Onconews - Desafios na predição do risco tromboembólico na leucemia aguda

Estudo brasileiro selecionado para apresentação em pôster no ASH 2024 buscou identificar fatores clínicos e laboratoriais que podem prever trombose em pacientes com leucemia aguda, bem como validar escores anteriores e relatar seus perfis clínicos e achados associados relacionados a esses eventos. “Nesta coorte clínica de mundo real, não foi possível identificar parâmetros laboratoriais associados a um risco aumentado de trombose, apesar de sua alta incidência global”, afirmaram os autores. O hematologista Wellington Fernandes da Silva (foto), médico do ICESP/FMUSP, é o autor sênior do trabalho.

Pacientes com leucemia aguda recém-diagnosticada são propensos a um risco aumentado de eventos trombóticos, embora os mecanismos ainda não sejam completamente compreendidos. A incidência relatada de trombose associada à leucemia varia de 2% a 25%, dependendo do fenótipo e das características da coorte.

Estudos anteriores abordando fatores de risco tradicionais para essa complicação são escassos e heterogêneos. Em outros cânceres, o escore de Khorana e o escore de coagulação intravascular disseminada (CIVD) da Sociedade Internacional de Trombose e Hemostasia (do inglês, ISTH) foram usados, com aplicabilidade limitada em leucemia aguda.

Neste estudo, os pesquisadores buscaram identificar fatores clínicos e laboratoriais que pudessem predizer a trombose em pacientes com leucemia aguda, bem como validar escores anteriores e relatar seus perfis clínicos e achados associados relacionados a esses eventos.

Este estudo de coorte retrospectivo foi conduzido no Instituto do Câncer do Estado de São Paulo (ICESP), com pacientes recém-diagnosticados com leucemia aguda entre 2009 e 2022. Dois pacientes foram excluídos da análise devido ao uso prévio de varfarina.

Todos os subtipos de leucemia aguda foram incluídos. Foram coletados dados sobre parâmetros epidemiológicos e laboratoriais no diagnóstico e no momento de cada evento trombótico. O endpoint primário foi a incidência cumulativa de eventos tromboembólicos venosos (TEV) sintomáticos ou trombose arterial nos primeiros 60 dias do diagnóstico, com morte como evento concorrente. A correlação entre parâmetros basais e eventos TEV/trombóticos foi avaliada por meio de regressão logística.

Resultados
No geral, 421 pacientes foram incluídos, 49% diagnosticados com leucemia mieloide aguda (LMA), 23% com leucemia promielocítica aguda (LPA) e 28% com leucemia linfoblástica aguda (LLA) ou Leucemia aguda de fenótipo misto (LAFM). A incidência cumulativa de trombose em 60 dias foi de 15% (intervalo de confiança [IC] de 95% 12-18%), com taxas de incidência de 21%, 11% e 20% em LLA, LMA e LPA, respectivamente. O fenótipo original foi associado à incidência de TEV (p=0,031).

A maioria dos eventos ocorreu nos primeiros 30 dias (72%), enquanto os casos restantes foram detectados na apresentação da doença (24%) ou entre 30-60 dias do diagnóstico (4%). Eventos arteriais foram raros, compreendendo 8 de 69 eventos, todos cerebrovasculares e mais frequentes na leucemia promielocítica aguda (32%). Um paciente apresentou TEV e um evento arterial simultaneamente.

Em relação à trombose venosa, os membros superiores foram o local mais comum (47%), seguidos por eventos relacionados ao cateter (20%) e membros inferiores (13%). Anticoagulação profilática foi administrada em 15% dos pacientes com trombose.

Dois pacientes com leucemia aguda e trombose estavam recebendo terapia combinada de estrogênio-progesterona na apresentação. No subgrupo de LLA, 44% dos eventos trombóticos ocorreram após o uso de asparaginase. A trombose venosa cerebral (TVC) representou 25% dos eventos neste subgrupo.

No geral, a trombose recorreu em 5 pacientes. Na data da trombose, 33% dos indivíduos ainda apresentavam blastos no sangue periférico e 25% apresentavam menos de 30x109/L plaquetas. Na análise univariada, não houve associação entre os dados clínicos basais (idade, sexo, índice de massa corporal) e laboratoriais (parâmetros bioquímicos, hematológicos ou de coagulação tradicionais) e o risco de trombose.

Os pacientes apresentaram escores de risco de Khorana baixo, intermediário e alto em 3%, 95% e 2% dos casos, respectivamente, sem associação estatística com trombose (p = 0,19). O escore ISTH para Coagulação Intravascular Disseminada (DIC) foi "positivo" (≥5) em 86% e também não foi associado ao risco trombótico em nossa coorte (p=0,806). Outra ferramenta descrita recentemente, o escore SiAML-trombose (Owattanapanich et al. Thrombosis Journal, 2023), que inclui diferentes pontos de corte para leucócitos, plaquetas e dímero D, também não foi preditivo de trombose (p=0,926).

“Nesta coorte clínica da vida real, não conseguimos identificar parâmetros laboratoriais associados a um risco aumentado de trombose, apesar de sua alta incidência. Os escores existentes mostraram utilidade limitada. Embora pareçam não prever trombose, esses eventos podem ocorrer mesmo na presença de baixas contagens de plaquetas, tempo de protrombina prolongado ou hipofibrinogenemia”, afirmaram os autores, ressaltando que isso sugere uma coagulopatia complexa que leva à hipercoagulabilidade na leucemia aguda.

“Portanto, identificar novos biomarcadores de coagulação, particularmente aqueles relacionados à coagulação global ou tromboinflamação, pode contribuir para uma melhor caracterização dos riscos trombóticos e de sangramento nesses pacientes. Novos estudos prospectivos visando explorar diferentes parâmetros de coagulação são garantidos nesse cenário”, concluíram.

Referência:

2639 Challenges in Predicting Thromboembolic Risk in Acute Leukemia: Clinical Profiling and Limitations of Current Scoring Systems

Program: Oral and Poster Abstracts
Session: 332. Thrombosis and Anticoagulation: Clinical and Epidemiological: Poster II
Sunday, December 8, 2024, 6:00 PM-8:00 PM