O oncologista Sergio Simon (foto), Professor Associado da UNIFESP, sócio-fundador do Centro Paulista de Oncologia (CPO), do Grupo Oncoclínicas, e criador do Grupo Brasileiro de Estudos do Câncer de Mama (GBECAM), fala do cenário do câncer de mama, da prevenção ao tratamento.
Onconews: No câncer de mama, o subgrupo HER2 foi aquele com maior avanço no momento recente. A terapia-alvo foi um divisor de águas?
Sergio Simon: Sem dúvida. Em 2002, quando Slamon apresentou o primeiro estudo em doença metastática HER2 positivo, ele usou quimioterapia em um braço e quimioterapia mais Herceptin® no outro. Foi o estudo que lançou o Herceptin® no mercado. Tinha um ganho de sobrevida global de 5 meses e meio, quase 6 meses. Naquele estudo, a sobrevida passou de 20 para 25 meses. Hoje em dia, 10, 15 anos depois, o tratamento traz benefícios ainda maiores, com uma sobrevida que saltou desses 25 meses para 56 meses. Isso é pela adição do duplo bloqueio com o pertuzumabe e talvez com outras coisas que a gente faz. A medicina está melhor e talvez a gente esteja tratando mais precocemente. A verdade é que a sobrevida mais que dobrou e isso é um avanço espetacular! É raro você ver em um tumor sólido um ganho como esse, em que a sobrevida dobra. Cólon, pulmão, próstata, nenhum desses. A sobrevida vai aumentando, mas dobrar assim em uma década como aconteceu no câncer de mama, é muita coisa!
E para pacientes com receptor hormonal positivo, qual o maior avanço recente?
Acho que são as combinações de hormonioterapia. A primeira delas foi com everolimus mais exemestano, no estudo BOLERO-2, que aumentou muito a duração da sobrevida livre de progressão, de 3 meses para aproximadamente 8 meses. Isso é uma coisa bem interessante em pacientes que já tinham falhado a inibidor de aromatase. Então, essa associação com everolimus é uma associação importante. Agora, temos a associação com inibidores de ciclina, CDK4/6, como o palbociclibe, e acabou de ser apresentado na Europa o estudo com a ribociclina com resultados também muito impressionantes. Então, os inibidores de CDK combinados com a hormoniterapia, seja o letrozol, seja o fulvestranto, são associações que estão sendo pesquisadas e os estudos têm sido muito positivos. Estamos bem animados, com várias pacientes sendo tratadas com palbociclibe, algumas comprando o remédio, outras dentro do acesso expandido. Pela nossa experiência, a taxa de resposta e a duração das respostas impressionam. A primeira paciente falhou agora, em setembro, depois de 11 meses de tratamento, e começou quando a gente tinha jogado a toalha. Ela estava com drenos torácicos bilaterais, drenos nos ureteres bilaterais, toda obstruída, com a pele infiltrada de câncer. Era um caso muito grave, estava internada no hospital quando a gente mandou vir palbociclibe para ela. A melhora foi impressionante. Agora ela progrediu de novo, mas ficou muito bem por quase um ano e dois meses, levando a vidinha dela de uma maneira bem normal. Acho que as combinações de drogas para hormonioterapia são bem legais.
Ficou o triplo negativo como o ‘primo pobre’, sem muita novidade?
Pois é. Mas eu acho que a imunoterapia vai vir forte para o triplo negativo. Existem estudos com taxa de 20% de resposta com inibidores de PD-1 que é o que se consegue hoje, mas isso pode mudar. Já temos dados mostrando que talvez a manipulação dos inibidores de checkpoint não esteja sendo correta. Semana passada saiu um paper na Science Translational Medicine que eu achei fundamental em imunoterapia e HER2. Ratinhos, HER2 positivo, doença metastática. Você faz imunoterapia, 0% de resposta com anti CTLA-4 e anti PD-1. Não responde. Aí você pega o mesmo ratinho, com a mesma linhagem tumoral, trata com TD-M1, que causa uma pequena resposta. E só depois você faz os dois anticorpos. O tumor é infiltrado imediatamente por linfócitos, ele é destruído, resposta completa na grande maioria dos ratos. O tumor desaparece. Então, talvez a gente precise realmente modificar o estímulo imunogênico do tumor com outras drogas, tipo o TD-M1.
O câncer de mama pode repetir os resultados da imuno vistos em melanoma, pulmão, renal...?
Mama é pouco imunogênica, porque o câncer de mama não dá muita resposta imunológica, exceto para alguns triplo-negativos, em pacientes com mutação BRCA1 e BRCA2, casos em que o tumor vem todo infiltrado com linfócitos. No momento, não é muito razoável você pensar em imunoterapia para câncer de mama, mas acho que daqui a uns 3, 4, 5 anos a coisa vai estar diferente. Não tem como não funcionar. Acho que essa é a grande fronteira e é aí que vai estar a cura. Acho que se você tiver doença metastática e associar, por exemplo, um anti HER2 eficaz com imunoterapia, provavelmente vai conseguir curar algumas pacientes, ou muitas pacientes.
O tratamento mudou, mas também dá para dizer que mudou o perfil de paciente. Por que mulheres cada vez mais jovens são diagnosticadas?
É verdade. A gente não sabe explicar o porquê. Na América Latina, as mulheres são bem mais jovens que na Europa e nos Estados Unidos. De uns tempos para cá tenho visto mulheres muito, muito jovens. Estamos fazendo um estudo e temos mulheres de 20 e poucos anos com câncer de mama metastático.
São poluentes ambientais, é a alimentação?
Não dá para saber. Alterações genéticas têm muito a ver com essa idade jovem das pacientes, mas talvez tenha a coisa do meio ambiente, dieta, produtos químicos. Os tumores dependentes de estímulos hormonais têm aumentado muito. Então, talvez os bisfenois, que estão em tudo o que a gente mexe hoje em dia, eles simulam hormônios, talvez tenham aumentado a incidência de câncer de mama e de próstata. O bisfenol é uma substância que vem em plásticos. Nos EUA, por exemplo, as mamadeiras, chupetas, elas têm que ser obrigatoriamente livres de bisfenol. Acho que aqui também, não tenho certeza, mas até recentemente mesmo as mamadeiras tinham bisfenol. A discussão do bisfenol está ligada ao aumento do câncer em crianças e adultos jovens. Esse papelzinho do cartão de crédito que você recebe impresso da máquina é bisfenol que você pega ali no seu dedo. A gente está se expondo a coisas sem saber muito as consequências. Nos Estados Unidos tem um movimento muito forte para controle dessas substâncias. A gente vive dentro de um aquário de substâncias tóxicas. Tudo o que você passa no seu cabelo de manhã cedo, o creme dental, o que você veste, os cremes, milhares de cremes, tudo tem produto químico.
Então mudou a abordagem de tratamento, mudou até o paciente. E o médico, viveu essa transformação?
Acho que o médico mudou muito. Hoje é preciso ter uma formação bem mais completa. Precisa conhecer um pouquinho da natureza da doença, saber um pouco de biologia molecular, um pouco de genética. Quanto mais ele souber, melhor. Tudo isso é importante para poder cuidar do paciente de uma maneira integral. Essa moça que saiu daqui agora tem um câncer de ovário. Ela foi diagnosticada em outro serviço, veio aqui e me contou a história dela. A mãe teve câncer de mama, a tia teve câncer de ovário, a avó morreu com câncer de mama aos 32 anos. Eu perguntei: você já foi testada? Testada para quê? Não. Nunca. Ninguém te falou nada, nunca? Ninguém. Testamos, ela tem mutação do BRCA1 e vai ser tratada com olaparib, que é uma droga específica para essa população. Você tem que fazer esse diagnóstico. Do jeito que ela estava sendo tratada, não poderia se beneficiar dessa droga.
A paciente passou a receber um inibidor de parp após um teste genético. Como está o acesso a esse arsenal?
Está aumentando, tem aumentado muito. Além de São Paulo, existem laboratórios em Curitiba, no Rio de Janeiro, Recife, tem expandido. O custo caiu menos do que a gente gostaria, mas o custo da genética ainda deve cair muito. Um exame que custava 12 mil reais 3 anos atrás hoje você pode pagar 1,5 mil em 10 vezes no cartão. Então acabou ficando acessível para um monte de gente. Mas é claro que para selecionar o tratamento o oncologista precisa estar atento e pedir o exame. Se ele não está ligado na genética, na história da família, ele vai comer bola. Antigamente isso não fazia diferença e ninguém perguntava, porque não tinha o que fazer. Em 2000, quando eu me propus a fazer o estudo de BRCA1 e BRCA2, eu achava que não ia ter paciente na minha clínica. Em um ano achei 52 famílias, só de perguntar. Hoje, a gente reúne centenas de casos mutados. A Patrícia Prolla, de Porto Alegre, está juntando os casos do Brasil, porque hoje faz diferença ter essa informação. Você vai programar o tratamento, vai aconselhar a família, mas naquela época a gente não sabia nada disso.
Você esteve à frente da criação do Grupo Brasileiro de Estudos do Câncer de Mama. Como está hoje o GBECAM?
O GBECAM criou escola e desde então outros grupos de pesquisa se lançaram, mas pela dificuldade de patrocínio o GBECAM acabou sendo incorporado pelo LACOG. Não conseguimos mais patrocínio suficiente para fazer os eventos, a situação do Brasil ficou muito difícil nos últimos anos e acabamos transferindo toda a pesquisa para o LACOG, em Porto Alegre. Temos uma pesquisa grande, que é o Projeto AMAZONA 3, e com os incentivos fiscais do governo, do sistema PRONON, recebemos pouco mais de um milhão de reais, que transferimos para o LACOG realizar o estudo, junto com o material físico, as pastas de pacientes, tudo.
E qual é a proposta do AMAZONA 3?
O AMAZONA 2 foi a releitura, com mais tempo de seguimento. O 3 é um estudo prospectivo. Agora, nós estamos captando 3 mil mulheres, pacientes tratadas este ano, que vão ser acompanhadas. O outro era um estudo retrospectivo, com mulheres já tratadas. O AMAZONA 3 também vai trazer o estudo de biomarcadores para tentar caracterizar um pouco melhor o câncer de mama no Brasil. Esse estudo está correndo, quem está dirigindo é a Daniela Rosa.
O estudo AMAZONA mostrou diferenças importantes entre o tratamento nos sistemas público e privado. O que foi mais marcante?
No serviço público o regime era menos eficaz, porque eles utilizam mais CMF, muito menos taxanos e drogas mais modernas, e a evolução das pacientes, principalmente as pacientes com estádio III, era muito inferior. Quando elas eram pareadas por estádio, pacientes tratadas no serviço público tinham sobrevida bem mais curta. Na verdade, não é nenhuma surpresa. A gente já esperava isso, porque no mundo inteiro o paciente tratado no sistema público vai pior que o paciente do sistema privado. O nosso estudo apenas demonstrou com gráficos, com dados, e explicou uma série de motivos que levam a isso. Um deles era a apresentação das pacientes em estádios mais avançados da doença. O serviço público tinha mais estádio III, com tratamento mais difícil. Além disso, a quimioterapia era menos eficaz e elas usavam menos inibidor de aromatase, que naquela época, de 2001 até 2006, podia fazer a diferença em relação ao tamoxifeno. Então você junta um tratamento menos eficaz, um estágio mais avançado da doença, todos os atrasos do sistema público, que são grandes para a consulta, para o pré-operatório, para a cirurgia, para a radioterapia. Eu acho que esse quadro essencialmente não mudou no Brasil. É exatamente isso que estamos coletando no AMAZONA 3, com dados atuais.
O senhor acredita que houve avanços?
Algumas coisas melhoraram. Agora tem trastuzumabe adjuvante, por exemplo. Isso é um grande avanço, só que demorou muitos anos. Depois de ser aprovado nos EUA foram sete anos para o medicamento ser aprovado aqui. O Barrios fez inclusive o cálculo de quantas mulheres morrem por ano por causa dessa falta de disponibilidade de trastuzumabe no sistema público no cenário metastático. Agora vêm os biossimilares. O biossimilar da Índia apresentado na ASCO este ano pela Hope Rugo, que é uma grande autoridade, uma mulher extremamente isenta para fazer o estudo, foi absolutamente idêntico ao Herceptin®. Foi igual em atividade clínica, em imunogenicidade, em geração de anticorpos, tudo igual, eles não conseguiram detectar diferença. As moléculas não são idênticas? Não, não são, porque não dá para fazer dois anticorpos idênticos. Mas a atividade clínica se mostrou igual. Em alguns casos até levemente superior que o Herceptin®.
Os biossimilares devem aumentar o acesso?
Desde que cheguem com preço competitivo, porque o trastuzumabe não está no serviço público por causa do preço. Se custasse 100 reais estava aí para todo mundo. Custa caro. Então, a vantagem do biossimilar é preço, é a única vantagem que ele vai ter, porque melhor que o remédio de marca ele não vai ser, a gente acha que não. E vai ganhar o mercado como? Baixando o preço, jogando o preço lá embaixo, porque se não for assim não adianta vir. Para chegar aqui e custar o mesmo que o trastuzumabe de marca, que é o que estão falando desse da Índia, aí não vale à pena.
Você aponta a necessidade de mais conhecimento médico, mas a gente vê uma crítica aguda em relação ao modelo de graduação médica.
A graduação no país é péssima e a oncologia na graduação médica é muito ruim. A sorte é que nós temos hoje em dia boas residências em oncologia. Então, o sujeito sai bem formado para a prática médica. Mas a formação na escola de medicina é muito ruim. Eu fui professor na Escola Paulista de Medicina, responsável pela parte de oncologia, e lutei para aumentar a carga, redistribuir os pré-requisitos básicos para entender oncologia, inclusive ciência básica. Os alunos chegavam no 3º ano para estudar oncologia e não lembravam de ciclo celular, de biologia molecular, de oncogênese, não sabiam nada. Então a formação de base do currículo já era falha.
Diria que a formação médica se precarizou da sua geração para cá?
Não sei se precarizou, mas não acompanhou essa mudança no perfil epidemiológico. Quando eu me formei, cirurgia cardíaca era o máximo, hoje é uma ciência que está em extinção. E daqui a dez anos vai se morrer mais de câncer do que de doença cardiovascular. Simplesmente nós não temos médicos oncologistas para tratar esse povo todo.
E oncogenetecistas...
Pouquíssimos, tudo pouco. Existem grandes cidades que não tem oncogeneticista.
O que poderia fazer a diferença nos cursos de formação médica?
Eu acho que a Sociedade Brasileira de Oncologia Clínica precisava interferir um pouco nessa formação, para que um médico possa ter base para fazer uma boa residência e subsídios teóricos para ser um bom oncologista. Repor tudo depois que o sujeito está formado é difícil, até dá para fazer, mas é difícil. Você precisa começar lá atrás, no primeiro ano de faculdade. A coisa boa é que tem um interesse gigantesco pela oncologia. É das residências mais concorridas hoje no país porque é uma área muito dinâmica, muito ativa, enquanto outras não experimentaram tanta evolução. A diálise que você faz hoje é muito parecida com a diálise de dez anos atrás e de vinte anos atrás. A endócrino para tratar hipotireoidismo, por exemplo, é o tratamento que eu aprendi na faculdade 40 anos atrás. A oncologia é uma avalanche, é um turbilhão, você fica louco com tanta informação. Eu me foquei em duas ou três áreas que me interessam, porque a gente não consegue acompanhar tudo.
Essa grande evolução se deve também à pesquisa clínica, que hoje se tornou cara demais, o que serve de argumento para o alto custo dos medicamentos. Qual a sua opinião?
As companhias abusam muito do preço que a gente compra. Muito mesmo. A política de precificação é bem complicada. Uma das desculpas é que custa mais de 1 bilhão para pôr uma droga no mercado, depois tem que pagar aquelas drogas que custaram muito e não chegaram comercialmente. Agora, na verdade, o custo da droga não tem nada a ver com o custo de desenvolvimento. Eles ganham por QALY years, quanto o governo está disposto a pagar por ano a mais de vida.
E a toxicidade dos novos agentes, tem sido subestimada?O congresso da ESMO apresentou um estudo mostrando que o perfil de toxicidade tardia é subestimado. Qual a sua opinião?
Muito. A toxicidade tardia você só vê se acompanhar. Aquele paciente que ficou no estudo 4, 7, 8 meses teve determinada toxicidade. Mas existem coisas que acontecem um ou dois anos depois e ninguém vê. Foi o que ocorreu com aquele antinflamatório Vioxx, quando entrou no mercado se viu que era cardiotóxico. Isso acontece porque a população que entra em um estudo clínico tem um performance status ótimo, tem que ter função renal boa, função hepática boa. Aí chega a velhinha aqui que tem diabetes, é cardíaca e ela vai mal com o mesmo remédio que foi ótimo para os outros. Então a toxicidade fase IV é importante, é um estudo caro de fazer, mas precisa ser feito.
Política pública começa com um cenário. Como são os nossos registros em câncer?
Os registros não são confiáveis. Você pega, por exemplo, a incidência de câncer no Maranhão e no Pará. São 13 casos para 100 mil mulheres. Chega no Rio de Janeiro, 127. Pode ser que no mesmo país tenha 10 vezes menos? O ambulatório de câncer de mama que eu conheço em Belém do Pará está sempre lotado, virando a esquina de mulher doente. Não pode ser um número desses. Eu acho que o problema de registros confiáveis é realmente um grande problema para o ministério. É o dado que eles têm, é o que conseguem coletar, mas eu acho que a qualidade precisa ser posta em dúvida. Se for verdadeiro, é um fenômeno que precisa ser estudado, porque na região Norte tem dez vezes menos casos de câncer de mama do que na região Sul. O estilo de vida é diferente? É. A população é diferente geneticamente? É. Lá é índio misturado com branco e pouquíssimos negros, é o caboclo. Será que é uma população mais resistente? Será que é a dieta deles com tucupi? Ou será mesmo que ninguém está rastreando? No interior da Amazônia não tem câncer de mama, ninguém vai lá de barco olhar. A ONG Américas Amigas pôs dois mamógrafos em barco. Primeira vez que as mulheres ribeirinhas fizeram mamografia na vida. Então acho que esses dados epidemiológicos do Brasil são difíceis, são ruins.
Perfil
Sergio Daniel Simon é oncologista clínico, Professor Associado da UNIFESP, sócio-fundador do Centro Paulista de Oncologia (CPO), do Grupo Oncoclínicas, e criador do Grupo Brasileiro de Estudos do Câncer de Mama (GBECAM).