Quais os fatores de risco para doença cardiovascular em sobreviventes de câncer de mama na pós-menopausa? Estudo de pesquisadores da Universidade Estadual Paulista (UNESP) publicado no periódico Menopause1 buscou responder essa questão e demonstrou que a incidência de síndrome metabólica, placa ateromatosa, diabetes, hipertrigliceridemia e circunferência abdominal aumentada foi significativamente maior em mulheres tratadas para câncer de mama em comparação com mulheres pós-menopausadas sem a doença. Quem comenta o trabalho é a cardio-oncologista Ariane Vieira Scarlatelli Macedo (foto), do Centro Paulista de Oncologia/Grupo Oncoclínicas.
Pacientes com câncer de mama apresentam maior risco de mortalidade por doença cardiovascular em comparação com mulheres da população geral. O risco de doença cardiovascular pode aumentar significativamente em mulheres na pós-menopausa com câncer de mama em estágio inicial.
Neste estudo transversal, 96 sobreviventes de câncer de mama na pós-menopausa foram comparadas com 192 mulheres pós-menopausadas. O grupo principal incluiu mulheres com amenorreia > 12 meses, mais de 45 anos, com câncer de mama e sem doença cardiovascular estabelecida. O grupo controle cumpria os mesmos critérios, mas não apresentava histórico de câncer.
Os grupos foram pareados por idade, tempo desde a menopausa e índice de massa corporal, na proporção de 1 caso para 2 controles (1: 2). Mulheres com três ou mais dos seguintes critérios foram diagnosticadas com síndrome metabólica: circunferência da cintura > 88 cm; triglicerídeos _150 mg/dL; colesterol de lipoproteína de alta densidade <50 mg/dL; pressão arterial _130/85 mm Hg; e glicose _100 mg/dL.
Foram utilizados imunoensaios (teste de imunoabsorção ligado a enzima) para a avaliação das concentrações de Hot Schok Proteins (HPS) 60 e 70 no plasma. A doença aterosclerótica foi determinada pela espessura médio-intimal (> 1 mm) das artérias carótidas e/ou pela presença de placa ateromatosa avaliada pelo ultrassom da artéria carótida (scanner duplex).
Resultados
As pacientes com histórico de câncer de mama apresentaram maiores níveis de HSP60 e menores níveis de HSP70 em comparação com o grupo controle (P <0,05). A análise mostrou que as chances de desenvolver síndrome metabólica (odds ratio [OR] = 4,21, 95% IC, 2,28-7,76), placa ateromatosa (OR = 2.61, 95% IC, 1,19-5,72), diabetes (OR = 4,42; 95% IC, 1,86-10,49), hipertrigliceridemia (OR = 2.32, 95% IC, 1,33-4,0) e circunferência abdominal aumentada (OR = 11,22; IC95%, 4,0-31,65) foi significativamente maior em mulheres tratadas para câncer de mama em comparação com o grupo de mulheres sem a doença.
Câncer de mama e doença cardiovascular
Por Ariane Vieira Scarlatelli Macedo, cardio-oncologista do Centro Paulista de Oncologia/Grupo Oncoclínicas
Bruttos e coautores demonstraram uma associação entre câncer de mama e aumento do risco de doenca cardiovascular (DCV) em mulheres brasileiras na pós-menopausa. Como este foi um estudo comparativo com um grupo controle, pode-se determinar que os sobreviventes de câncer de mama tinham uma maior razão de chances de desenvolvimento de doença aterosclerótica, síndrome metabólica, diabetes, hipertrigliceridemia e obesidade abdominal, que são os principais fatores de risco associados com DCV.
Os autores também avaliaram a presença de marcadores conhecidos como proteínas de estresse extracelular como “Hot Schok Proteins (HPS). As HSPs exercem funções protetoras e agem como guardiões moleculares durante a lesão celular em resposta a diversos estímulos, ajudando as células a defender o organismo contra agressores potenciais.2 A expressão de HSP é regulada por vários fatores, incluindo infecção, hipóxia, estresse oxidativo e inflamação.3 Estudos sugerem que o HSP pode desempenhar um papel no desenvolvimento de DCV.4 Na avaliação das HSP , as mulheres com câncer de mama apresentaram maiores valores de HSP60 e menores valores de HSP70, corroborando o entendimento de que essas mulheres tinham um maior risco de morte por DCV do que mulheres sem câncer de mama.
Embora os resultados tenham sido ajustados para alguns potenciais confundidores, este foi um estudo transversal e não foi possível provar uma relação causal entre o câncer de mama e o risco de DCV. No entanto, trata-se de um estudo controlado incluindo um grupo considerável de mulheres saudáveis sem DCV. Os controles foram pareados por idade, tempo desde a menopausa e IMC, que são fatores importantes que contribuem para o risco de DCV. Os resultados demonstraram que as mulheres tratadas para câncer de mama apresentaram fatores de risco cardiovascular.
Na presente pesquisa, aproximadamente 80% dos sobreviventes de câncer de mama tinham tumores de estágio I e II (42,7% e 38,5%, respectivamente), 85% dos tumores eram positivos para receptores hormonais, e as pacientes foram consideradas como de prognóstico favorável. Este estudo ressalta um ponto importante no cuidado ao paciente com câncer de mama: o risco cardiovascular elevado nesses pacientes pode ser mais preocupante do que o risco de câncer a médio e longo prazo. Portanto, mulheres diagnosticadas com câncer de mama devem receber atendimento multidisciplinar, incluindo consulta de cardiologia no momento do diagnóstico do câncer de mama e também durante as visitas de acompanhamento oncológico.
Equipes de cardio-oncologia já são uma realidade e foram introduzidas na prática de oncologia de rotina pelas principais sociedades de cardiologia em todo o mundo,5 demonstrando a preocupação cada vez mais evidente sobre a relação entre câncer de mama e doença cardiovascular.
Referências
1 - High risk for cardiovascular disease in postmenopausal breast cancer survivors - Daniel de Araujo Brito Buttros, Mauro Terra Branco, Claudio Lera Orsatti, Benedito de Sousa Almeida-Filho, Jorge Nahas-Neto, and Eliana A.P. Nahas - Menopause, Vol. 26, No. 9, pp. 000-000 - DOI: 10.1097/GME.0000000000001348
2 - Calderwood SK, Mambula SS, Gray PJ Jr. Extracellular heat shock proteins in cell signaling and immunity. Ann N Y Acad Sci 2007; 1113:28-39.
3 - Niizeki T, Takeishi Y, Watanabe T, et al. Relation of serum heat shock protein 60 level to severity and prognosis in chronic heart failure secondary to ischemic or idiopathic dilated cardiomyopathy. Am J Cardiol 2008;102:606-610.
4 - Shamaei-Tousi A, Halcox JP, Henderson B. Stressing the obivious? Cell stress and cell stress proteins in cardiovascular disease. Cardiovasc Res 2007;74:19-28.
5 - Mehta LS, Watson KE, Barac A, et al. American Heart Association Cardiovascular Disease in Women and Special Populations Committee of the Council on Clinical Cardiology; Council on Cardiovascular and Stroke Nursing; and Council on Quality of Care and Outcomes Research. Cardiovascular disease and breast cancer: where these entities intersect. A scientific statement from the American Heart Association. Circulation 2018;137:e30-e66.