Estudo de coorte com mais de 200 mil sobreviventes avaliou o risco de neoplasias subsequentes para 16 tipos de câncer em adolescentes e adultos jovens. Os resultados foram publicados no Lancet Oncology. Quem discute os desafios do acompanhamento dessa população é Liz Almeida (foto), médica epidemiologista e chefe da Divisão de Pesquisa Populacional do INCA.
O Estudo de Sobreviventes de Câncer - Adolescentes e Jovens Adultos é uma coorte populacional que avaliou 200.945 sobreviventes diagnosticados entre 15 e 39 anos na Inglaterra e País de Gales, de 1º de janeiro de 1971 a 31 de dezembro de 2006. O acompanhamento foi de uma sobrevida de 5 anos até a primeira ocorrência de morte, emigração ou data final do estudo (31 de dezembro de 2012).
Nesta análise, os pesquisadores apresentaram o risco de neoplasias subsequentes para 16 tipos de câncer em adolescentes e adultos jovens: mama; câncer cervical; testicular; Linfoma de Hodgkin (feminino); Linfoma de Hodgkin (masculino); melanoma; SNC (intracraniano); colorretal; linfoma não-Hodgkin; tireoide; sarcoma de tecidos moles; câncer de ovário; bexiga; outra malignidade ginecológica; leucemia e câncer de cabeça e pescoço.
Resultados
Em um acompanhamento médio de 16,8 anos, (IQR 10,5-25,32), 12.321 neoplasias primárias subsequentes foram diagnosticadas em 11.565 sobreviventes, mais frequentemente em sobreviventes de câncer de mama, câncer cervical, testicular e linfoma de Hodgkin.
O risco adicional (AER) para neoplasias subsequentes foi de 19, 5 por 10.000 pessoas-ano em sobreviventes de câncer de mama, 10, 2 em sobreviventes de câncer cervical, 18, 9 em sobreviventes de câncer testicular, 55, 7 em mulheres sobreviventes de linfoma de Hodgkin e 29, 9 em homens sobreviventes de linfoma de Hodgkin. A incidência cumulativa de todas as neoplasias subsequentes 35 anos após o diagnóstico foi de 11,9% (95% CI 11-3-10) em sobreviventes de câncer de mama, 15,8% (14,8-16,7) em sobreviventes de câncer do colo do útero, 20, 2% (18,9-21,5) em sobreviventes de câncer testicular, 26,6% (24,7-28,6) em mulheres sobreviventes de linfoma de Hodgkin e 16,5% (15, 2-18,0) em homens sobreviventes de linfoma de Hodgkin.
“Em indivíduos que sobreviveram pelo menos 30 anos após o diagnóstico de câncer do colo do útero, testículo, linfoma de Hodgkin em mulheres, câncer de mama e linfoma de Hodgkin em homens, identificamos um pequeno número de neoplasias subsequentes que representam 82%, 61% , 58%, 45% e 41% do número total de neoplasias, respectivamente”, descrevem os autores. O estudo destaca que o câncer de pulmão foi responsável por proporção notável de risco adicional em todos os grupos avaliados”.
“Nossos achados fornecem uma base de evidências para informar prioridades de longo prazo e prover acompanhamento a curto prazo”, analisam os autores.
O estudo tem financiamento da Cancer Research UK, National Institute for Health Research, Academy of Medical Sciences e Children with Cancer UK.
Referência: Bright, C. J., Reulen, R. C., Winter, D. L., Stark, D. P., McCabe, M. G., Edgar, A. B., … Hawkins, M. M. (2019). Risk of subsequent primary neoplasms in survivors of adolescent and young adult cancer (Teenage and Young Adult Cancer Survivor Study): a population-based, cohort study. The Lancet Oncology. doi:10.1016/s1470-2045(18)30903-3
Assistência integral aos sobreviventes de câncer
Os achados do artigo de Cloe J. Bright et al remetem para questões que hoje estão sobre a mesa de gestores de saúde: o acompanhamento de sobreviventes de câncer. Quem discute os desafios do acompanhamento dessa população é Liz Almeida (foto), médica epidemiologista e chefe da Divisão de Pesquisa Populacional do INCA.
Por Liz Almeida
“Trata-se de um grupo bem heterogêneo, constituído de pessoas que tiveram câncer e não mostram mais sinais de doença ativa e pessoas que vivem com a doença, mas hoje podem ter uma expectativa de vida mais longa. No primeiro grupo, temos indivíduos que não terão outro tipo de câncer, mas que carregam sequelas da própria doença e/ou do tratamento e, portanto, precisam de assistência médica, fisioterápica, psicológica etc. Temos também indivíduos que tiveram recidivas do câncer, trataram e prosseguem fazendo acompanhamento. E temos pessoas que não mais tiveram problemas com o câncer ou com o tratamento, mas não estão livres de apresentar novo tipo de câncer no futuro, mesmo que muitos anos tenham se passado.
E o que fazer com todas essas pessoas? Quem fica responsável por acompanhar esses indivíduos depois que terminar o período de seguimento padrão de cinco anos? Esse desafio é hoje debatido em vários países onde se discutem modelos de assistência integral aos sobreviventes de câncer, população que cresce de forma expressiva conforme melhora a capacidade de diagnóstico e tratamento. Sem dúvida, são questões que desafiam também as organizações de saúde, quer no âmbito público, quer no âmbito privado.
No Brasil, mal iniciamos essa discussão, tal a demanda que ainda se coloca quanto ao acesso rápido e oportuno ao diagnóstico e tratamento do câncer. No entanto, também aqui o número de sobreviventes cresce rapidamente, indicando que não é possível ignorar o problema.
O conhecimento sobre o câncer, seu tratamento, avanços e consequências está concentrado nos especialistas que não atuam nos níveis de atenção básica. Mas é na atenção básica que os pacientes chegam, é nesse contexto que acontece a suspeita da doença, o encaminhamento para os exames diagnósticos e para o tratamento. É também para a atenção básica que essas pessoas retornarão, após o término do seguimento. É tempo de reunir esse conjunto de profissionais de saúde e gestores para debater questões como essas para desenvolver um plano de ações assistenciais e sociais de curto, médio e longo prazo para os sobreviventes de câncer.”