Estudo brasileiro avaliou a prevalência, características clínicas, fatores de risco e resultados do envolvimento do sistema nervoso central (SNC) em pacientes com leucemia/linfoma de células T do adulto (ATLL, da sigla em inglês) na América Latina. “Ao contrário de outros subtipos de linfoma, o envolvimento do SNC na ATLL não parece impactar significativamente os resultados, uma descoberta paradoxal que ressalta a complexidade da doença e pode refletir as limitações das opções de tratamento existentes e a ausência de protocolos terapêuticos padronizados”, destacam os pesquisadores. O estudo foi apresentado por Natalia Zing (foto), hematologista da Prevent Senior e da BP - A Beneficência Portuguesa de São Paulo, na sessão de pôster do ASH 2024.
A leucemia/linfoma de células T do adulto (ATLL) é uma neoplasia de células T periféricas maduras causada pelo vírus linfotrópico de células T humanas tipo 1 (HTLV-1). O risco cumulativo ao longo da vida de desenvolver ATLL é estimado em 4-7% entre portadores de HTLV-1. Quatro subtipos foram descritos usando os critérios de Shimoyama: agudo, linfomatoso, crônico e latente (smoldering).
Os subtipos agudo e linfomatoso são doenças altamente agressivas e apresentam um prognóstico sombrio, caracterizado por taxas de sobrevida mais curtas e um alto risco de envolvimento do sistema nervoso central (iCNS) em comparação com outros linfomas de células T periféricas.
“Atualmente, o tratamento de ATLL continua desafiador, sem um padrão de tratamento universalmente aceito. Nosso estudo recente sobre epidemiologia e resultados de linfoma de células T periféricas (LCTP) na América Latina (Thais et al 2023 ASH Meeting) destacou ATLL (18%) como o segundo subtipo mais frequente de LCTP, provavelmente influenciado por nossa distinta epidemiologia viral”, afirmaram os autores.
Nesse estudo, foram compilados dados de pacientes com idade ≥18 anos com ATLL recém-diagnosticada do registro retrospectivo do Grupo De Estudio Latino-Americano De Linfoproliferativo (GELL; n=208, 2000-2023, retrospectivo) e TCBP (n=83, 2015-2022, ambispectivo).
As informações clínicas incluíram identificadores codificados de paciente e local, sexo, idade, data do diagnóstico, locais da doença, incluindo apresentação extranodal (localização e número) e estágio de Ann Arbor. Também foram registradas resposta inicial à terapia; acompanhamento (remissão, progressão ou recidiva); terapias e resultados subsequentes. Os endpoints primários foram sobrevida global (SG) e sobrevida livre de progressão (SLP).
A plataforma REDcap (da Vanderbilt) foi usada para coletar e armazenar dados e para análise descritiva foi aplicado o IBM-SPSS versão 24. O método Kaplan-Meier estimou a SG, enquanto os testes Log-Rank compararam suas curvas.
Foram inscritos 291 pacientes. Nesta análise exploratória, a prevalência de envolvimento do SNC em ATLL foi de 7,9% (23/291), considerando apenas formas agressivas (aguda – 40% e 60% – linfomatosa). As características dos pacientes foram semelhantes entre aqueles sem e com envolvimento do sistema nervoso central.
Houve alta frequência de estágio avançado (90% vs 82%); ECOG ≥ 2 (45% vs 43%); Sintomas B (74% vs 56%); LDH elevado (84% vs 78%); e IPI ≥3 (82% vs 65%) no grupo de envolvimento no SNC.
Considerando a inclusão de ambos os subtipos agressivos, o tratamento foi heterogêneo, incluindo: IFN+AZT (74%) para subtipos agudos, e CHOP (52%), CHOEP (26%) e EPOCH (2%), para subtipos de linfoma. Menos de 30% dos pacientes com e sem envolvimento no SNC atingiram resposta completa no final do primeiro tratamento. Duas características clínicas foram identificadas como possivelmente associadas ao envolvimento do SNC: idade mediana ao diagnóstico (55 [20-95] versus 44 [23-65]; p<0,0001) e envolvimento extra nodal ≥ 2 (32% vs. 65%, p=0,005).
Os pesquisadores reafirmaram os resultados sombrios em toda a coorte de ATLL com 60 meses de SG e SLP de 16% [IC de 95%: 12-20%] e 9% [IC de 95%: 5-13%], respectivamente; com tempo mediano de SG e SLP de 7 meses (6-9) e 5 meses (4-6), respectivamente. O envolvimento do SNC não teve impacto nos resultados de sobrevida (60 meses de OS 14% iCNS (n=23) versus 16% sem envolvimento no SNC (n=254), p=0,91; SLP 12% versus 9% sem envolvimento no SNC, p=0,61;) apesar de ser uma complicação devastadora. Os resultados em pacientes com subtipos de linfoma foram ligeiramente melhores do que os agudos (60 meses SG 19% vs 10%, p<0,0001; SLP 12% vs 5%, p<0,0001, respectivamente).
“Ao contrário de outros subtipos de linfoma, o envolvimento do sistema nervoso central na ATLL não parece impactar significativamente os resultados. Essa descoberta paradoxal ressalta a complexidade da ATLL e pode refletir as limitações das opções de tratamento existentes e a ausência de protocolos terapêuticos padronizados para essa malignidade agressiva”, afirmaram os autores.
Os pesquisadores observam que a falta de diferença significativa de sobrevida, apesar da gravidade do envolvimento do sistema nervoso central, aponta para uma necessidade urgente de terapias inovadoras e estratégias de tratamento mais eficazes. “Nossa análise identificou a idade média no diagnóstico e o envolvimento extranodal como fatores de risco potenciais para o envolvimento do SNC, sugerindo caminhos para futuros estudos prospectivos para elucidar melhor seu papel na progressão da doença. Dada a alta prevalência de ATLL na América Latina, há uma oportunidade única de avançar nossa compreensão dessa doença por meio de pesquisas específicas da região. Esforços colaborativos nessa região podem abrir caminho para avanços no gerenciamento da ATLL e potencialmente oferecer insights aplicáveis em escala global”, concluíram os pesquisadores.
Referência:
Program: Oral and Poster Abstracts
Session: 625. T Cell, NK Cell, or NK/T Cell Lymphomas: Clinical and Epidemiological: Poster II
Sunday, December 8, 2024, 6:00 PM-8:00 PM