Onconews - Imunoterapia em câncer de pulmão

BALANCO_PULMAO_horiz_bx.jpgNovas abordagens imunoterapêuticas foram desenvolvidas após a demonstração da influência do sistema imunológico da disseminação das neoplasias de pulmão. Em artigo exclusivo, as oncologistas Eldsamira Mascarenhas e Mirela Souto, do Grupo Brasileiro de Oncologia Torácica (GBOT), analisam o cenário da imunoterapia em câncer de pulmão.

*Eldsamira Mascarenhas e Mirela Souto

Estima-se que o câncer de pulmão será a segunda neoplasia em incidência em 2015, responsável por 115.610 casos novos em homens e 105.590 em mulheres, e a primeira causa em mortalidade relacionada ao câncer em ambos os sexos1.

Mesmo com os avanços nas terapias alvo nos últimos anos, não é incomum que o paciente desenvolva resistência aos inibidores de tirosina cinase, o que limita o arsenal terapêutico no cenário da doença metastática.Há muitos anos, a ativação do sistema imunológico vem sendo utilizada como importante arma no câncer de rim e bexiga, com controle do crescimento tumoral e respostas superiores ao tratamento proporcionado por agentes citotóxicos. Nos tumores superficiais de bexiga, a administração intravesical com BCG provoca um aumento do número de células inflamatórias e consequente liberação de citocinas que agem diretamente nas células tumorais2.

A atividade da Interleucina-2 no carcinoma de células renais metastático foi demonstrada nos anos 1980, através da proliferação de células T e células natural killer (NK), que culminou na aprovação da droga cerca de 10 anos depois pelo Food and Drug Administration (FDA)3.

Resultados encorajadores foram evidenciados em pacientes com melanoma e, mais recentemente, estudos revelaram que tumores de pulmão também apresentam mecanismos para burlar o sistema imune no processo de crescimento tumoral. Essas descobertas foram de encontro à teoria de que as neoplasias de pulmão não-pequenas células seriam incapazes de atuar na resposta imune e levaram à aprovação do Nivolumabe em diversos países.
 
O nivolumabe é um anticorpo monoclonal humano IgG4 que inibe a ligação entre PD-1/PD-L1 ou PD1/PD-L2. Primeiramente foi avaliado em um estudo fase 1, multicêntrico, que incluiu pacientes com tumores avançados de diversos sítios. Respostas duradouras (maiores que 12 meses) foram observadas em pacientes com câncer de pulmão não-pequenas células (NSCLC), melanoma, CCR e câncer de ovário4.
 
No cenário do câncer de pulmão de histologia escamosa, estudos fase I e II demonstraram taxas de resposta de 15% e 17%, respectivamente, e sobrevida média global de 8,2 meses e 9,2 meses.5,6 Esses dados levaram ao estudo Checkmate 017, fase III que comparou o Nivolumabe com Docetaxel em pacientes com doença metastática que progrediram em 1ª linha e culminou na aprovação da droga pelo FDA.
 
Um total de 272 indivíduos foram randomizados para o anticorpo na dose de 3mg/kg a cada 2 semanas ou Docetaxel 75mg/m2 a cada 3 semanas. A sobrevida média global, objetivo primário, foi de 9,2 meses para o grupo experimental e 6 meses para o grupo que recebeu quimioterapia (p<0,001). As taxas de sobrevida em um ano foram de 42% e 24%, respectivamente, e taxas de resposta de 20% e 9% (p<0,008). A sobrevida média livre de progressão foi de 3,5 meses para pacientes tratados com imunoterapia e 2,8 meses para os que receberam Docetaxel (p< 0,001). A duração média de resposta não foi atingida para o grupo do Nivolumabe e para o grupo que recebeu quimioterapia foi de 8,4 meses. A expressão da proteína PD-L1 foi avaliada retrospectivamente e não foi fator preditivo ou prognóstico para nenhum dos desfechos e análise do estudo. 7
 
Recentemente, o estudo Checkmate 057 demonstrou um aumento de 3 meses na sobrevida global de pacientes com câncer de pulmão não escamoso que receberam Nivolumabe após falha de terapia de primeira linha baseada em platina em relação ao braço que recebeu Docetaxel. Mais de 500 pacientes com estádio IIIB e IV foram randomizados e o estudo alcançou seu objetivo primário, sobrevida global, com uma redução do risco de morte de 27% para o grupo que recebeu imunoterapia (p=0,0015).
 
Apesar das taxas de resposta não terem sido altas (19%), a duração de resposta para o Nivolumabe foi de 17,2 meses e 5,6 meses para o Docetaxel. A imunohistoquímica para PD-L1 demonstrou uma correlação linear com o grau de expressão da proteína em todos os desfechos analisados. Porém, essa foi uma análise retrospectiva e não deve ser um dado validado na prática clínica8.
 
Os eventos adversos (AEs) mais comuns associados ao nivolumabe foram AEs imuno-relacionados e incluem reações infusionais, fadiga, redução do apetite, diarreia, náusea, erupção cutânea, prurido, artralgia e cefaléia. A maioria dos AEs foi de intensidade leve, com eventos de grau 3 ou grau 4 ocorrendo em 9% a 14% dos pacientes. Os pacientes com reações infusionais de graus 1 ou 2 subsequentemente receberam anti-histamínicos e antipiréticos, e a taxa de infusão foi reduzida. Eventos adversos imunologicamente relacionados incluíram pneumonite (3%), vitiligo (3%) e casos isolados de colite, hepatite, hipofisite e tireoidite (ocorrendo em menos de 1% dos pacientes). Houve três óbitos por toxicidades pulmonares9.
 
O ipilimumabe é um anticorpo monoclonal IgG1 totalmente humano direcionado contra o CTLA-4, o que resulta em um aumento da função e proliferação das células T. A ativação das células T ocorre quando o receptor se liga aos antígenos apresentados pelo complexo principal de histocompatibilidade (MHC) I e II em células apresentadoras de antígeno. Com o intuito de modular a resposta imunológica, há diversos checkpoints imunológicos que podem regular negativamente a ativação das células T, como o CTLA-4. Ele é expresso com a ativação das células T e é responsável por regular negativamente a resposta imunológica ao se ligar aos receptores B7 expressos em células apresentadoras de antígeno. O bloqueio da interação entre o CTLA-4 e B7 tem demonstrado potencializar a resposta imunológica contra células tumorais, levando a uma ativação sustentada das células T, aumento da secreção de citocinas, e inibição duradoura do crescimento tumoral em modelos pré-clínicos10.
 
Após estudo fase II demonstrar benefício em pacientes com histologia escamosa não-pequenas células em análise de subgrupo, um fase III está sendo conduzido para pacientes em primeira linha com Ipilimumabe, Carboplatina e Paclitaxel (braço experimental) versus o mesmo regime sem o anticorpo anti-CTLA-4.(11)
 
O Pembrolizumabe é um anticorpo monoclonal humanizado do tipo IgG4 quese liga ao receptor PD-1 na célula T e bloqueia a sua interação com os ligantes PD-L1 e PD-L2. Ocorre então uma inibição do bloqueio imunológico contra o tumor e consequentemente maior resposta anti-tumoral, já que oimpedimento da ligação entre PD-1/PD-L1 ou PD-1/PD-L2 permite que as células T ativadas secretem citoquinas para ativar a resposta imune antitumoral através do recrutamento de linfócitos-T citotóicos.12
 
O estudo fase I que avaliou a eficácia do Pembrolizumabe no câncer de pulmão não pequenas células teve seus dados recentemente atualizados e envolveu 495 pacientes previamente tratados ou virgens de tratamento para receberem a droga nas doses de 2mg/kg ou 10mg/kg a cada 3 semanas ou 10mg/kg a cada 2 semanas. Apesar da taxa de resposta modesta de 19,4%, a sua duração média foi de 12,5 meses e a sobrevida média livre de progressão de 3,7 meses e global de 12 meses. Todos os desfechos analisados apresentaram melhores resultados para os pacientes sem terapia prévia.
 
Assim como em pacientes com melanoma, não houve diferença de eficácia ou efeitos adversos entre as diferentes doses, e aqueles que apresentavam um escore de pelo menos 50% de expressão de PD-L1 se beneficiaram ainda mais da medicação. Porém, ainda não está claro o verdadeiro impacto da expressão da proteína em termos de prognóstico. Os efeitos colaterais foram semelhantes aos reportados em pacientes com melanoma, exceto por uma maior incidência de pneumonite (<4%).13

Conclusões

Novas abordagens imunoterapêuticas foram desenvolvidas após a demonstração da influência do sistema imunológico da disseminação das neoplasias de pulmão. Agentes direcionados aos checkpoints imunológicos CTLA-4/CD28 e PD-1/PD-L1 contribuem para reduzir o potencial imunológico das células tumorais e vêm demonstrando repostas duradouras dificilmente alcançadas com quimioterápicos citotóxicos. Estudos em andamento estão analisando a combinação desses agentes e novas terapias emergentes estão em fase de desenvolvimento.
 
Autoras: Eldsamira Mascarenhase Mirela Soutosão oncologistas do Núcleo de Oncologia da Bahia, do Hospital Português e membros do Grupo Brasileiro de Oncologia Torácica (GBOT). 

Referências

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4 - Brahmer JR, Tykodi SS, Chow LQ, Hwu WJ, Topalian SL, Hwu P, et al. Safety and activity of anti-PD-L1 antibody in patients with advanced cancer. N Engl J Med. 2012 Jun 28;366(26):2455-65.
 
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8 - http://news.bms.com/press-release/checkmate-057-pivotal-phase-III-opdivo-nivolumab-lung-cancer-trial-stopped-early (Accessed on April 22, 2015).
 
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