Na ASCO 2015, foram apresentados dois grandes estudos mostrando o papel da antiangiogênese (bevacizumabe) em primeira linha paliativa no câncer de endométrio (GOG 86P e MITO-END2), além de dados de segurança do aguardado estudo PORTEC3, que investigou o papel da quimiorradioterapia adjuvante na doença. Em artigo, os oncologistas Eduardo Paulino e Paulo Mora, do Grupo Brasileiro de Tumores Ginecológicos (EVA), comentam esses estudos e o cenário atual no tratamento do câncer de endométrio avançado ou recorrente.
{jathumbnail off}O câncer de endométrio é o câncer ginecológico de maior incidência nos países desenvolvidos1. A maioria dos casos ocorre em pacientes pós-menopausa nas quais o sangramento transvaginal dá o alerta para o diagnóstico. Devido à sintomatologia precoce, a grande maioria dos tumores é diagnosticada em estadios iniciais (cerca de 80% estadio FIGO I) sendo o tratamento nesta situação a cirurgia (histerectomia total, salpingooforectomia bilateral associada ou não à linfadenectomia) com posterior avaliação, baseada em fatores de risco, para radioterapia adjuvante2.
Nos pacientes em estágio avançado pouco se avançou nos últimos anos com relação ao tratamento quimioterápico paliativo. Até a publicação do esquema paclitaxel/adriamicina/cisplatina (TAP) não havia estudo que comprovasse o real benefício da poliquimioterapia3. A combinação de carboplatina e paclitaxel, esquema de fácil aplicação e boa tolerância, tornou-se padrão (devido à experiência de grandes centros e dados de análises retrospectivas) muito antes da publicação do estudo de não inferioridade (GOG 209) que o comparou ao esquema mais tóxico de três drogas (TAP)4.
Atualmente tem se dado muito valor, como em toda a oncologia, no tratamento direcionado às alterações em vias moleculares específicas. As frequentes alterações na via do PI3K-AKT-mTOR, especialmente no subtipo endometrioide, está se tornando uma das mais estudadas vias para tratamento, especialmente com drogas como temsirolimus, everolimus e ridaforalimus. Outras drogas que ganham destaque são os inibidores da FGFR, combinações de hormonioterpia com inibidores de mTOR e antiangiogênicos (cediranibe, trebananibe, bevacizumab).
Na ASCO 2015 foram apresentados dois grandes estudos mostrando o papel da antiangiogênese (bevacizumabe) em primeira linha paliativa (GOG 86P e MITO-END2) e dados de segurança do mais aguardado estudo em câncer de endométrio, o PORTEC3, que trata do papel da quimiorradioterapia na adjuvância.
GOG 86P – Estudo de fase II randomizado de carboplatina/paclitaxel/bevacizumabe, carboplatina/paclitaxel/temsirolimos e carboplatina/ixabepilona/bevacizumabe no tratamento inicial do cancer de endométrio estágio III/IVA mensurável, estágio IVB ou recorrente5 - Carol Aghajanian, M.D.
O estudo randomizado de fase II inclui pacientes com câncer de endométrio estadios III/IVA, IVB e doença recorrente, randomizados 1:1:1 para 6 ciclos de quimioterapia baseada em paclitaxel/carboplatina/bevacizumabe (PCB), ixabepilona/carboplatina/bevacizumabe (ICB), ambos seguidos de manutenção com bevacizumabe, ou paclitaxel/carboplatina/temsirolimus (PCT) seguido de manutenção com temsirolimus. O endpoint primário, e uma das maiores críticas ao estudo, foi a sobrevida livre de progressão comparada ao controle histórico do braço de carboplatina/paclitaxel no estudo GOG 209.
Um total de 349 paciente foram randomizados igualmente para os 3 braços experimentais, com leve diferença nas características com um maior número de indivíduos com histologia serosa para PCT/ICB (23% e 26% respectivamente, comparado a 14% no PCB). Os dados de toxicidade demonstraram nenhum efeito adverso novo, sendo a grande maioria eventos adversos (graus > 2) já esperados pelas medicações estudadas como hipertensão (cerca de 16%) e proteinuria (5%) para o bevacizumabe, e pneumonite (6%), mucosite (15%), e hipertrigliceridemia (4%) para o temsirolimus. Cerca de 25% dos pacientes em todos os braços descontinuaram o tratamento por eventos adversos.
Quando comparados ao controle histórico, os dados de eficácia demonstraram ausência de ganho em taxa de resposta (59% x 55% x 52% x 51% para PCB, PCT, ICB e controle do GOG 209) e SLP. Porém houve um ganho de sobrevida global (SG) quando se comparou o PCB com o controle histórico (34 x 25 x 25 x 22 meses, com p<0.039 para PCB x controle GOG 209).
Outro objetivo do estudo foi coletar dados a respeito das alterações moleculares no câncer de endométrio. Foi observado que até 44% dos tumores endometriais grau 3 apresentavam alterações no genep53, alteração típica dos tumores do tipo II (especialmente no subtipo seroso) e que confere aos pacientes um pior prognóstico.
A conclusão dos autores foi que houve um aumento significativo da SG do braço PCB comparado ao controle do GOG 209, sem diferença nas taxas de resposta e SLP e que esta combinação de PCB merece investigação em estudo randomizado com comparação direta com a combinação de carboplatina e paclitaxel.
MITO-END-2: Estudo randomizado de fase II de carboplatina/paclitaxel (CP) comparado a carboplatina/paclitaxel/bevacizumab (CP-B) em câncer de endométrio avançado (estágio III-IV) ou recorrente6 - Domenica Lorusso, MD
O estudo randomizado de fase II randomizou os pacientes para o tratamento com 6-8 ciclos de quimioterapia com CP versus CP-B com manutenção de bevacizumabe até progressão ou toxicidade inaceitável. O endpoint primário do estudo foi sobrevida livre de progressão (SLP), tendo sobrevida global (SG) e taxa de resposta (TR) como objetivos secundários. Os pacientes foram bem balanceados entre os braços: a maioria com subtipo endometrióide (80%), doença recorrente (65%) e sem radioterapia prévia (85%).
Cerca de 44% dos pacientes no braço de CP-B tiveram atrasos no tratamento e 9% descontinuaram por toxicidade comparado a 22% e 0 %, respectivamente, no controle (p<=0.05). Houve uma maior toxicidade (grau >2) no CP-B, porém eventos já esperados como HAS (21% x 0%, p<0,01) e tromboembolismo (11% x 0%, p=0,01). Doze eventos adversos graves ocorreram com CP-B e nenhum no controle (em particular: trombose venosa e arterial, e infarto do miocárdio).
Os dados de eficácia demonstraram um significativo aumento da SLP para CP-B (8,7 x 13 meses, p=0.036), porém um aumento não significativo da resposta objetiva (54% x 71%) e SG (18 x 23 meses).
Os autores concluíram que o estudo atingiu seu objetivo demonstrando aumento significativo de SLP, e que o esquema CP-B é viável e com toxicidade já prevista pelo bevacizumabe.
PORTEC 3 – Adjuvant chemotherapy and radiation therapy (RT) versus RT alone for women with high-risk endometrial cancer: Toxicity and quality-of-life results of the randomized PORTEC 3 trial7 - Carien L. Creutzberg. MD
O estudo randomizado de fase III incluiu pacientes com diagnóstico de câncer de endométrio endometrioide estadio FIGO IB grau III ou invasão angiolinfática, FIGO II e III, ou histologia serosa e células claras estadios FIGO I-III, com randomização para radioterapia externa pélvica ou radioterapia concomitante à cisplatina 50 mg/m2 por 2 ciclos, seguido por 4 ciclos de carboplatina (AUC 5) e paclitaxel (175 mg/m2) adjuvante.
O estudo teve como endpoints primários a sobrevida global e sobrevida livre de falha. Os endpoints secundários foram qualidade de vida e toxicidade. Na ASCO 2015 foram apresentados os dados do endpoint secundário, com foco nos meses 6, 12 e 24 após a randomização. Os braços foram bem balanceados, com 60% realizando linfadenectomia no estadiamento e 50% estadios I/II.
Com relação à toxicidade (analisada pelo CTCAE v3.0) houve mais eventos adversos G3/G4 no braço do tratamento combinado ao término da radioterapia (35% x 13%) e aos 6 meses (68% x 35%), sendo nesta as mais frequentes hematológica (32% x 8%), neurológica (11% x 2%) e gastrointestinal (14% x 7%). Importante frisar que aos 6 meses foi exatamente quando se terminou os 4 ciclos de quimioterapia adjuvante com carboplatina/paclitaxel. Aos 12 e 24 meses, toxicidades grau 2 permaneceram significativas (neurotoxicidade 12% x 2% e 11% x 2%, respectivamente), porém sem significância para os graus 3 em diante.
Foi observada uma piora da qualidade de vida (analisada com QLQC-30 e OV28) com o tratamento concomitante, com aumento dos escores de sintomas. Nas avaliações de 12 e 24 meses, apesar de uma pequena piora nos escores funcionais (5-6 pontos de diferença) para a quimiorradioterapia, não foi observada uma piora global da qualidade de vida.
Os autores concluíram que o tratamento combinado é viável, apesar de haver um aumento na toxicidade e piora da qualidade de vida principalmente durante e até 6 meses da randomização, que melhora durante o seguimento. A toxicidade neurológica permaneceu como o efeito adverso mais importante.
Autores: Eduardo Paulino, oncologista do Instituto Nacional do Câncer (INCA) e Diretor Financeiro do Grupo Brasileiro de Tumores Ginecológicos (EVA)
Paulo Mora, oncologista do oncologista do Instituto Nacional do Câncer (INCA) e Vice-Presidente do Grupo Brasileiro de Tumores Ginecológicos (EVA)
Referências:
1-R. Siegel, J. Ma, Z. Zou, A. Jemal, Cancer statistics, 2014, CA Cancer J. Clin. 64 (2014) 9–29.
2-SEER Stat Fact Sheets, Endometrial Cancer (2014) http://seer.cancer.gov/statfacts/N. Retrieved 7 April 2015.
3-Fleming GF, Brunetto VL, Cella D et al. Phase III trial of doxorubicin plus cisplatin with or without paclitaxel plus filgrastim in advanced endometrial carcinoma:
a Gynecologic Oncology Group study. J Clin Oncol 2004; 22: 2159–2166.
4-Miller D, Fillaci V, Fleming G, et al.(2012) Randomized phase III noninferiority trial of first line chemotherapy for metastatic or recurrent endometrial carcinoma: A Gynecologic Oncology Group study. Gynecol Oncol 125:771–773
5- J Clin Oncol 33, 2015 (suppl; abstr 5500)
6- J Clin Oncol 33, 2015 (suppl; abstr 5502)
7- J Clin Oncol 33, 2015 (suppl; abstr 5501)