A farmacovigilância é a ciência que analisa e classifica as suspeitas de reações adversas a medicamentos (RAMs), levantando hipóteses, analisando incidência estatística, validando ou descartando a possibilidade dessas reações. Compreende atividades relativas à identificação, avaliação, compreensão e prevenção de eventos adversos ou quaisquer outros possíveis problemas relacionados a medicamentos.A todo momento surgem medicamentos novos no combate ao câncer. As informações coletadas durante os ensaios pré-clínicos e clínicos antes da comercialização dos fármacos são inevitavelmente incompletas, principalmente no que se refere às possíveis RAMs. Logo, é imprescindível a monitorização para garantir a qualidade e a segurança dos medicamentos após sua entrada no mercado. Na oncologia, onde a maioria dos medicamentos não possui especificidade e os pacientes normalmente são polimedicados, a farmacovigilância se faz extremamente necessária.
{jathumbnail off}As principais atividades da Atenção Farmacêutica estão relacionadas à dispensação do medicamento, da forma correta; ao fornecimento de informações que assegurem o uso racional de medicamentos e à orientação ao paciente com o propósito de auxiliar no resultado positivo de sua qualidade de vida1. Neste cenário, a presença do farmacêutico em instituições de saúde, principalmente na área de oncologia, é reforçada para que os pacientes sejam orientados de forma correta.
Dentre os requisitos que compreendem a Atenção Farmacêutica estão incluídos a reconciliação medicamentosa; o monitoramento de interações entre medicamentos; a assistência farmacêutica e a sistemática de farmacovigilância.
Após a tragédia causada pela Talidomida em 1961, foram feitos os primeiros esforços internacionais sistemáticos para abordar as questões de segurança de medicamentos. Em 1963 ocorreu a décima sexta Assembléia Mundial da Saúde, onde foi adotada uma resolução que reafirmou a necessidade de ações imediatas em relação à disseminação rápida de informações sobre reações adversas a medicamentos. Esta resolução conduziu à criação do Projeto de Pesquisa Piloto para a Monitorização Internacional de Medicamentos da Organização Mundial de Saúde (OMS) em 1968. Seu propósito era desenvolver um sistema aplicável internacionalmente para identificar previamente reações adversas raras a fármacos que não tivessem sido verificadas nos ensaios clínicos. Neste contexto surgiu a prática e a ciência da Farmacovigilância2.
De acordo com Agência Nacional de Vigilância Sanitária (ANVISA) a farmacovigilância é o trabalho de acompanhamento do desempenho dos medicamentos que já estão no mercado (Estudo de Fase 4 ou Pós-Comercialização), compreendendo as atividades relativas à detecção, avaliação, compreensão e prevenção de efeitos adversos ou outros problemas relacionados a estes medicamentos. Dessa forma, a farmacovigilância envolve não apenas as reações adversas, mas sim todo e qualquer evento adverso relacionado a medicamentos. Desvios de qualidade de medicamentos, quando não verificados antes da administração ao paciente, podem desencadear a ocorrência de um evento indesejado. Portanto, a qualidade dos medicamentos também faz parte do âmbito de investigação e atuação da farmacovigilância. Suas ações são realizadas de forma compartilhada pela vigilância sanitária de cada estado, município e pela própria ANVISA.
Embora sejam formulados para prevenir, aliviar e curar enfermidades, os produtos farmacêuticos podem produzir efeitos indesejáveis, maléficos e danosos. Essa dualidade, às vezes trágica, é significativa para a saúde pública e torna a farmacovigilância uma atividade indispensável à regulação sanitária em qualquer país. A farmacovigilância protege as populações de danos causados por produtos comercializados, por meio da identificação precoce do risco e intervenção oportuna3,4.
Na área da oncologia, essa ação se faz extremamente necessária uma vez que nos tratamentos envolvendo medicamentos quimioterápicos sempre há a presença de riscos para os pacientes, uma vez que a maioria desses medicamentos não possui especificidade, ou seja, não atuam de forma seletiva e exclusiva nas células tumorais. Em geral, são tóxicos às células de rápida proliferação caracterizadas por alta atividade mitótica e ciclos celulares curtos4.
A assistência farmacêutica deve detectar precocemente as reações adversas, mensurar seus riscos e identificar os grupos populacionais mais susceptíveis às mesmas, contribuindo de forma inquestionável ao processo de Farmacovigilância4,5,6.
No Brasil a epidemiologia sobre RAM é pouco investigada, os trabalhos publicados não são multicêntricos e restritos a hospitais de ensino. Deve-se salientar que o tempo referente aos estudos clínicos nem sempre é suficiente para a detecção de todas as manifestações terapêuticas e tóxicas de um produto e que a observação clínica acaba sendo a principal arma de proteção ao paciente4,2. Antes de serem registrados na ANVISA, os medicamentos são submetidos a uma avaliação rigorosa de eficácia, qualidade e segurança. Entretanto, algumas reações adversas muitas vezes raras e graves somente são observadas após o uso do medicamento por uma grande quantidade de indivíduos ou por um longo período de tempo, salientando a importância de uma efetiva vigilância pós-comercialização4.
As informações coletadas durante os ensaios pré-clínicos e clínicos, antes da comercialização dos medicamentos, são inevitavelmente incompletas, principalmente no que se refere às possíveis reações adversas a medicamentos (RAMs). Uma das possíveis causas é o número baixo de participantes de pesquisa devido aos critérios rigorosos para inclusão destes nos estudos, como limite de idade, uso de outras terapias concomitantes ou prévias e o curto tempo de exposição ao medicamento. Logo, é imprescindível a monitorização desses eventos para garantir a qualidade e a segurança dos medicamentos após sua entrada no mercado7.
As notificações recebidas pela ANVISA são mantidas em sigilo e podem fornecer novas informações sobre o uso e a segurança dos medicamentos comercializados no país, além de subsidiar o Sistema Nacional de Vigilância Sanitária (SNVS) natomada de decisões regulatórias. Os eventos adversos graves e não descritos nas bulas dos medicamentos possuem prioridadena notificação embora todos os eventos possam ser notificados. Consideram-se também como eventos adversos prioritários para a notificação aqueles relacionados a medicamentos novos (com até cinco anos de comercialização), fitoterápicos, manipulados e isentos de prescrição6,8.
A farmacovigilância é a ciência que analisa e classifica as suspeitas de RAMs, levantando hipóteses, analisando incidência estatística, validando ou descartando a possibilidade dessas reações. RAMs são quaisquer respostas a um fármaco que seja prejudicial, não intencional, e que ocorra nas doses normalmente utilizadas em seres humanos para profilaxia, diagnóstico, tratamento de doenças, ou para a modificação de uma função fisiológica5.
São consideradas reações adversas graves aquelas que causam8:
- ameaça à vida (ou risco de morte);
- hospitalização ou prolongamento desta;
- incapacidade funcional significativa permanente ou persistente;
- anomalia congênita;
- evento clínico significativo, ou seja, reação perigosa ou que necessita de intervenção para prevenir os outros desfechos descritos;
- fatalidade.
A graduação dos eventos adversos segue o preconizado pelas guias de recomendação do National Cancer Institute (NCI) e do National Institutes of Health (NIH) norte-americano, publicado em maio de 2009. De acordo com o Comom Terminology Criteria for Adverse Events (CTCAE) – version 4.0, considerando a gravidade do evento, fica definida como8:
- grau 1: leve;
- grau 2: moderado;
- grau 3: grave;
- grau 4: consequências que representam risco de morte; indicada intervenção urgente;
- grau 5: morte relacionada ao evento adverso.
O processo de notificação dentro dos serviços de oncologia deve seguir alguns critérios quanto à decisão do que notificar, critérios estes estabelecidos pela ANVISA8:
- qualquer reação não descrita na bula ou literatura;
- aumento da incidência de uma RAM descrita em bula ;
- medicamentos comercializados há mais de cinco anos: qualquer suspeita de reação graus 3 e 4, mesmo descrita em literatura;
- medicamentos novos (com menos de cinco anos de comercialização): qualquer reação de todos os graus, mesmo as descritas em bula ou literatura;
- perda de eficácia e/ou suspeita de desvios de qualidade dos medicamentos.
Para se ter uma assistência médica de alta qualidade, a monitorização de medicamentos se torna vital, sendo capaz de inspirar segurança e confiança em pacientes e profissionais da saúde com relação aos medicamentos e contribuir para elevar os padrões da prática médica. Sob esta ótica, a farmacovigilância envolve não somente as reações adversas, mas sim todo e qualquer evento adverso relacionado a medicamentos2. A farmacovigilância pode contribuir para a melhoria da qualidade e adequação do arsenal terapêutico necessário ao tratamento oncológico e seu uso racional, uma vez que permite a detecção precoce de problemas de segurança desconhecidos, identificação de fatores de riscos, sua quantificação e previne que os pacientes sejam afetados desnecessariamente por tais problemas.
O processo de notificação dos eventos adversos e as RAMs em nossa instituição seguem todas as recomendações pertinentes da área e basicamente se dá da seguinte forma: diariamente a equipe da enfermagem relata, via sistema, toda e qualquer reação adversa ocorrida no tratamento do paciente gerando um relatório de intercorrências. Na manhã seguinte o farmacêutico clínico analisa este relatório e avalia se as reações são relacionadas a medicamentos. No caso de RAMs é preenchido um formulário de investigação de evento adverso no qual todas as informações relacionadas ao evento são descritas de forma minuciosa, levando-se em consideração: os dados do paciente, comorbidades, medicamentos de rotina, histórico do evento, medicação suspeita, descrição da reação, interações medicamentosas, reações já conhecida para este medicamento, conduta, evolução do paciente, classificação de causalidade e gravidade da reação. Os eventos que se encaixam em algum dos critérios de notificação listados anteriormente são notificados à ANVISA via formulário on-line de notificações, no sistema Notivisa.
Em vista do exposto, a formação e a manutenção de um serviço de farmacovigilância de qualidade podem contribuir para minimizar os potenciais danos dos medicamentos, visto que constituem objetivos da estratégia de medicamentos da Organização Mundial da Saúde para fortalecer os padrões regulatórios e de garantia da qualidade1. Atualmente vivemos a perspectiva de um futuro cheio de novos fármacos e formulações de terapias alvo moleculares. Para que consigamos esclarecera origem de eventos adversos assim como a criação de protocolos que visem um melhor manejo do paciente em tratamento, garantindo a qualidade de vida, sem haver prejuízo no tratamento padrão, precisamos documentar cada vez mais e melhor os achados relacionados às reações adversas dos produtos oncológicos.
Autor(es):
Márcio Borella -
Raquel Leite -
{jd_file file==19}Referências Bibliográficas
1. Pharmacia Brasileira.nº 82 – Junho/Julho/Agosto 2011;
2. A importância da Farmacovigilância. Organização Mundial da Saúde – Brasília: Organização Pan-Americana da Saúde, 2005. (Monitorização da segurança dos medicamentos), 48p;
3. http://portal.anvisa.gov.br/wps/content/Anvisa+Portal/Anvisa/Pos+-+Comercializacao+-+Pos+-+Uso/Farmacovigilancia(acessado em 06/08/2014);
4. Mota, S. L. M. Reações adversas e farmacovigilância em oncologia. Guia para notificação de reações adversas em oncologia, 1ª Edição, 2007;
5. Duarte, M. L., Notificações de Farmacovigilância em um Hospital Oncológico Sentinela da Paraíba. Revista Brasileira Farmácia Hospitalar Serviços Saúde São Paulo, v.5 nº1 jan-mar 2014;
6. www.anvisa.gov.br(acessado em 13/08/2014);
7. Nunes, P. H. C., et al, Intervenção farmacêutica e prevenção de eventos adversos. Revista Brasileira de Ciências Farmacêuticas. Brazilian Journal of Pharmaceutical Sciences, vol. 44, nº4, out-dez, 2008;
8. Guia para Notificação de Reações Adversas em Oncologia, 2ª Edição, 2011, ANVISA e SOBRAFO;
9. Silva, L. P. et al . Farmacovigilância: conhecimento e ação dos profissionais frente a desvios de qualidade de medicamentos. Revista Brasileira farmácia hospitalar serviços de saúde. São Paulo v. 5 n°1 32-36 jan-mar 2014;
10. Blijham, G. H. Preventions and treatment of organ toxicity during high-dose chemoterapy: an overview. Anti-Cancer Drugs, v.4, p.527-533, 1993;
11. NATIONAL CANCER INSTITUTE (US). Division of cancer treatment and diagnosis. Commom toxicity criteria (Computer Program). Version 4.0 NCI; 2009.