A abordagem neoadjuvante nos tumores de pulmão localmente avançados estádio III é tema de artigo exclusivo do médico Carlos Henrique A. Teixeira (foto), oncologista clínico do Centro de Oncologia do Hospital Alemão Oswaldo Cruz e do Centro Paulista de Oncologia (CPO), do Grupo Oncoclínicas.
Câncer de pulmão não pequenas células (CPNPC) é responsável por 85% dos casos de câncer de pulmão. Aproximadamente 30% são diagnosticados com estadio IIIA N2 (metástases linfonodais em mediastino)1.
Por ser um grupo amplo e heterogêneo de pacientes, a melhor escolha terapêutica é extremamente controversa, já que tanto controle local como à distância são pontos importantes a serem considerados. Neste contexto, o tratamento combinado de quimioterapia e radioterapia concomitantes (QTRT) provou ser melhor que o tratamento isolado com radioterapia (RT) e que o tratamento sequencial2, sendo então a modalidade de tratamento mais empregada nos pacientes com estadio III, ainda que com sobrevida modesta aos 5 anos.
Não obstante, alguns pacientes com doença estadio III podem claramente se beneficiar de cirurgia, o que torna a seleção destes pacientes uma tarefa importante e minuciosa que deve envolver uma equipe multidisciplinar especializada. O uso de exames complementares de maior sofisticação como o PET-CT, EBUS e mesmo a mediastinoscopia ajudam nesta identificação.
Na busca por melhores resultados, vários grupos propuseram o tratamento trimodal com quimio, radio e cirurgia como sendo a pedra angular destes pacientes. No entanto, estudos randomizados não confirmaram tal benefício3–5.
Os pacientes deste estadio que mais se beneficiam do tratamento cirúrgico são aqueles diagnosticados como N2 incidentalmente no pós operatório6, isto é, aqueles que eram clinicamente N0. Nestes pacientes, a utilização da quimioterapia (QT) adjuvante é conduta padrão ratificada por vários estudos randomizados e algumas metanálises mostrando ganhos de sobrevida7. Vale destacar que alguns estudos demonstram que mesmo tumores T1 com exames de imagem negativos para comprometimento linfonodal mediastinal podem ter de 4 a 6% de doença N2 oculta8.
Na outra ponta deste grupo do estadio III estão os pacientes com doença volumosa no mediastino e que prontamente devem ser tratados com RTQT concomitante, não sendo bons candidatos para eventual cirurgia.
Sobrevida em 5 anos tratados com cirurgia | |
N2 microscópico (1 nivel) | 34% |
N2 microscópico (múltiplos níveis) | 11% |
N2 clínico (1 nivel) | 8% |
N2 clínico (múltiplos níveis) | 3% |
Sobrevida de pacientes CPNCP N2 ressecados6
Entre estes extremos, existem pacientes que também podem se beneficiar da cirurgia, principalmente naqueles em que se alcança um downstaging tumoral após indução, quando há um componente mediastinal de cadeia única e não haja lesão bulky (menor que 3cm)9. Com efeito, estes pacientes N2 potencialmente ressecáveis são os de maior interesse para uma terapia neoadjuvante. Para estes pacientes, o último guideline da ESMO sugere três opções de tratamento (quimio de indução seguido de cirurgia, quimio e radio de indução seguido de cirurgia ou QTRT exclusiva), sem recomendação preferencial de um tratamento específico10.
Pontos importantes de uma estratégia de neoadjuvância ou indução são a possibilidade de se implementar um combate imediato de micrometástases e a avaliação da resposta in vivo da quimioterapia. Porém, é necessário destacar alguns pontos potencialmente negativos com esta estratégia, tais como atrasos na cirurgia por conta de complicações com a QT, não obtenção do status real do estadiamento inicial e aumento da morbidade cirúrgica (embora estudos randomizados não tenham demonstrado aumento de mortalidade ou morbidade, com exceção daqueles pacientes que posteriormente foram submetidos à pneumectomia).
Outro ponto de debate é a necessidade de reestadiamento patológico do mediastino após terapia de indução, seja com QT isolada ou com QT e RT. Teoricamente, esse procedimento nos traria informações preciosas quanto à eficácia do tratamento e poderia poupar pacientes da cirurgia nos casos de doença residual. Entretanto, muitos centros não seguem esta estratégia, uma vez que não existe consenso para qual percentual de doença residual deve ou não ser considerado para ressecção11.
Uma interessante pesquisa realizada online com cirurgiões mostrou que 20% seguem com a proposta cirúrgica de pacientes com N2 de baixo volume, independente do grau de resposta linfonodal após terapia de indução12. Vale lembrar que uma segunda mediastinoscopia pode ter um acréscimo em morbidade, principalmente naqueles pacientes que também fizeram radioterapia com a quimio de indução.
O uso da radioterapia associada à quimioterapia neoadjuvante é talvez o ponto de maior controvérsia. É notório o incremento do controle local, regional e também o aumento das taxas de clearance linfonodal e melhor controle das margens com esta estratégia. Entretanto, alguns trabalhos já demonstraram que estes ganhos não resultaram em melhores índices de sobrevida, e houve aumento das taxas de complicações operatórias e fibrose da área cirúrgica, dificultando o procedimento13,14.
Um dos maiores trabalhos publicados focando esta estratégia é um estudo alemão de fase 3 que avaliou o papel da incorporação da radio a um esquema de quimio neoadjuvante. Após a randomização e seguimento de mais de 500 pacientes verificou-se que o tratamento neo com QTRT aumentou o downstaging linfonodal (46 x 29%) e resposta patológica (60 x 20%), mas não houve diferença em sobrevida livre de progressão (9,5 x 10 meses) e sobrevida em 5 anos (16 x 14%)15.
Uma revisão sistemática e metanálise foi publicada em 2012 também focando o papel do acréscimo da RT em esquema de QT neoadjuvante. Neste trabalho, após análise de 156 pacientes de estudos randomizados, os autores concluíram que a radio não incorpora ganhos em sobrevida (HR 0,93); a mesma metanálise também foi efetuada em 183 pacientes de estudos retrospectivos e neste grupo também não houve ganho (HR 0,77)13.
Um estudo europeu mais recente também comparou a inclusão da RT após 3 ciclos de cisplatina e docetaxel neoadjuvante versus QT neo isolada. Após mais de 200 pacientes randomizados, os dados de sobrevida livre de eventos e sobrevida mediana foram similares nos dois grupos16. Um outro estudo bastante elegante que avalia o papel da RT na indução com quimio foi planejado pelo grupo do RTOG (0412), mas foi fechado precocemente por baixa inclusão.
Vale ressaltar que embora o tratamento combinado de QTRT de indução seja ainda muito popular nos EUA, uma pesquisa recente do NCCN verificou que metade das instituições norte americanas fazem terapia de indução com QTRT, e a outra metade apenas com QT.
Em relação ao uso de quimioterapia de indução seguido de cirurgia versus cirurgia, um dos maiores estudos randomizados avaliando esta questão foi conduzido na Europa. O estudo LU22/NALVT/EORTC randomizou mais de 500 pacientes em centros na Grã-Bretanha, Bélgica, Alemanha e Holanda, e demonstrou que a QT de indução é factível, com boa taxa de resposta (49%) e sem piora nas taxas de complicações pós-operatórias. Entretanto, a sobrevida dos dois grupos permaneceu similar (HR-1,02, p=0,86). Vale ressaltar que neste estudo a população estadio III era apenas de 7%17.
O estudo SWOG 9900 focou em estadios mais precoces e também comparou a cirurgia isolada versus quimioterapia neoadjuvante (carboplatina e paclitaxel) seguida de cirurgia. Com mais de 354 pacientes recrutados, o HR para sobrevida livre de doença entre os dois grupos foi de 0,80 (IC 95%: 0,61-1,04, P = 0,10); a mediana de sobrevida global foi de 41 meses (IC 95%: 34-55 meses) no braço de cirurgia isolada e 62 meses (IC 95%: 40-76 meses) no braço com quimioterapia neoadjuvante18. Este estudo foi interrompido precocemente após as publicações favoráveis para a QT adjuvante.
O estudo Chest também avaliou QT de indução (cisplatiana e gemzar) seguido de cirurgia versus cirurgia isolada, em estadios IB-III. A taxa de sobrevida livre de progressão foi de 0,7 (95% CI: 0,50-0,97, P = 0,003) e sobrevida global de 0,63 (IC 95%: 0,43-0,92; P = 0,02) em favor da quimioterapia pré-operatória19. Assim como no SWOG 9900, o estudo foi interrompido precocemente, recrutando menos da metade dos 700 pacientes inicialmente planejados.
Conclusões
Quando o envolvimento patológico linfonodal no mediastino é documentado antes da ressecção cirúrgica, uma abordagem combinada de QTRT é a recomendação padrão com intenção curativa. Como o estadio IIIA é um grupo extremamente heterogêneo, alguns pontos devem ser destacados:
1 - Para os pacientes com doença potencialmente ressecável, ainda é incerto se a cirurgia após tratamento neoadjuvante (indução) com quimioterapia ou quimiorradioterapia melhora a sobrevida. Entretanto, naqueles pacientes que respondem ao tratamento de indução, a cirurgia pode ser importante e adequada, ou seja, pacientes N2 potencialmente ressecáveis não devem ser excluídos da possibilidade cirúrgica;
2 - Para os pacientes com doença irressecável, quimioradioterapia concomitante continua sendo o padrão;
3 - Para os pacientes que não são candidatos a uma abordagem de tratamento combinado, radioterapia isolada pode ser uma opção;
4 – Os dados de estudos mais robustos na adjuvância tornou esta modalidade bem mais popular, ainda que comparativamente o ganho absoluto (5%) em sobrevida seja semelhante ao ganho verificado por metanálise no cenário neoadjuvante20.
Terapia de indução (neoadjuvante) apenas com quimioterapia (preferencial) ou indução com quimioradioterapia pode ser considerado como tratamento inicial para pacientes com comprometimento dos linfonodos do mediastino clinicamente evidente (N2 positivo) quando tal doença é potencialmente ressecável; quimioterapia de indução isolada pode ser apropriado em pacientes com doença mediastinal de baixo volume ou doença N2 microscópica. As vantagens teóricas da terapia de indução já reportadas, além da melhor tolerância e entrega de quimioterapia em comparação com a quimioterapia adjuvante, tornam esta modalidade bastante atrativa. Em nosso serviço, estes pacientes são devidamente discutidos em reuniões multidiscliplinares semanais para definir a melhor estratégia para cada paciente.
Autor:Carlos Henrique A. Teixeira é oncologista clínico no Centro de Oncologia do Hospital Alemão Oswaldo Cruz e no Centro Paulista de Oncologia (CPO), do Grupo Oncoclínicas.
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