Estudo apontado entre os destaques do congresso anual da Sociedade Americana de Oncologia Clínica (ASCO 2024) demonstrou que a maioria das sobreviventes do câncer de mama em estágio 0 a III que tentaram uma gestação após o tratamento conseguiram engravidar e dar à luz. “Este é o primeiro estudo prospectivo com mais de 10 anos de acompanhamento a relatar resultados de fertilidade em jovens sobreviventes de câncer de mama que decidiram engravidar após o tratamento”, destacaram os autores. O oncologista Jessé Lopes da Silva (foto), pesquisador do Instituto Nacional do Câncer (INCA), comenta os resultados.

Apesar do grande interesse entre mulheres jovens com diagnóstico de câncer de mama na fertilidade futura, pesquisas anteriores foram dificultadas pelo curto acompanhamento e pela falta de avaliação prospectiva das tentativas de gravidez.

“Este estudo foi concebido para preencher lacunas na literatura, reportando taxas de gravidez e de nascidos vivos entre um grupo prospectivo de pacientes com câncer de mama e sobreviventes que tentar engravidar após o diagnóstico da doença. Além disso, a população de pacientes relatada neste estudo tem um acompanhamento médio de mais de 10 anos e inclui aqueles com histórico de qualquer subtipo anterior de câncer de mama”, disse Kimia Sorouri, pesquisadora do Dana-Farber Cancer Institute e primeira autora do trabalho.

O estudo incluiu mulheres com câncer de mama estágio 0-III no Young Women's Breast Cancer Study (YWS, NCT01468246), uma coorte prospectiva multicêntrica de mulheres diagnosticadas com 40 anos ou menos entre 2006-2016 que relataram tentativa de gravidez pós-diagnóstico. Foram excluídas mulheres com histerectomia prévia, ooforectomia bilateral ou doença metastática no momento do diagnóstico. Os dados sobre tentativas de gravidez e resultados de fertilidade foram obtidos de pesquisas seriadas. A regressão logística multivariada com seleção de modelo stepwise foi utilizada para identificar fatores associados à gravidez e aos nascidos vivos.

Resultados

Entre 1.213 participantes elegíveis, 197 relataram qualquer tentativa de gravidez (16%) durante um acompanhamento médio de 11 anos (variação: 3-17). Entre as mulheres que tentaram engravidar, a idade média no momento do diagnóstico foi de 32 anos (variação: 17-40); 74% eram brancas não hispânicas; 41% tinham câncer de mama estágio I, 35% estágio II, 10% estágio III e 14% estágio 0; 76% tinham doença receptor hormonal positivo (HR+); 68% receberam quimioterapia; 57% receberam terapia endócrina no prazo de um ano após o diagnóstico; 13% eram portadores da variante patogênica BRCA1/2; 51% relataram conforto financeiro no início do estudo; 51% eram nuligestas e 72% nulíparas ao diagnóstico; 28% foram submetidas à preservação da fertilidade, consistindo no congelamento de óvulos/embriões no momento do diagnóstico; e 15% relataram história de infertilidade antes do diagnóstico de câncer de mama.

Das pacientes que tentaram engravidar após o tratamento, 73% engravidaram pelo menos uma vez após o diagnóstico e 65% das pacientes relataram ter tido pelo menos uma gravidez em que o bebê nasceu vivo. O tempo mediano desde o diagnóstico das pacientes até a primeira gravidez foi de 4 anos (intervalo: 6-125).

No modelo multivariável, maior idade no momento do diagnóstico (odds ratio [OR] 0,82 por ano de aumento, IC 95% 0,74-0,90, P<0,0001) foi negativamente associada à gravidez, enquanto o conforto financeiro no início do estudo (OR 2,04, IC 95% 1,01 -4,12, P=0,047) foi preditivo de gravidez.

Para nascidos vivos, a maior idade no momento do diagnóstico foi associada negativamente (OR 0,82 por ano de aumento, IC 95% 0,76-0,90, P <0,0001), enquanto ter sido submetido à preservação da fertilidade no momento do diagnóstico foi preditivo de gravidez (OR 2,78, IC 95% 1,29-6,00, P =0,009). Histórico de infertilidade, nuliparidade no momento do diagnóstico, características do tumor, tratamento do câncer, raça, etnia e status BRCA1/2 não foram associados a nenhum dos desfechos.

Em síntese, este é o primeiro estudo prospectivo com mais de 10 anos de acompanhamento a relatar resultados de fertilidade em jovens sobreviventes de câncer de mama que tentaram engravidar. “A maioria engravidou e relatou um nascido vivo. Nossas descobertas podem ser incorporadas ao aconselhamento de pacientes jovens e sobreviventes de câncer de mama, e destacam a necessidade de acessibilidade aos serviços de preservação da fertilidade para esta população”, concluíram os autores.

Jessé Lopes da Silva, oncologista do Grupo Oncoclínicas e do Instituto Nacional do Câncer (INCA), observa que essa coorte prospectiva consolida achados previamente encontrados no POSITIVE trial, apresentado no San Antonio Breast Cancer Symposium em 2023, que sugeriu não haver risco aumentado de recidiva de câncer num contexto específico de jovens mulheres em tratamento hormonioterápico adjuvante para câncer de mama inicial receptor hormonal positivo. “Naquele estudo, foram encontradas taxas muito similares de sucesso de gravidez e de nascidos vivos. Preservação da fertilidade no momento do diagnóstico foi preditivo de gravidez no estudo apresentado na ASCO, e os dados do POSITIVE trial asseguraram não haver maior risco de recidiva nas pacientes submetidas a tal método”, afirma.

“Esse é um campo de muita importância para pacientes sobreviventes do câncer de mama com diagnóstico ainda em idade reprodutiva. Tais achados nos permitem assegurar às pacientes que é possível equilibrar o tratamento do câncer com o desejo de gestar, oferecendo esperança e qualidade de vida. A combinação desses dados promissores reforça a importância de garantir o acesso a serviços de orientação e suporte à fertilidade, garantindo também apoio emocional a todas as pacientes que enfrentam essa jornada", conclui Jesse.

O estudo foi financiado pela Susan G. Komen e Breast Cancer Research Foundation.

Referência:

Abstract #1518 - Fertility among young breast cancer survivors attempting pregnancy: A prospective, multicentre cohort study.

First Author: Kimia Sorouri, MD, MPH