Onconews - SBRT ou cirurgia no câncer de próstata localizado

bernardo salvajoli 2020 bxSelecionado para apresentação em General Session, estudo com participação de pesquisadores da Royal Marsden NHS Foundation Trust buscou determinar se há melhora na qualidade de vida (QoL) após SBRT em comparação com cirurgia no câncer de próstata localizado (LPCa). A análise contribui com os primeiros dados randomizados para a comparação de SBRT com cirurgia nesse cenário de tratamento, indicando melhor pontuação para SBRT em relação à continência urinária e problemas sexuais. Bernardo Salvajoli (foto), médico especialista em radioterapia, analisa os resultados.

Neste estudo de Fase 3 envolvendo múltiplas coortes (PACE-A) foram inscritos pacientes com LPCa, T1-T2, Gleason≤3+4, PSA≤20ng/mL e elegíveis para cirurgia, randomizadas (1:1) para SBRT ou cirurgia. A dose de SBRT foi de 36,25Gy/5 frações em 1-2 semanas, enquanto a cirurgia foi definida como prostatectomia laparoscópica ou assistida por robótica. A privação androgênica não foi permitida no protocolo. Os endpoints primários foram os resultados relatados pelo paciente (PROs) com base em questionário validado, o Expanded Prostate Index Composite (EPIC-26), número de absorventes por dia e pontuação do subdomínio do intestino EPIC em 2 anos. Os endpoints secundários incluíram toxicidade relatada pelo médico e PROs adicionais (nível de significância de 1%).

Resultados

De agosto de 2012 a fevereiro de 2022, 123 homens de 10 centros do Reino Unido foram randomizados. O IDMC aconselhou a interrupção do recrutamento após um intervalo de 2 anos durante a COVID-19.

Os pacientes eram majoritariamente brancos (93%), com idade mediana de 66 anos (IQR: 61, 69), PSA mediano de 8 ng/ml (6, 11) com 52% de tumores ≥T2b e 79% de Gleason 3+4. Um total de 58/63 pacientes receberam SBRT (2 receberam cirurgia, 2 desconhecidos, 1 retirado), enquanto 48/60 receberam cirurgia (1 recebeu SBRT, 3 receberam CRT, 2 desconhecidos, 6 retirados). Foram realizadas 8 cirurgias laparoscópicas e 42 assistidas por robótica.

Em um seguimento mediano de 50 meses (IQR 41, 74), os autores descrevem que menos pacientes com SBRT relataram uso de absorventes urinários após 2 anos: 2/43 (4,5%) vs 15/32 (46,9%), p<0,001. No entanto, os pacientes do braço SBRT tiveram pontuações piores no subdomínio intestinal (média (DP) 88,4 (12,7) vs 97,3 (5,5), p<0,001). Um total de 7/45 (15,6%) do braço SBRT e 0/31 (0%) dos pacientes do grupo de cirurgia relataram problema moderado/grande com sintomas intestinais (p=0,04).  O braço tratado com SBRT apresentou melhor pontuação no subdomínio sexual EPIC (58,0 (31,9) vs 29,3 (20,5), p<0,001). Não houve evidência de diferença na pontuação do subdomínio urinário (85,5 (19,8) vs 80,5 (20,8), p=0,29). Aos 2 anos, a toxicidade geniturinária de grau 2 ou superior (G2+) foi observada em 5/54 (9,3%) SBRT vs 4/42 (9,5%) pacientes de cirurgia (p=0,97), sem eventos gastrointestinais > G2+ observados em nenhum dos grupos.

“O PACE-A contribui com os primeiros dados randomizados para a comparação de SBRT com cirurgia em LPCa, fornecendo dados PRO relevantes para a tomada de decisão informada. Em comparação com a cirurgia, os pacientes que receberam SBRT tiveram melhor pontuação de continência urinária e problemas sexuais”, concluem os autores, acrescentando que apesar da baixa toxicidade GI nos braços de análise, pacientes tratados com SBRT relataram mais problemas intestinais em 2 anos.

Este estudo está registrado na ClinicalTrials.gov: NCT01584258.

Qualidade de vida é determinante para decisão terapêutica

Por Bernardo Salvajoli, médico especialista em radioterapia do Instituto do Câncer do Estado de São Paulo (ICESP) e do Hospital do Coração (HCorOnco) 

O câncer de próstata é o tumor maligno mais prevalente na população masculina. No entanto, temos pouquíssimos estudos randomizados comparando seus dois principais tratamentos, cirurgia versus radioterapia. Vivemos debatendo entre cirurgiões e radioncologistas sobre qual técnica tem mais vantagens e desvantagens, mas sabemos que ambas têm excelentes desfechos oncológicos e merecem ser ofertadas individualmente a cada paciente, discutindo-se desfechos e efeitos colaterais.

O estudo PACE-A tem vários pontos positivos que merecem serem destacados. O primeiro deles é utilização de qualidade de vida (QOL) e resultados relatados pelos pacientes (PROs) como endpoint primário, onde historicamente temos tratamentos extremamente eficientes, sendo a opinião do paciente um dos pontos-chave na decisão terapêutica. Nesse sentido, ficou claro o que já sabíamos do estudo ProtecT (N Engl J Med 2016; 375:1415-1424 DOI: 10.1056/NEJMoa1606220), onde se comparou radioterapia (não-SBRT) versus cirurgia versus vigilância ativa. Tanto no ProtecT quanto agora no PACE A os resultados são similares, mostrando que a radioterapia, seja convencional ou SBRT, resulta em menos incontinência urinária e menos disfunção erétil, além de mais efeito colateral gastrointestinal.

Aqui, valem algumas considerações. A taxa de incontinência urinária no braço cirurgia, medida por uso de forros, foi extremamente alta. Onde se tinha pré-estimado 15%, a taxa chegou a 47%, maior do que séries mais recentes de prostatectomia com técnicas modernas. Já no braço radioterapia (4,5%) ficou próximo do estimado (4%). Nos outros domínios, a SBRT foi significativamente melhor em disfunção sexual (57,7 vs 29.3 pontos) e alterações intestinais a cirurgia foi melhor (97.3 vs 88.7 pontos).

Importante lembrar que a taxa de toxicidade ≥ grau 2 (CTCAE) foi extremamente baixa em ambos os grupos, mostrando que ambos tratamentos são seguros e pouco mórbidos.

Agora, aguardamos dados de controle de doença que devem ser publicados ainda em 2023, e muito provavelmente mostrarão que os desfechos oncológicos devem ser similares.

Importante salientar que agora temos mais dados com nível 1 de evidência para expor ao paciente sem opiniões enviesadas, e junto com ele, nossos eles urologistas e radioncologistas escolher de forma multidisciplinar o melhor tratamento para cada paciente. 

Referência: PACE-A: An international phase 3 randomised controlled trial (RCT) comparing stereotactic body radiotherapy (SBRT) to surgery for localised prostate cancer (LPCa)—Primary endpoint analysis.
First Author: Nicholas John Van As
Meeting: 2023 ASCO GU Cancers Symposium
Session Type: General Session
Session Title: Clinical Decision-Making in the Treatment of Localized Prostate Cancer: Controversial Points
Track: Prostate Cancer
Sub Track: Symptoms, Toxicities, Patient-Reported Outcomes, and Whole-Person Care
Clinical Trial Registration Number: NCT01584258
Citation: J Clin Oncol 41, 2023 (suppl 6; abstr 298)
DOI 10.1200/JCO.2023.41.6_suppl.298
Abstract #: 298