Pacientes com câncer de reto localmente avançado com tumores que respondem à quimioterapia neoadjuvante podem abrir mão da radioterapia com segurança, reduzindo os efeitos colaterais de curto e longo prazo e melhorando a qualidade de vida sem comprometer a eficácia do tratamento. Os resultados são do estudo de Fase 3 PROSPECT1 foram apresentados em Sessão Plenária no ASCO 2023 (LBA2), com publicação simultânea na New England Journal of Medicine (eficácia) e no Journal of Clinical Oncology (resultados relatados pelo paciente). "O estudo PROSPECT finalmente encerra uma longa discussão sobre o não-emprego de radioterapia neoadjuvante a pacientes com baixo risco de recidiva locorregional", observam os coloproctologistas Bruna Vailati e Rodrigo Perez.
A radiação com sensibilização de fluoropirimidina (5FUCRT) é o tratamento de intenção curativa padrão para o câncer retal localmente avançado (LARC) e, apesar de melhorar a sobrevida livre de doença (DFS), diminuindo a recorrência pélvica, confere toxicidade de curto e longo prazo.
“À medida que desenvolvemos novas terapias, também estamos explorando onde podemos eliminar terapias tóxicas para o bem-estar de nossos pacientes. Os achados deste estudo nos permitem fazer exatamente isso, mostrando que podemos omitir a radioterapia para alguns pacientes, melhorando a qualidade de vida com os mesmos resultados. Essas descobertas que mudam a prática são significativas, mesmo com o cenário de tratamento para esses pacientes continuando a evoluir”, disse Pamela L. Kunz, especialista da ASCO.
Os pacientes elegíveis tinham câncer de reto cT2N+, cT3N-, cT3N+ considerado adequado para terapia neoadjuvante antes da ressecção anterior baixa com excisão total do mesorreto (TME). Pacientes com tumores T4 distais, margens radiais ameaçadas ou > 4 linfonodos aumentados foram inelegíveis.
Os pacientes foram randomizados 1:1 sem cegamento. Os pacientes do grupo controle receberam o tratamento padrão de quimiorradiação (5FUCRT com 5.040 cGy durante 5,5 semanas com capecitabina ou 5FU) antes da cirurgia. Os pacientes no grupo de intervenção receberam 6 ciclos de mFOLFOX6 seguidos de reestadiamento.
Se o tumor respondesse bem ao mFOLFOX6 e diminuísse em 20% ou mais, os pacientes eram imediatamente operados. Se o tumor não diminuísse em 20% ou mais ou o paciente fosse incapaz de continuar com mFOLFOX6, eles recebiam a mesma quimiorradiação que o grupo controle antes da cirurgia.
A sobrevida livre de doença (DFS) foi o desfecho primário, definida como o tempo desde a randomização até qualquer recorrência ou morte, analisado na população por protocolo. A não inferioridade (NI) da intervenção poderia ser reivindicada se o limite superior do intervalo de confiança (CI) 2-sided de 90,2% do hazard ratio DFS não excedesse 1,29 (margem NI). Os endpoints secundários incluíram sobrevida global (OS), sobrevida livre de recorrência local, ressecção R0, resposta patológica completa (CR) e toxicidade.
Resultados
Entre junho de 2012 a dezembro de 2018, 1.194 pacientes foram randomizados e 1.128 iniciaram o tratamento atribuído pelo protocolo. A mediana de idade foi de 57 anos, 34,5% eram mulheres e 61,9% tinham gânglios clinicamente positivos.
No grupo controle, 543 pacientes receberam quimiorradiação com 28 tratamentos de radiação durante 5,5 semanas antes de uma ressecção anterior baixa com excisão total do mesorreto. No grupo de intervenção, 585 pacientes receberam seis ciclos de quimioterapia mFOLFOX6, seguida de reestadiamento do tumor. No grupo de intervenção, 53 pacientes (9%) precisaram de radioterapia antes da cirurgia porque os tumores não encolheram 20% ou mais. Após a cirurgia, médicos e pacientes podiam optar por receber quimioterapia adicional, e a maioria dos pacientes em ambos os grupos passou a receber mais quimioterapia mFOLFOX6 no pós-operatório. A sobrevida livre de doença foi analisada após 227 eventos e acompanhamento médio de 58 meses.
A sobrevida livre de doença em 5 anos foi comparável em 78,6% para pacientes que receberam quimiorradiação pré-operatória no grupo controle e 80,8% para pacientes que receberam quimioterapia pré-operatória com uso seletivo de quimiorradiação.
A sobrevida global foi de 90,2% no grupo de quimiorradiação e 89,5% no grupo mFOLFOX6 com quimiorradiação seletiva; as taxas de ressecção cirúrgica (remoção completa do tumor e tecido circundante) foram de 97,1% no grupo de quimiorradiação e 98,8% no grupo mFOLFOX6 com quimiorradiação seletiva; e as taxas de recorrência local foram muito baixas e semelhantes para ambos os grupos (2%). A resposta patológica completa foi de 24,3% no grupo de quimiorradiação e 21,9% no grupo mFOLFOX6 com quimiorradiação seletiva.
“Este estudo estabelece a terapia pré-operatória com FOLFOX e apenas o uso seletivo de quimiorradiação para pacientes com câncer retal localmente avançado”, disse Deb Schrag, principal autora do estudo e Diretora do Departamento de Medicina do Memorial Sloan Kettering Cancer Center. “Ter essa opção é importante por vários motivos. Primeiro, em muitas partes do mundo, a radioterapia não é facilmente acessível. Uma abordagem totalmente quimioterápica pode tornar o tratamento de intenção curativa acessível para pacientes nesses ambientes com recursos limitados. Além disso, dadas as taxas crescentes de câncer colorretal em pacientes jovens, isso oferece uma opção para pacientes que desejam preservar a fertilidade ou evitar a menopausa precoce”, acrescentou.
O estudo continuará acompanhando os participantes e coletando dados adicionais sobre sobrevida livre de doença, sobrevida global, sobrevida livre de recorrência local e outros desfechos secundários por oito anos. Estudos futuros avaliarão as amostras biológicas coletadas durante este estudo para verificar se há alguma característica tumoral associada a uma maior probabilidade de responder à quimiorradiação ou responder à quimioterapia mFOLOFOX6.
Outcomes | 5FUCRT | FOLFOX with selective 5FUCRT | Hypothesis testing | HR (CI)* | P& |
N treated per protocol | 543 | 585 | |||
5-yr DFS, % | 78.6 (75.4-81.8) | 80.8 (77.9-83.7) | Non-Inferiority | .92 (.74-1.14) | .0051 |
5-yr Local Recurrence Free Survival, % | 98.4 (97.3-99.6) | 98.2 (97.1-99.4) | Superiority | 1.18 (.44-3.16) | .74 |
5-yr OS, % | 90.2 (87.6-92.9) | 89.5 (87.0-92.2) | Superiority | 1.04 (.74-1.44) | .84 |
#R0 resection % | 97.1 | 98.9 | Superiority | .094 | |
#Pathologic CR, % | 24.3 | 21.9 | Superiority | .35 |
*Two-sided 90.2% CI for DFS and two-sided 95% CI for 2° endpoints. &One-sided NI testing for DFS and two-sided superiority testing for 2° endpoints. #Among patients who had TME.
O estudo foi financiado pelo National Cancer Institute/National Institutes of Health.
Prospect trial – O estudo necessário...para reforçar o óbvio?
Por Bruna Vailati e Rodrigo Perez
O tratamento do câncer de reto tem se tornado cada vez mais complexo, com múltiplas alternativas terapêuticas. O estudo PROSPECT recentemente publicado finalmente encerra uma discussão longa sobre o não-emprego de radioterapia neoadjuvante a pacientes com baixo risco de recidiva locorregional. Desde a publicação do estudo MERCURY demonstrando o papel da ressonância magnética em identificar pacientes com baixo risco para recidiva local, tem sido proposta uma estratégia seletiva de evitar a radioterapia a pacientes de câncer de reto sem margem circunferencial ameaçada e sem intenção de preservação de órgão.2 Apesar dos baixos índices de recidiva local nestes pacientes do estudo MERCURY, a ausência de um braço controle e um desenho randomizado do estudo impediram sua aceitação por muito tempo. Finalmente, um estudo randomizado especificamente dedicado a pacientes sem alto risco para recidiva local e não-candidatos para preservação de órgão foi capaz de demonstrar que a ausência de radioterapia não teve qualquer impacto negativo na sobrevida livre de doença ou controle local. Os benefícios de evitar a radioterapia neste contexto clínico deverá ter consequências significativas para o tratamento de um grande número de pacientes, desde o tempo de espera para radioterapia, assim como complicações pós-operatórias e, em última análise, na qualidade de vida e função evacuatória.
O estudo ainda permite algumas outras observações interessantes. Primeiro, o grupo controle com quimiorradiaterapia (QRT) aos moldes antigos talvez não tenha sido a melhor opção. A ausência de quimioterapia de consolidação neste grupo pode ter subestimado a sobrevida livre de recidiva. Neste contexto, era de se esperar que 6 ciclos de quimioterapia neoadjuvante tivessem resultado em benefícios na sobrevida destes pacientes, fato que não foi observado. Segundo, há que considerar que de acordo com o desenho do estudo, possa ter havido um número significativo de super tratamento (overtreatment). Isso ocorre porque muitos pacientes teriam recebido oxaplatina de maneira desnecessária (pacientes com N0), assim como pacientes com ausência de ctDNA após tratamento cirúrgico, que segundo estudo recentemente publicado não têm beneficio de qualquer tratamento complementar.3
Neste contexto, é possível que 6 ciclos de quimioterapia neoadjuvante ainda mereça comparação com pacientes submetidos a sequência clássica de cirurgia e quimioterapia adjuvante seletiva para obter resultados semelhantes de sobrevida evitando tratamento desnecessário a um número significativo de pacientes.
Sem dúvida nenhuma, o PROSPECT muda de forma significativa o tratamento de pacientes sem risco de recidiva local ou interesse em preservação de órgão, embora muitos pensem que os resultados aqui seriam óbvios. No fim das contas, cN1 não deve ser indicação de radioterapia neoadjuvante. Às vezes, o óbvio precisa ser dito.
Referências:
1 - PROSPECT: A randomized phase III trial of neoadjuvant chemoradiation versus neoadjuvant FOLFOX chemotherapy with selective use of chemoradiation, followed by total mesorectal excision (TME) for treatment of locally advanced rectal cancer (LARC) (Alliance N1048).
First Author: Deborah Schrag, MD, FASCO, MPH
Meeting: 2023 ASCO Annual Meeting
Session Type: Plenary Session
Session Title: Plenary Session
Track: Gastrointestinal Cancer—Colorectal and Anal
Subtrack: Colorectal Cancer - Local-Regional Disease
Abstract #: LBA2
2 - F.G. Taylor, P. Quirke, R.J. Heald, B. Moran, L. Blomqvist, I. Swift, D.J. Sebag-Montefiore, P. Tekkis, G. Brown, M.s. group, Preoperative high-resolution magnetic resonance imaging can identify good prognosis stage I, II, and III rectal cancer best managed by surgery alone: a prospective, multicenter, European study, Ann Surg 253(4) (2011) 711-9.
3 - J. Tie, J.D. Cohen, K. Lahouel, S.N. Lo, Y. Wang, S. Kosmider, R. Wong, J. Shapiro, M. Lee, S. Harris, A. Khattak, M. Burge, M. Harris, J. Lynam, L. Nott, F. Day, T. Hayes, S.A. McLachlan, B. Lee, J. Ptak, N. Silliman, L. Dobbyn, M. Popoli, R. Hruban, A.M. Lennon, N. Papadopoulos, K.W. Kinzler, B. Vogelstein, C. Tomasetti, P. Gibbs, D. Investigators, Circulating Tumor DNA Analysis Guiding Adjuvant Therapy in Stage II Colon Cancer, N Engl J Med 386(24) (2022) 2261-2272.