Dois estudos que serão apresentados na ESMO 2018 avaliam a frequência do uso de terapias integrativas e complementares em pacientes com sarcomas, bem como as informações sobre segurança, riscos e potencial de interações entre tais práticas e tratamentos com terapias antineoplásicas. Os trabalhos mostram que pacientes com sarcoma apresentam grande propensão ao uso de medicamentos alternativos e complementares (CAMs) para cuidados de suporte, mas estão mal informados sobre questões de segurança e risco de interações com drogas anticâncer.
Em um dos estudos, uma equipe do Hospital Universitário de Mannheim, Alemanha, investigou os tipos e modos de uso de terapias não convencionais em 152 pacientes com sarcoma, tumor estromal gastrointestinal (GIST) e tumores desmoides tratados em um centro de sarcoma. Durante 4 meses (entre 1º de janeiro e 30 de abril de 2018), os pesquisadores realizaram uma pesquisa estruturada que considerou CAMs como uma ampla gama de práticas, incluindo suplementação de vitaminas ou minerais, ervas curativas chinesas, homeopatia, acupuntura, meditação, yoga, Tai Chi ou mudanças nos hábitos alimentares (como dieta cetogênica ou vegana). Os principais resultados mostraram que 51% dos participantes usaram métodos alternativos ao longo da vida e 15% deles apenas durante a doença, paralelamente ao tratamento de câncer. Além disso, em 44% dos pacientes o diagnóstico de câncer despertou o interesse por tais terapias.1
"Descobrimos que vitaminas e minerais são muito populares. A vitamina D está na posição de liderança, seguida por selênio, zinco e vitamina C. Além disso, está aumentando o interesse pela vitamina B17", destacou Peter Hohenberger, supervisor do trabalho.
O estudo também demonstrou que apesar da popularidade das terapias não convencionais entre os pacientes, ainda faltam informações claras sobre seus efeitos colaterais e potenciais interações com outras drogas. Na pesquisa, 60% dos pacientes reconheceram que as informações que tinham sobre questões de segurança das terapias integrativas e complementares eram insuficientes, embora mostrassem pouca preocupação com possíveis riscos. "Quando observamos as fontes de informação sobre as práticas não convencionais, os oncologistas representaram apenas 7%. Inclusive, os pacientes mencionaram repetidamente que estavam positivamente surpresos com o nosso interesse no uso de CAMs", observou.
Entre os meios utilizados pelos pacientes para se informar sobre terapias integrativas e complementares estão a internet e outros meios de comunicação (43%), amigos (15%) e outros profissionais de saúde (14%). “Apesar disso, ao procurar informações sobre efeitos colaterais de terapias contra o câncer ou como lidar com esses efeitos, quase metade dos pacientes perguntou ao seu oncologista", disse Hohenberger.
Para Markus Joerger, oncologista do Hospital Cantonal, em St. Gallen, Suíça, a baixa percepção de risco associada às CAMs entre os pacientes é um grande problema. "Os pacientes tendem a acreditar que suplementos ou ervas são geralmente seguros, mas eles não são isentos de risco. Na prática diária, se você não sabe o que seu paciente está tomando como medicina alternativa, o risco de interações pode aumentar significativamente e ter impacto nos resultados clínicos". Joerger acrescentou que os oncologistas devem tentar preservar seu papel como fonte primária de informações para pacientes com câncer: "Não devemos demonizar a Internet ou outras fontes de informação, mas obter informações fora do cenário clínico pode ser enganoso. Os pacientes precisam saber que podem discutir com seu oncologista qualquer escolha relacionada à saúde e ser aconselhados sobre diferentes opções quando desejam reduzir o estresse relacionado ao tratamento do câncer ou se sentir melhor", afirmou.
Interações droga-droga
Na ESMO 2018, uma revisão retrospectiva envolvendo 202 pacientes com sarcoma submetidos a tratamento com quimioterapia ou inibidores de tirosina quinase relatou que 18% das principais interações droga-droga (DDI) ocorreram no período do estudo (2014-2018) e que a reconciliação médica, fazendo um inventário de todos os medicamentos prescritos aos pacientes, é aconselhada antes do início do tratamento do câncer para prevenir efeitos adversos ou tratamentos ineficazes.2 No estudo, a DDI foi mais frequente com inibidores da tirosina quinase, enquanto a gencitabina foi associada a um risco significativamente menor.
"Em nossa revisão, 29% das interações drogas-drogas que exigiram intervenções farmacológicas foram associadas a medicamentos alternativos e complementares. Os riscos de interações com medicamentos não convencionais são os mesmos de outras comedicações, principalmente aumento da toxicidade e perda de eficácia do tratamento anticâncer. No entanto, muitas vezes temos menos informações sobre a composição desses produtos e seu risco de toxicidade ou interação quando utilizado em combinação com outros agentes", afirmou Audrey Bellesoeur, médica oncologista da Universidade Paris Descartes, França, e principal autora do estudo.
Segundo Joerger, caracterizar o risco de DDI será cada vez mais relevante, uma vez que mais opções de cuidados estão disponíveis e os pacientes recebem cada vez mais co-medicações, ainda não rotineiramente verificadas quanto a interações drogas-drogas. “A revisão médica por um farmacêutico clínico certamente pode ser uma estratégia eficaz para evitar ou limitar essas interações”, observou.
No entanto, o especialista acrescenta que os centros de câncer devem investir em medicina integrativa que combina tratamentos médicos anticâncer com terapias não convencionais. “O oncologista médio tem conhecimento insuficiente sobre esses métodos alternativos, e isso se deve principalmente à falta de estudos e bancos de dados no campo. Mais esforços são necessários para entender como administrar tratamentos mistos com segurança e construir experiência para melhor orientar nossos pacientes", concluiu.
Um primeiro passo para construir conhecimento no campo é chegar a um consenso sobre o significado da oncologia integrativa. Por esta razão, a ESMO encoraja oncologistas e outros profissionais de saúde a usar a definição mais precisa de medicina complementar e integrativa (CIM) quando se refere a todos os tratamentos complementares sendo usados lado a lado com terapias convencionais em ambientes controlados, ao invés da sigla CAMs, que tradicionalmente inclui também tratamentos usados como substitutos da medicina com base científica.
Com base nas evidências coletadas até o momento no cenário do câncer de mama, a ESMO reconheceu os benefícios do exercício físico, programas de redução do estresse baseado em mindfulness, hipnose, ioga e acupuntura em cuidados de suporte, enquanto o uso de suplementos antioxidantes, ervas, minerais, terapia com oxigênio e ozônio, enzimas proteolíticas, fitoestrogênios, altas doses de vitaminas não são recomendados, pois não demonstraram estar associados a efeitos benéficos ou contribuíram para desfechos negativos3.
Referências:
1 Abstract 1655P_PR 'The use of complementary and alternative medicine (CAM) in sarcoma patients' - Poster Display Session – Segunda-feira, 22 de outubro, 12:45 a 13:45 (CEST) - Poster Area Networking Hub - Hall A3. Annals of Oncology, Volume 29 Supplement 8 October 2018
2 Abstract 1632P_PR 'Characterizing the risk of drug-drug interactions in sarcoma treated patients: role of pharmacist integration' - Poster Display Session - Segunda-feira, 22 de outubro, 12:45 a 13:45 (CEST) - Poster Area Networking Hub - Hall A3. Annals of Oncology, Volume 29 Supplement 8 October 2018
3 F. Cardoso et al. 4th ESO-ESMO International Consensus Guidelines for Advances Breast Cancer (ABC 4). Annals of Oncology 29: 1634-1657, 2018