Liderado pela Sociedade Brasileira de Transplante de Medula Óssea (SBTMO), projeto de padronização multicêntrico teve como objetivo reduzir a heterogeneidade dos resultados de doença residual mínima na leucemia mieloide aguda entre os laboratórios brasileiros. “Os resultados do projeto ressaltam a necessidade de treinamento contínuo para desenvolver expertise e garantir resultados aplicáveis para a tomada de decisões clínicas”, observaram os autores. Felipe Magalhães Furtado (foto), hematologista na Sabin Medicina Diagnóstica, em Brasília, apresentou os resultados em sessão de pôster no ASH 2024.
A doença residual mensurável (DRM) é uma ferramenta crítica para avaliar a resposta ao tratamento na leucemia mieloide aguda (LMA). A negatividade da DRM na LMA após indução e consolidação se correlaciona com melhor sobrevida global (SG) e sobrevida livre de recidiva (SLR). Por outro lado, a positividade da DRM na LMA antes e depois do transplante de células-tronco hematopoiéticas (TCTH) está associada a uma maior incidência de recidiva.
Um dos métodos disponíveis para detecção de DRM é a citometria de fluxo multiparamétrica (CFM), que é aplicável a mais de 90% dos pacientes. A sensibilidade da CFM é influenciada pela instabilidade do fenótipo pós-tratamento, surgimento de novos clones e variabilidade no processamento da amostra, estratégias de detecção e experiência do pessoal de citometria de fluxo.
Esse projeto de padronização foi dividido em três fases. A primeira fase incluiu um programa educacional projetado com base na experiência laboratorial em doença residual mínima na leucemia mieloide aguda. O programa envolveu treinamento online em processos pré-analíticos usando Procedimentos Operacionais Padrão (POPs) Euroflow, análise de dados de medula óssea (MO) normal/regenerativa, amostras positivas para doença residual mínima na LMA e detecção de células-tronco de leucemia (LSC).
A segunda fase, ou fase seca, avaliou o desempenho laboratorial na análise de dados. Os laboratórios participantes analisaram oito arquivos de padrão de citometria de fluxo desidentificados usando estratégias de gate treinadas e relataram seus resultados, recebendo feedback e valores de referência para comparação. A fase final, ou fase úmida, envolveu laboratórios preparando e analisando quatro amostras usando POPs treinados e estratégias de análise, enviando arquivos de citometria de fluxo de doença residual mínima na LMA desidentificados para análise centralizada.
Participaram dezesseis laboratórios brasileiros, com diferentes níveis de experiência em doença residual mínima na LMA. Onze usaram BD-FACSCanto II (8 cores) e cinco usaram FACSLyric (10 cores). As amostras foram preparadas usando lise em massa e adquiridas visando um milhão de eventos por tubo. Os citômetros de fluxo foram ajustados seguindo os POPs Euroflow, com matrizes de compensação calculadas automaticamente.
Os relatórios de laboratório incluíram dados para comparabilidade, como porcentagens de células mieloides CD34+ não leucêmicas e DRM, células-tronco hematopoiéticas (HSC), células-tronco de leucemia, descrições de imunofenótipo, número de células analisadas, limite de detecção (LOD), limite inferior de quantificação (LLOQ) e avaliação de hemodiluição. Parâmetros pré-analíticos como dispersão direta (FSC) e lateral (SSC) e intensidade de fluorescência mediana (MFI) foram comparados com valores de referência.
Resultados
Na fase seca, 125 resultados dos oito arquivos de citometria de fluxo padrão compartilhados mostraram 81% de concordância entre laboratórios e laboratório coordenador, com 19% de DRM+/DRM- discordantes (6% discordantes >1 log). Na fase úmida, 80% dos 63 relatórios de amostra concordaram com os resultados dos analistas centrais; 20% de discordância de DRM+/DRM- (6% discordantes >1 log). Além da similaridade global entre as fases, 10 (62%) laboratórios melhoraram a concordância dos resultados de DRM entre as duas fases; nove atingiram 100% de concordância.
A detecção e quantificação de citometria de fluxo padrão variaram significativamente, com 59% e 73% de concordância entre as análises laboratoriais e centrais nas fases seca e úmida, respectivamente. O coeficiente de correlação intraclasse para os resultados de doença residual mínima foi de 95%, e para células-tronco de leucemia foi de 45% entre ambos os analistas centrais. Progenitores CD34+ normais e frequências de células-tronco hematopoiéticas mostraram 58% em ambos os parâmetros na fase seca e 80% e 78% respectivamente na fase úmida.
O número de células analisadas, limite de detecção, limite inferior de quantificação e controle de hemodiluição tiveram concordância entre os resultados laboratoriais e as análises centrais em mais de 80% e 90% nas fases seca e úmida, respectivamente. Alguns parâmetros pré-analíticos mostraram maior variabilidade do que outros, como CD56PE (62%) e CD54AF700 (80%).
“O programa educacional e a implementação de procedimentos operacionais padrão melhoraram o desempenho da maioria dos laboratórios. No entanto, quatro laboratórios apresentaram concordância reduzida e o principal motivo foram os processos pré-analíticos não adequados que dificultaram a interpretação de doença residual mínima, enfatizando a necessidade de treinamento contínuo”, observaram os autores.
O estudo demonstrou que os protocolos padronizados de citometria de fluxo são reproduzíveis com a implementação rigorosa de POP. “A educação contínua e os controles de qualidade externos são essenciais para manter testes de doença residual mínima de leucemia mieloide aguda confiáveis. Os resultados do projeto ressaltam a necessidade de treinamento contínuo para desenvolver expertise e garantir resultados aplicáveis para a tomada de decisões clínicas”, concluíram.
Referência:
Program: Oral and Poster Abstracts
Session: 903. Health Services and Quality Improvement: Myeloid Malignancies: Poster I
Saturday, December 7, 2024, 5:30 PM-7:30 PM