Onconews - Novos rumos no câncer de cabeça e pescoço

CP NET OKSem mudança de conduta, estudos em câncer de cabeça e pescoço apresentados na ASCO 2018 sugerem novos caminhos e levantam questões importantes da prática diária. Confira a análise dos oncologistas Aline Lauda Chaves e Thiago Bueno, do Grupo Brasileiro de Câncer de Cabeça e Pescoço (GBCP).

 

Abstract 6000 - Randomized phase III study of nimotuzumab in combination with concurrent radiotherapy and cisplatin versus radiotherapy and cisplatin alone, in locally advanced squamous cell carcinoma of the head and neck.

Estudo fase III avaliou 563 pacientes com câncer de cabeça e pescoço localmente avançados submetidos a quimioterapia concomitante a radioterapia com ou sem nimotuzumabe, um anticorpo monoclonal anti-EGFR utilizado na Índia, China e Cuba, ainda não disponível no Brasil. Com um folllow-up mediano de 33 meses, o estudo mostrou-se positivo no seu endpoint primário (sobrevida livre de progressão) – 58.9 x 49.5% (HR 0.74, IC 0,56 – 0,95; p= 0.022), a favor do tratamento que incluía nimotuzumabe. Outros endpoints secundários também foram positivos como controle locoregional e sobrevida livre de doença). Não houve diferença na sobrevida global, justificada pelos dados ainda imaturos em relação a este endpoint. Apesar de ser um estudo positivo, a grande crítica é a dose de cisplatina semanal utilizada (30mg/m2).

Abstract 6001 - Definitive cetuximab-based (CRT-CX) vs. non-cetuximab based chemoradiation (CRT) in older patients with squamous cell carcinoma of the head and neck (HNSCC): Analysis of the SEER-Medicare linked database.

Uma análise do SEER avaliou 2135 pacientes idosos (acima de 65 anos) comparando o tratamento de quimioterapia concomitante a radioterapia versus cetuximabe concomitante a radioterapia nesta população. O grupo submetido a cetuximabe e radioterapia apresentou piora da sobrevida global (p<0.005) quando comparado aos pacientes submetidos a quimioterapia concomitante a radioterapia. Esse resultado se manteve após análise multivariada e ajuste para outras variáveis como comorbidades, sítio primário, raça, gênero e estado civil.

Desintensificação de tratamento no câncer de orofaringe HPV positivo

Abstract 6003 - Treatment deintensification to surgery only for stage I human papillomavirus-associated oropharyngeal cancer.

A cirurgia isolada piora a sobrevida em pacientes de risco baixo e intermediário em comparação com cirurgia seguida de radioterapia com ou sem quimioterapia? Pesquisadores avaliaram a questão em uma coorte extraída do National Cancer Data Base (2010 - 2014) com 2.463 pacientes com câncer de orofaringe HPV positivo, classificados como estádio I pela AJCC 8ª edição. Os pacientes foram classificados em baixo risco (até 1 linfonodo positivo e sem outras características adversas) e risco intermediário (2 a 4 linfonodos positivos, extravasamento capsular microscópico ou invasão angiolinfática). Pacientes de alto risco (margens positivas ou extravasamento capsular macroscópico) foram excluídos. A sobrevida em 4 anos foi semelhante para todos os grupos de tratamento.

Abstract 6004 - Phase II study: Induction chemotherapy and transoral surgery as definitive treatment (Tx) for locally advanced oropharyngeal squamous cell carcinoma (OPSCC): A novel approach.

Estudo avaliou 20 pacientes com câncer de orofaringe HPV positivo, localmente avançado, submetidos a quimioterapia neoadjuvante com cisplatina e docetaxel seguida de TORS (transoral robotic surgery). Resposta patológica completa local foi vista em 15 pacientes e 13 pacientes apresentaram resposta completa linfonodal. Após um seguimento mediano de 21 meses, 18 pacientes estavam vivos sem evidência de doença. Três pacientes apresentaram recidiva local após uma média de 2.2 meses após a cirurgia e foram tratados com quimio concomitante a radioterapia de resgate. O trabalho levanta a hipótese da omissão da radioterapia para este perfil de pacientes.

Mucosite

Abstract 6006 - Results of a randomized, placebo (PBO) controlled, double-blind P2b trial of GC4419 (avisopasem manganese) to reduce duration, incidence and severity and delay onset of severe radiation-related oral mucositis (SOM) in patients (pts) with locally advanced squamous cell cancer of the oral cavity (OC) or oropharynx (OP).

Dois estudos fase II avaliaram o tratamento da mucosite nos pacientes com CCP submetidos a quimio e radioterapia. No primeiro estudo Anderson e colaboradores avaliaram se a droga avisopasem (GC4419) – uma superóxido dismutase – diminuiria o tempo e incidência de mucosite severa. Duzentos e vinte e três pacientes foram randomizados entre a avisopasen e placebo. O estudo foi positivo, sendo que a duração da mucosite grau III e IV diminuiu de 19 dias (placebo) para 1,5 dias (avisopasen 90mg). A incidência de mucosite grau III e IV também reduziu de 65% (placebo) para 43% (avisopasen 90mg).

Abstract 6007 - Phase II trial of high-dose melatonin oral gel for the prevention and treatment of oral mucositis in H&N cancer patients undergoing chemoradiation (MUCOMEL).

Em outro estudo, Losano e colaboradores compararam gel de melatonina versus placebo na redução da mucosite em pacientes submetidos a quimio (ou cetuximabe) concomitante a radioterapia. O estudo foi positivo, com redução da mucosite, principalmente nos pacientes submetidos a quimio concomitante a radioterapia. Atualmente estudos fase III estão sendo conduzidos com ambas as drogas para confirmação da eficácia destas estratégias de tratamento da mucosite.

Tratamento sistêmico

Abstract 6008 - Multicenter phase II trial of palbociclib, a selective cyclin dependent kinase (CDK) 4/6 inhibitor, and cetuximab in platinum-resistant HPV unrelated (-) recurrent/metastatic head and neck squamous cell carcinoma (RM HNSCC).

No tratamento sistêmico, o único estudo apresentado na sessão oral foi um estudo fase II com palbociclibe e cetuximabe em pacientes com CCP HPV negativo recidivado ou metastático. Pacientes com CCP HPV negativo apresentam uma inativação de p16 e/ou amplificação da ciclina D1, que resultam na hiperativação do complexo CDK/ciclina D e inativação de Rb. Essa desregulação da expressão da ciclina D1 é um mecanismo de resistência aos inibidores de EGFR. Palbociclibe é um potente inibidor de CDK4/6. Estudo fase I demonstrou segurança do seu uso concomitante ao cetuximabe. Neste estudo fase II apresentado na ASCO 2018, 30 pacientes com CCP HPV negativo platino refratários foram tratados com palbociclibe concomitante a cetuximabe: a taxa de resposta global foi 35%, sobrevida livre de progressão foi 6.4 meses e sobrevida global foi 12.1 meses. Comparado a controles históricos há um claro benefício da combinação, que está sendo avaliado em estudo fase III.

Imunoterapia no CCP

Abstract 6009 - A phase II randomized trial of nivolumab with stereotactic body radiotherapy (SBRT) versus nivolumab alone in metastatic (M1) head and neck squamous cell carcinoma (HNSCC).

Estudo prospectivo e randomizado de fase II avaliou o efeito abscopal em pacientes com câncer de cabeça e pescoço metastático (abstract 6009). Foram randomizados 53 pacientes com doença metastática candidatos à imunoterapia, com pelo menos uma lesão mensurável e uma lesão passível de radioterapia estereotáxica (SBRT), para tratamento com nivolumabe isolado ou associado a SBRT. Não houve diferença em taxa de resposta (26,9 x 22,2% para nivo isolado ou associado a SBRT, respectivamente – p=0,94), duração de resposta (p=0,21), sobrevida livre de progressão (p=0,80) ou sobrevida global, com SG em 1 ano de 64% para nivo isolado versus 53% para nivo + SBRT (p=0,79).

Abstract 6010 - Safety evaluation of nivolumab (Nivo) concomitant with cetuximab-radiotherapy for intermediate (IR) and high-risk (HR) local-regionally advanced head and neck squamous cell carcinoma (HNSCC): RTOG 3504.

Um segundo estudo avaliou a segurança da combinação de nivolumabe associado à radioterapia concomitante com cetuximabe ou cisplatina no tratamento de câncer de cabeça e pescoço localmente avançado. Foram analisados 10 pacientes incluídos na coorte de tratamento de nivolumabe + cetuximabe, com o objetivo de evidenciar toxicidade dose limitante. Não foram evidenciadas toxicidades dose limitantes e o tratamento foi considerado seguro. Além disso o estudo previa o uso de 7 doses de nivolumabe adjuvante, após o término da radioterapia, estratégia que também foi factível e segura. Resultados de eficácia, bem como análises da coorte tratada com cisplatina são aguardados.

Abstract 6011: Neoadjuvant anti-OX40 (MEDI6469) prior to surgery in head and neck squamous cell carcinoma.

Por último, estudo de fase 1b avaliou um anticorpo agonista do OX-40 (MEDI6469) neoadjuvante à cirurgia em vários intervalos de doses, em pacientes com doença localmente avançada candidatos a tratamento cirúrgico com intuito curativo. Foram avaliados 17 pacientes com estagio III e IV ressecáveis (11 HPV negativos e 6 HPV positivos), que receberam 3 doses da droga num intervalo de até 6 dias seguido de cirurgia após 2 dias, 1 semana ou 2 semanas do término do tratamento. O MEDI6469 foi bem tolerado, não houve atrasos na cirurgia e não houve toxicidades G3 ou G4. Análise translacional revelou que a administração da droga resultou no aumento da ativação e proliferação de células T no tumor, com pico após 2 semanas. Estudos de next generation sequencing e carga tumoral estão em andamento, e a droga parece promissora no tratamento de pacientes com câncer de cabeça e pescoço.

Abstract 6013 - Health-related quality of life (HRQoL) of pembrolizumab (pembro) vs standard of care (SOC) for recurrent/metastatic head and neck squamous cell carcinoma (R/M HNSCC) in KEYNOTE-040.

Trabalhos sobre imunoterapia também fizeram parte da sessão de discussão de pôsteres. Foram reportados os resultados de qualidade de vida do estudo Keynote 040. Neste estudo, pembrolizumabe trouxe um benefício clinicamente significativo em sobrevida global, em pacientes com câncer de cabeça e pescoço recidivado ou metastático após falha a terapia baseada em platina. Além disso, na análise apresentada na ASCO, houve benefício do pembrolizumabe também em desfechos de qualidade de vida.

Abstract 6014 - Association of immune-related adverse events (irAEs) with improved response, progression-free survival, and overall survival for patients with metastatic head and neck cancer receiving anti-PD-1 therapy.

Dois outros trabalhos reportaram resultados que já estão sendo evidenciados em outras neoplasias, como câncer de pulmão. O primeiro deles avaliou 108 pacientes com doença recidivada ou metastática tratados com terapia anti-PD1, e demonstrou que o desenvolvimento de eventos adversos imuno-mediados se correlaciona com melhores taxas de reposta (30 x 12% - p=0,02), sobrevida livre de progressão (mediana de 6,9 x 2,1 meses – p=0,0004) e sobrevida global (mediana de 12,5 x 6,8 meses – p=0,007). Um segundo trabalho (Abstract 6015) demonstrou que as taxas de resposta a quimioterapia de resgate após falha de terapia anti-PD1 são significativamente maiores em comparação com controles históricos no mesmo cenário (31% de taxa de resposta).

Abstract 6016 - A phase 1b/2 trial of lenvatinib plus pembrolizumab in patients with squamous cell carcinoma of the head and neck.

Por último, estudo prospectivo de fase 1b/2 avaliou a combinação de pembrolizumabe com lenvatinibe, um inibidor de multi-quinase. Foram incluídos 22 pacientes portadores de câncer de cabeça e pescoço recidivado ou metastático, com até 2 linhas de tratamento prévio. A combinação desmonstrou taxas de resposta bastante promissoras, de 41%, que é maior que o esperado nessa população de prognóstico reservado. Cabe chamar a atenção que, avaliando o gráfico de resposta (waterfall plot), 21 dos 22 pacientes apresentaram alguma redução de suas lesões alvos. Outrsos desfechos também tiveram resultados promissores com duração mediana de resposta de 8,2 meses de sobrevida livre de progressão mediana também de 8,2 meses. Entretanto este benefício veio às custas de toxicidade significativa com 73% dos pacientes apresentando toxicidade G3 ou G4 (na maioria relacionado ao lenvatinibe) e 77% dos pacientes necessitando redução de dose. A combinação é promissora, mas necessitará de ajustes na posologia ou atenção redobrada nos efeitos adversos.

Análises de banco de dados

Abstract 6005 - Survival outcomes by HPV status in non-oropharyngeal head and neck cancers: A propensity score matched analysis of population level data.

Análise do National Cancer Data Base avaliou a sobrevida em pacientes com CCP HPV em outros subsítios que não orofaringe através de análise por escore de propensão. Avaliaram positividade para HPV 16 e 18; 27.954 casos foram incluídos – sendo que pacientes com câncer de hipofaringe (todos estádios) e câncer de laringe (estádio III e IV) HPV positivo apresentaram melhor sobrevida quando comparados aos seus pares HPV negativo. Apesar de numericamente superior (com tendência a melhora da sobrevida), pacientes com câncer de cavidade oral não apresentaram melhora da sobrevida quando comparados HPV positivo e negativo. Estes dados, se confirmados em estudos prospectivos, poderão ter impacto na prática clínica no futuro.

LBA6002 - Are women with head and neck cancer undertreated?

Um outro estudo de análise de banco de dados (Kaiser Permanent Northern California) avaliou pacientes com CCP localmente avançado tratados entre 2000 e 2015. Utilizando modelo estatístico de GCE (Generalized Competing Events) para estratificar pacientes de acordo com seu tratamento e risco de morte – foi demonstrado que mulheres tinham maior probabilidade de serem submetidas a tratamentos menos intensos (tanto quimio quanto radioterapia), apresentando maior risco de morte por CCP. Este estudo retrospectivo levantou a questão se mulheres eram subtratadas na prática clínica.