Danilo Faleiros (foto), psicólogo hospitalar sênior do Hospital Alemão Oswaldo Cruz (HAOC) e membro da Sociedade Brasileira de Psico-oncologia (SBPO), comenta estudo apresentado na ASCO 2017 ((LBA10001) que avaliou a intervenção psicológica CALM (Managing Cancer And Living Meaningfully). Os resultados apresentados sugerem que a a intervenção pode ajudar os pacientes e suas famílias a gerenciar o impacto prático e emocional do câncer avançado.
*Por Danilo Faleiros
O estudo conduzido por Gary Rodin nos traz reflexões sobre os aspectos que atualmente temos abordado em nossa prática, além de constatar a significância das intervenções psicológicas nos desfechos clínicos para esta população.
Uma das grandes contribuições do estudo é a reflexão de que os profissionais de saúde podem gerir os impactos das informações compartilhadas e não apenas transmiti-las. O que era muitas vezes entendido como função e atribuído apenas à família ou ao próprio paciente, passa a ser responsabilidade do serviço de saúde.
A mudança de paradigma na relação médico-paciente, no que tange ao compartilhamento de informações e decisões sobre o tratamento, trouxe uma dúvida que ainda paira no ar: como ajudar o paciente e sua família a viverem com mais qualidade após a ciência de que o câncer está agora em estágio avançado?
O grande salto deste estudo é focar não apenas na preparação para o fim da vida, mas capacitar o paciente a viver com as implicações da doença neste estágio. Muitos pacientes que estão em estágio avançado e mesmo aqueles que passam para um estágio de tratamento paliativo exclusivo (controle de sintomas não mais focando cura ou retardo da evolução da doença, mas sim a manutenção da qualidade de vida) tendem a ficar impacientes e até angustiados, inclusive com a melhora de performance quando isso é possível (dado a cessação dos efeitos da quimioterapia quando não é mais indicada). Isto acontece, pois há uma tendência em prepará-los para a morte. Morte que pode demorar dias, semanas, meses. E viver sem saber o que fazer, como agir ou o que esperar não é algo fácil.
A metodologia CALM também traz reflexões importantes sobre a prática clínica do Brasil. Há uma tendência cada vez menor, mais ainda persistente, de que os cuidados de qualidade de vida sejam relacionados apenas ao escopo de atuação dos profissionais de saúde mental e áreas afins. O estudo, no entanto, mostra que é possível que outros profissionais (inclusive os próprios médicos oncologistas e equipe de enfermagem) se responsabilizem por programas estruturados de intervenções de cunho emocional. Os cuidados com a saúde emocional passam a ser, como deveriam, dever de todos os envolvidos no processo de cuidados.
Quanto aos domínios de intervenção enfatizados no programa CALM cabe destacar sua abrangência e importância na aplicação prática nos tratamentos de pacientes com doenças avançadas. No programa CALM há o foco básico, o que não quer dizer simples, no tratamento do processo de evolução da doença (manejo de sintomas) e nas relações humanas e de comunicação entre os envolvidos. Mas há também uma preocupação de gerenciamento e reconstrução desta “nova pessoa” que surge após a constatação da fase avançada da doença. A ênfase do programa também está no entendimento do próprio paciente sobre quem ele é no momento (autoconceito), no que ele se tornou dentro do seu ciclo social/familiar e a relação dele com seu futuro (e a inexistência do mesmo da forma antes planejada). A intervenção deste domínio traz a possibilidade de uma reconstrução existencial condizente com a realidade inexorável. Não se trata apenas do ser que está se esvaindo, mas da pessoa que ainda existe somada às novas limitações e possibilidades.
Esse empoderamento das relações de tratamento, somado ao melhor entendimento existencial, pode trazer ao paciente e à sua família o ajustamento necessário para vivenciar este momento de forma digna e profícua. Não obstante, este estudo pode diminuir a ansiedade da equipe médica, principalmente do oncologista, em ter uma comunicação franca e sincera com seu paciente/família, já que ele sabe que pode contar com intervenções psicológicas que se mostraram efetivas no controle de sintomas depressivos em pacientes.
Autor: *Danilo Faleiros é psicólogo pela Universidade Federal de São Carlos (UFSCar), psicólogo hospitalar sênior do Hospital Alemão Oswaldo Cruz, e membro da Sociedade Brasileira de Psico-oncologia (SBPO).
Referência: Abstract LBA10001: Managing cancer and living meaningfully (CALM): A randomized controlled trial of a psychological intervention for patients with advanced cancer. - Citation: J Clin Oncol 35, 2017 (suppl; abstr LBA10001) - - Gary Rodin et. Al
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