Em entrevista, o oncologista Diogo Assed Bastos (foto), chair do LACOG GU e médico do ICESP e do Hospital Sírio-Libanês, comenta os objetivos de sua gestão à frente do grupo cooperativo, entre eles ampliar o número de estudos prospectivos no Brasil com participação da indústria. Os destaques do panorama geniturinário da ASCO este ano também estão em pauta. “A expectativa é que o estudo ENZAMET traga mais uma opção no cenário do câncer de próstata sensível à castração”, afirma.
A organização da ASCO antecipou alguns destaques da edição deste ano, entre eles o LBA2, estudo que avaliou a associação de enzalutamida ao tratamento padrão inicial no câncer de próstata metastático hormônio sensível. Tudo indica que é practice changing, certo?
Exatamente. Toda vez que um estudo é indicado para a Plenária, a gente sempre imagina que vai haver uma mudança de prática, que é um estudo com impacto muito grande. Vamos lembrar que no ano passado o estudo LATITUDE foi apontado entre os destaques, apresentado em Plenária pelo Karim Fizazi, e realmente foi practice changing. Agora temos o ENZAMET, estudo que avaliou essa mesma população com enzalutamida na primeira linha no câncer de próstata metastático hormônio sensível. São esperados resultados positivos, especialmente com base nos dados já conhecidos do estudo ARCHES, de Fase III, que foi positivo e teve impacto na sobrevida livre de progressão. Então, a expectativa é que o estudo ENZAMET deve trazer mais uma opção nesse cenário da doença sensível à castração, além da utilização de abiraterona. Esperamos também dados de outras drogas, como apalutamida, com o estudo TITAN, e outros inibidores do eixo de sinalização androgênica.
"A expectativa é que o estudo ENZAMET deve trazer mais uma opção no cenário da doença sensível à castração" |
No câncer de próstata, uma controvérsia bem atual recai sobre o campo de diagnóstico por imagem, tema de recente artigo do JCO (2019 37:10, 765-769). Que reflexões ficam para os médicos envolvidos no diagnóstico e tratamento?
A minha impressão desde que a história do PET-PSMA começou é de que foi uma inovação que veio acompanhada de muito entusiasmo, como toda nova tecnologia. Existe até um gráfico muito interessante que mostra esse pico de entusiasmo inicial, depois você vê que a tecnologia não é assim tão perfeita e se desaponta um pouco, até chegar a um platô de maturidade sobre a real utilidade de um teste, um exame ou um novo tratamento. Com o PET-PSMA foi a mesma coisa. No início, a gente achava que era a grande solução, mas hoje sabemos que existem limitações. O que esse paper do JCO pontua é que passado o frenesi inicial a gente precisa parar e pensar de forma crítica sobre a utilidade do PET-PSMA no câncer de próstata. Significa avaliar os potenciais benefícios e riscos da incorporação indiscriminada do teste. Não é um método perfeito, porque há riscos de falsos positivos e falsos negativos. É um exame útil, inegável que sim, mas existem limitações. O que a gente tem percebido é que houve uma incorporação muito rápida, sem dados ainda robustos. No cenário da recidiva bioquímica os dados estão bem consolidados e é um exame que realmente ajuda a selecionar pacientes para o tratamento de resgate. Mas para o estadiamento e, mais ainda, na avaliação de resposta ao tratamento da doença metastática, o cenário ainda é nebuloso e os resultados precisam ser interpretados com muita cautela.
Avanços e perspectivas no câncer testicular, como estamos hoje?
O câncer testicular é o tumor sólido mais comum no homem jovem, principalmente na faixa dos 15 aos 35 anos de idade. É uma doença que incide sobre uma população jovem, geralmente muito ativa e saudável, que não espera adoecer. Então, é um diagnóstico que impacta a qualidade de vida desse indivíduo e evidentemente o diagnóstico precoce é muito importante. Significa esclarecer e alertar a população que diante de qualquer nódulo testicular é preciso buscar avaliação médica, mesmo que não seja um nódulo doloroso, mesmo sem a presença de qualquer sintoma. Esse homem deve procurar um urologista para uma avaliação. Quanto mais cedo é feito o diagnóstico do câncer testicular, melhor. Felizmente, a doença é curável. O tumor testicular é o câncer mais curável que existe, mesmo no cenário metastático. O tratamento para a remoção do tumor primário é tradicionalmente a orquiectomia. Nos casos em que há disseminação secundária, o tratamento considera quimioterapia com base em cisplatina. O cenário que permanece com necessidades médicas não atendidas é o cenário da recidiva. Esse paciente pode ser tratado com transplante de medula óssea com quimioterapia em altas doses, mas parcela importante dos doentes recidivados ainda está à espera de opções terapêuticas. Hoje, estudos com novas drogas estão em andamento, mas nenhuma despontou com resultados consistentes. A imunoterapia com inibidores de checkpoint aparentemente não funcionou bem, porque são tumores com baixa carga mutacional, mas apesar dos desafios o câncer testicular tem em geral excelente prognóstico ao diagnóstico.
Imunoterapia anti PD-1/PD-L1 no câncer de bexiga, qual o cenário atual?
No câncer de bexiga, a imunoterapia com inibidores de checkpoint é uma mudança de paradigma. Os estudos têm demonstrado grande eficácia no tratamento de primeira linha, primeiro com a associação de ipilimumabe e nivolumabe, com taxas de resposta em torno de 10% - e falamos de resposta completa, com grande benefício para pacientes de risco intermediário e alto. Mais recentemente, estudos de combinação de imunoterapia e terapia-alvo também indicam grande benefício, como pembrolizumabe e axitinibe, demonstrando ganho de sobrevida global. A impressão é que entramos realmente numa nova era de tratamento, com drogas sistêmicas de alta eficácia. São aguardados resultados de grandes estudos randomizados avaliando químio e imuno na primeira linha, além de estudos com biomarcadores, porque sabemos que no câncer urotelial somente de 20% a 30% dos pacientes respondem à imunoterapia. Precisamos melhorar a seleção de pacientes para que a gente possa oferecer um tratamento com maior chance de benefício para esse paciente.
"Passado o frenesi inicial a gente precisa parar e pensar de forma crítica sobre a utilidade do PET-PSMA no câncer de próstata" |
Planos e perspectivas como chair do LACOG-GU, o que esperar?
Entendo que essa gestão é um continuum do que vinha sendo feito. Somos felizmente um grupo muito coeso de médicos envolvidos no cuidado de pacientes com tumores geniturinários e temos o objetivo comum de fazer pesquisa clínica no Brasil e na América Latina. Os últimos anos foram de estruturação do grupo, de unificação e desenvolvimento de vários projetos, entre eles o banco de câncer testicular. Agora, a meta para os próximos anos é ampliar o número de membros do LACOG-GU e expandir estudos não só no Brasil, mas no contexto latino-americano. Queremos fazer estudos prospectivos, de maior peso. Claro que temos interesse em manter os estudos epidemiológicos, inclusive com o banco de dados do câncer testicular, mas queremos expandir para estudos prospectivos, em parceria com a indústria farmacêutica, com outros grupos cooperativos e centros de pesquisa. No momento, temos um grande estudo prospectivo sendo realizado com novos medicamentos e muitos outros estão em fase de planejamento. Sem dúvida, estamos bastante motivados e outra área de interesse é a educação médica continuada. Temos uma diretoria educacional, hoje conduzida pelo Diogo Rosa, e a ideia é expandir e fomentar nossa participação em eventos. Vamos realizar em 2019 a terceira edição do GU Review, que este ano marca o primeiro consenso brasileiro de carcinoma de pênis, um tumor que afeta de forma importante algumas áreas do País. É um câncer associado ao HPV e a gente espera que a vacinação em meninos possa ter um impacto significativo, ajudando a reduzir a incidência, mas sobretudo é um câncer associado à pouca higiene. Em resumo, é um câncer que se previne com água e sabão e afeta de forma muito negativa a qualidade de vida do homem.