O oncologista Carlos Dzik (foto), especialista em tumores geniturinários e Titular de Oncologia Clínica do Centro de Oncologia do Hospital Sírio-Libanês, comenta a nota de alerta do FDA em relação ao uso de pembrolizumabe e atezolizumabe em 1a linha para pacientes com carcinoma urotelial de bexiga, ureter ou pelve renal metastático ou localmente avançado e que sejam inelegíveis para receber cisplatina.
Atezolizumabe (Tecentriq-Roche) e Pembrolizumabe (Keytruda-MSD) são duas drogas inibidoras de checkpoint imune respectivamente das vias PD-L1 e PD-1. Foram inicialmente aprovadas no tratamento de carcinoma urotelial metastático após falha de tratamento que contenha cisplatina ou carboplatina, ou seja, no sequenciamento de segunda linha [1,2]. Esta aprovação está contemplada por nossa ANVISA. Ocorre que paralelamente a isso as duas medicações também foram aprovadas no mundo e no Brasil em pacientes com doença avançada que não podem receber cisplatina como parte de seu tratamento inicial, por conta de reserva renal reduzida ou por contra-indicação para tratamento citotóxico em geral (baixa performance, doença cardíaca, neurológica periférica, etc.). Estas duas aprovações são embasadas por 2 estudos de fase 2 em primeira linha em pacientes inelegíveis para receber cisplatina, seja por qualquer razão: São estes os estudos IMVIGOR-210 para atezolizumabe [3] e KEYNOTE-052 para pembrolizumabe [4]. Estas aprovações não restringem a indicação em função da expressão de PD-L1 ou qualquer outro tipo de análise de biomarcador. Podem ser consideradas aprovações preliminares na medida em que neste momento correm dois importantíssimos estudos de fase 3 que irão justamente responder à pergunta de qual o melhor tratamento destes pacientes em 1a linha: Quimioterapia baseada em platina (cisplatina ou carboplatina), quimioterapia em associação com anti-PD-L1/anti PD-1 ou anti-PD-L1/anti PD-1 em monoterapia. São estes os estudos: IMVIGOR-130 e KEYNOTE-361.
Em 18/05/2018 foi publicado um alerta de segurança pelo FDA, após análise preliminar pré-programada, notificando que em ambos os estudos se observou reduzida sobrevida para o grupo de pacientes que receberam a imunoterapia como monoterapia, em comparação com o grupo que recebeu quimioterapia baseada em platina (cisplatina ou carboplatina), exatamente quando se analisou em separado os pacientes com baixa expressão de PD-L1 em células tumorais e em células inflamatórias. Trata-se de uma análise preliminar, mas que coloca para todos nós uma informação desafiadora.
Vamos continuar a aceitar os dados dos estudos IMVIGOR-210 e KEYNOTE-052 como suficientes, por enquanto, para nos respaldar na decisão de tratamento de nossos pacientes que não podem receber cisplatina na primeira linha, independentemente de sua expressão de PD-L1, ou vamos separar pacientes com baixa ou nenhuma expressão de PD-L1 em células tumorais e/ou células inflamatórias e insistir no tratamento destes pacientes com quimioterapia baseada em carboplatina, na 1a linha, mesmo sabendo que há um consenso de que carboplatina é inferior à cisplatina, neste cenário [5] ?
Alguns comentários críticos devem ser feitos aqui. Em primeiro lugar, a população dos estudos que levaram à aprovação da imunoterapia em primeira linha é diferente da população dos estudos de fase III, na medida em que nos primeiros eram selecionados apenas pacientes inelegíveis para cisplatina e nos estudos atuais em andamento qualquer paciente pode ser considerado, independentemente de sua elegibilidade para cisplatina. Portanto, os resultados são produto de uma análise de subgrupo, ainda que obedecendo a uma estratificação pré-programada, melhor do que uma análise de sub-grupo retrospectiva ou ad-hoc, como normalmente denominada. Mas os dados estão aí e serão em breve melhor detalhados quando da análise final destes estudos, esperados para breve.
A grande dúvida agora é o que fazer até lá com pacientes que não podem receber cisplatina e ao mesmo tempo têm baixa expressão de PD-L1 (< 10%).
Entendemos que mesmo neste grupo de pacientes inelegíveis (perto de 50% da população geral) há que se diferenciar o motivo da inelegibilidade para cisplatina. Se o motivo é apenas um clearance de creatinina insuficiente, a valorização da expressão de PD-L1 como um biomarcador válido adquire importância maior e talvez esses pacientes devam, por enquanto, ser tratados com esquemas baseados em carboplatina, se possível, até que sejam confirmados e melhor elaborados estes achados. E na falha deste tratamento inicial poderiam então receber a imunoterapia em 2a linha, como já aprovado anteriormente. Já para o grupo de pacientes inelegíveis por outras comorbidades (em torno de 50% desta população nestes e em estudos com quimioterapia baseada em carboplatina) e que dificulte a consideração de qualquer forma de tratamento citotóxico, provavelmente a única alternativa seria a imunoterapia, com chance de 10% de resposta objetiva) ou então apenas cuidados de suporte. Nestes casos, o valor de PD-L1 como biomarcador válido adquire, de certa forma, um significado diferente.
Há, no entanto, um cenário que pode trazer nuances diferentes a este debate. Me refiro aos pacientes que tenham em seus tumores defeitos de reparo de DNA e consequentemente maior carga mutacional, casos típicos de muitos dos tumores de via excretora superior (ureter e pelve renal), especialmente em indivíduos com suspeita de serem parte de famílias com a chamada Sindrome de Lynch. Nestes casos, a indicação de imunoterapia pode ser feita independente do status de expressão de PD-L1 ou mesmo da função renal. Isto certamente não está contemplado em nenhum estudo especificamente desenhado apenas para pacientes com carcinoma urotelial. Na realidade, esses pacientes já têm aprovação pelo FDA, baseada em publicação anterior pelo New England Journal of Medicine [6] para qualquer tumor com este tipo de biologia.
Há quem julgue ser possível compartilhar este dilema todo com os pacientes. Talvez SIM... talvez NÃO !
Leia mais: Imunoterapia: FDA faz alerta de segurança no câncer urotelial
Imunoterapia: Anvisa autoriza novas indicações
Refêrencias:
1-Powles T et al: Atezolizumab versus chemotherapy in patients with platinum-treated locally advanced or metastatic urothelial carcinoma (IMvigor211): a multicentre, open-label, phase 3 randomised controlled trial. Lancet. 2018 Feb 24;391(10122):748-757. doi: 10.1016/S0140-6736(17)33297-X. Epub 2017 Dec 18.
2-Bellmunt J. et al: Pembrolizumab as Second-Line Therapy for Advanced Urothelial Carcinoma.
N Engl J Med. 2017 Mar 16;376(11):1015-1026. doi: 10.1056/NEJMoa1613683. Epub 2017 Feb 17.
3- Arjun Balar et al: Atezolizumab as first-line therapy in cisplatin-ineligible patients with locally advanced and metastatic urothelial carcinoma: a single-arm, multicentre, phase 2 trial. Lancet. 2017 January 07; 389(10064): 67–76. doi:10.1016/S0140-6736(16)32455-2.
4- Arjun Balar et al: First-line pembrolizumab in cisplatin-ineligible patients with locally advanced and unresectable or metastatic urothelial cancer (KEYNOTE-052): a multicentre, single-arm, phase 2 study. Lancet Oncol 2017; 18: 1483–92. doi.org/10.1016/ S1470-2045(17)30616-2
5-De Santis M.: Randomized Phase II/III Trial Assessing Gemcitabine/Carboplatin and Methotrexate/Carboplatin/ Vinblastine in Patients With Advanced Urothelial Cancer Who Are Unfit for Cisplatin-Based Chemotherapy: EORTC Study 30986. J Clin Oncol 30:191-199. © 2011
6-D.T.Le et al: PD-1 Blockade in Tumors with Mismatch-Repair Deficiency. N Engl J Med. 2015 Jun 25; 372(26): 2509–2520. doi10.1056/NEJMoa1500596