo F et al. Efficacy and safety of rechallenge treatment with gefitinib in patients with advanced non-small cell lung cancer. Lung Cancer 2016; 99:31–37
Miller VA, et al. Afatinib versus placebo for patients with advanced, metastatic non-small-cell lung cancer after failure of erlotinib, gefitinib, or both, and one or two lines of chemotherapy (LUX-Lung 1): a phase 2b/3 randomised trial. Lancet Oncol. 2012;13:528-538
Park K, et al. First-Line Erlotinib Therapy Until and Beyond Response Evaluation Criteria in Solid Tumors Progression in Asian Patients With Epidermal Growth Factor Receptor Mutation–Positive Non–Small-Cell Lung Cancer: The ASPIRATION Study. JAMA Oncol. 2016;2:305-312