Em entrevista exclusiva, Dan Waitzberg (foto), diretor presidente do GANEP Nutrição Humana e coordenador do Grupo de Pesquisa (NAPAN) da FMUSP, fala sobre a relação entre câncer e nutrição, o manejo da síndrome da anorexia-caquexia (SAC) no paciente oncológico, prevenção e nutrigenética.
Onconews: Como compreender a síndrome da anorexia-caquexia (SAC) no paciente oncológico?
Dan Waitzberg: A SAC ganhou uma compreensão distinta nos últimos anos. O paciente caquético era entendido como aquele doente acamado, emagrecido, com perda de massa muscular e massa gorda, anêmico e com fadiga. Todas as condições clínicas estavam bastante deterioradas e preconizavam uma morte eminente. No entanto, estudos já mostraram que a caquexia é um processo, com diferentes estágios: pré-caquexia, leve, moderada e grave. A pré-caquexia caracteriza-se por uma perda não nutricional de menos de 5% do peso usual, acompanhada de redução da ingestão calórica ou da presença de um marcador inflamatório, por exemplo uma proteína C-reativa elevada, ou uma albumina baixa. Na caquexia moderada temos uma perda de peso mais intensa, redução do IMC e ingestão menor do que 1500 calorias, com ou sem fenômenos inflamatórios. Com a progressão até a caquexia grave, refratária, temos um indivíduo depauperado, emagrecido, acamado, com fadiga, que corresponde ao conceito da caquexia de anos atrás. A evolução do pensamento científico mostrou que é possível intervir em estágios precoces e não esperar a SAC refratária, quando realmente há muito pouco o que fazer pela qualidade de vida do paciente. Em cada uma dessas etapas podemos nos valer de diferentes instrumentos de avaliação, como a ingestão dietética através do recordatório alimentar, medidas antropométricas e de composição corpórea, avaliação de performance status e até de análises laboratoriais para proteína C-reativa, albumina, ferritina e outros marcadores.
Então é possível prevenir?
Claro, quanto mais precoce a intervenção, melhor. Devemos valorizar o diagnóstico precoce e instalar imediatamente um planejamento nutricional. Significa orientar o paciente a adotar uma alimentação que se adapte às modificações que o câncer traz em termos de sabor, odor, texturas, buscando preparações mais adequadas. Outra estratégia é fazer uso dos suplementos alimentares, muitos deles desenhados para o doente oncológico, enriquecidos de ácidos graxos ômega 3 e hiperprotéicos. Se numa etapa posterior a anorexia impedir a alimentação oral, devemos utilizar o trato digestivo, com sondas nasoenterais ou nasogástricas para nutrição enteral. E temos casos de câncer avançado, particularmente aqueles de esôfago, estômago alto ou cabeça e pescoço, onde há uma obstrução do trânsito alimentar. Nesses casos a nutrição parenteral é a mais indicada.
Que tumores estão associados a um maior risco nutricional?
São justamente aqueles que acometem o trato gastrointestinal superior, portanto esôfago, estômago, os tumores de pâncreas e de cabeça e pescoço, que por razões óbvias impedem a deglutição e a alimentação. No entanto, a desnutrição em câncer é universal. Nós temos pacientes que não têm obstáculo mecânico para a alimentação, mas têm uma profunda anorexia, como acontece no câncer de pulmão. Existem estudos apontando que cânceres de mama, testículo, próstata, dependendo do estádio e do tipo de tumor, em determinado momento cursam também com emagrecimento e desnutrição.
E isso tem impacto na mortalidade?
Existem evidências muito sólidas de avaliação de composição corpórea, particularmente utilizando-se da tomografia computadorizada de L3 e L4, que é capaz de medir a massa magra, que tem uma relação direta com a mortalidade. Pacientes que perdem progressivamente massa magra têm um risco muito maior de complicações no tratamento, com maior mortalidade. É importante dizer que essa perda da massa magra, chamada sarcopenia, acontece também em indivíduos obesos.
Alguns pacientes mantêm caquexia acentuada após o tratamento do câncer. Há cuidados especiais para esse grupo?
Imagine uma gastrectomia total para o tratamento de um câncer gástrico. Ao remover a câmara gástrica e criar uma anatomia diferenciada para reconstituir o trânsito alimentar, existe uma perda de peso corpóreo de 10%. No caso de uma duodenopancretectomia para tumor de pâncreas, essa perda de peso é de 15 a 20%. Em determinadas cirurgias de esôfago, não existe uma boa adaptação à reconstituição do tubo gástrico e a perda de peso é esperada, assim como na esofagocoloplastia. Em pacientes tratados com radioterapia, particularmente aqueles irradiados ainda com bomba de cobalto para câncer de útero, um dos problemas mais graves são as enterites actínicas, que levam a uma grande dificuldade de se alimentar, além de uma sintomatologia digestiva muito acentuada, com cólicas, distenção abdominal e vômitos. Consequentemente, são pacientes que perdem muito peso, daí a importância de um aconselhamento nutricional pré e pós-tratamento. Muitos hospitais de câncer fazem esse acompanhamento, com a nutrologia e a nutrição. No entanto, outros não dispõem ainda desses recursos e nem sempre os oncologistas estão cientes da importância de incluir o tratamento e acompanhamento nutricional como parte integral da assistência.
A ética na nutrição do paciente terminal ainda é um desafio?
Diferentes sociedades de nutrição enteral e parenteral preconizam que quando há expectativa de vida superior a dois meses e existem condições de alimentar o paciente por via oral ou enteral, isso deve ser feito. Em situações graves, sempre que a causa mortis não for imediatamente atribuída ao câncer, está indicada a intervenção nutricional, mas é sempre importante avaliar cada caso. Em um paciente com poucas semanas de vida, as sociedades médicas defendem que a nutrição não é prioridade. Na realidade, ela até incomoda o paciente e deveríamos dar o mínimo para preservar sua dignidade. Mas claro que desafios existem, a família interpreta erroneamente essa atitude e é preciso explicar cuidadosamente a condição do paciente e esclarecer que a ausência de alimentação não vai prejudicar nem precipitar o desfecho fatal.
Nutrigenética é um conceito ainda pouco difundido na oncologia?
Hoje, sabemos que além dos nutrientes modificarem a expressão direta ou indireta dos genes, eles podem atuar de maneira epigenética, através da metilação do DNA, da acetilação de histonas ou mesmo modificando micro-RNAs. Testes de expressão gênica disponíveis são capazes de identificar indivíduos com alguns polimorfismos mais suscetíveis a deficiências de certas vitaminas e com uma probabilidade maior de apresentar certos tipos de câncer, como por exemplo o ácido fólico e o câncer de cólon.